Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Vozes da Voz - uma experiência em webrádio

Nas ondas da Rádio Silva as vozes ecoam e alimentam o sonho do cuidado em liberdade
Santos - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Fabrício Gobetti Leonardi, Wagner Yoshizaki Oda, Stéfanis Silveira Caiaffo, Renato Zamarrenho, Edison de Castro, Camila Rossi
wagner.oda@unifesp.br, fabriciogleonardi@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Os programas, em sua maioria, são gravados nos estúdios da Rádio Silva, que fica na Rua Silva Jardim, 136 - Vila Mathias - Santos -SP. Alguns programas são gravados nos próprios serviços da rede de saúde mental da Baixada Santista. Instituições vinculadas: UNIFESP - Campus Baixada Santista
Resumo afetivo: 

Vozes da Voz é um programa de Webrádio que pretende, a partir dos princípios da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica, permitir que os diferentes sujeitos da saúde mental possam contar suas histórias, expressar suas ideias, falar de suas vivências, mostrar seus talentos, além de pautar e participar de discussões sobre temas afins a saúde mental. A iniciativa parte do desafio de trazer à tona as diferentes vozes, principalmente as vozes por muitas vezes deslegitimadas e silenciadas, daqueles que vivenciam a loucura no seu cotidiano. 

O programa é constituído por duas frentes, uma que ocorre em um estúdio fixo e outra que “leva” o estúdio até os serviços de saúde mental. 

O espaço da rádio possibilita uma conexão diferente e potente com os entrevistados, de forma a contribuir não apenas para o avanço da construção teórica ou dos debates na área, mas criar vínculos, afetos e protagonismos. 

Estar no estúdio da rádio, seja como locutor, seja como entrevistado, permite aos participantes experimentarem outros papéis, ocupando ora lugares de protagonismo ora lugares que legitimam o protagonismo do outro. 

Por outro lado, levar os equipamentos da rádio até os serviços, amplia a experiência, ao possibilitar a participação daqueles que por diferentes razões não conseguem se deslocar até o espaço do estúdio. Além de criar novas possibilidades de convivência no cotidiano dos serviços.

Desta forma, as diferentes apresentações do programa podem também ser compreendidas como estratégia a serem inscritas nos projetos terapêuticos singulares.

 

Contexto: 

Trata-se de um programa de rádio que, por um lado, está vinculado a um projeto de extensão universitária, proposto a partir do Centro de Educação em Direitos Humanos (CEDH) da Unifesp Baixada Santista, articulando-se com estágios curriculares de graduação e com o programa de residência multiprofissional em redes de atenção psicossocial. Mas, que também é consolidado a partir de redes informais constituídas pelos diferentes atores da Saúde Mental na Baixada Santista, que buscam espaços para se reconhecerem e se organizarem. 

O programa “Vozes da Voz” compõe, entre outras iniciativas, a programação da Rádio Silva, que é a webrádio da Unifesp – campus Baixada Santista. Tem, desde 2016, buscado dar voz aos diversos sujeitos ligados à temática da saúde mental, sejam usuários, familiares, trabalhadores, pesquisadores e artistas, de forma a promover a reflexão sobre a reforma psiquiátrica e o protagonismo na luta por direitos e cuidado em liberdade. Nessa linha, busca soluções, debates e (novas) formas de pensamento e expressão para além da comunicação de massa que é a tônica da indústria de comunicação no Brasil e no mundo. Ao tentar ampliar os espaços de protagonismo e problematizar a compreensão sobre as concepções sociais do sofrimento mental, suas dimensões, potências e limites, busca a construção de sentidos, em que diferentes visões de mundo e narrativas são compartilhadas, tornando-se uma complexa polifonia constituída pelas vozes de distintos grupos e atores sociais. 

Além disso, os retrocessos no campo da saúde mental, particularmente nos últimos anos, alavancaram uma série de debates, discussões e formas de resistência que passaram a ser necessárias, principalmente, a partir do golpe institucional à presidência da república em 2016 que significou, em termos concretos, a mudança de paradigma na condução das políticas de saúde mental no Brasil, notadamente para uma via mais conservadoras e alinhada à lógica manicomial. Desta forma, dar voz às vozes da saúde mental é também resistir às tentativas de retrocessos no cuidado em liberdade.

Motivações: 

Há mais de dez anos, técnicos, docentes e alunos da universidade, além de usuários, familiares e trabalhadores dos serviços de saúde mental da Baixada Santista vêm organizando e compondo diferentes atividades, eventos acadêmicos e culturais, marchas, oficinas e encontros sobre a questão da reforma psiquiátrica e da saúde mental na Baixada Santista. 

A partir da inauguração do Núcleo de Rádio do campus Baixada santista da Unifesp, em que a comunidade acadêmica foi convidada a propor e construir propostas radiofônicas, compreendeu-se que este poderia ser mais um espaço de diálogo com a sociedade, e de protagonismo, em particular, dos usuários dos serviços de saúde mental. 

Nessa toada, o programa nasceu dentro dos estúdios da Rádio Silva em 2016, com a presença de Dulce Edie Pedro dos Santos, mãe de um dos usuários do CAPS de São Vicente e uma importante figura da luta antimanicomial na Baixada Santista. Desde então, estiveram nos estúdios da Rádio Silva mais de uma centena de convidados. 

Em 2018, a partir da ideia de ampliar as possibilidades do uso da rádio, criou-se uma versão itinerante do programa, chamada de “Vozes da Voz – Ocupação”, em que a transmissão se deu a partir do próprio CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), dando voz às pessoas que ali circulam.

Parcerias: 

O campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo apresenta cinco cursos da área da saúde: psicologia, serviço social, nutrição, terapia ocupacional e educação física, e aposta em um projeto político pedagógico interprofissional. 

Alunos e professores estão inseridos de diferentes maneiras (estágios curriculares, projetos de extensão, residência multiprofissional, projetos de pesquisa) nos serviços que compõem o SUS na Baixada Santista e, em particular, nas diferentes modalidades de CAPS dos municípios da região. Ao mesmo tempo, a universidade recebe trabalhadores dos serviços que compõem a rede de saúde em diferentes espaços de formação, como eventos temáticos e programas de pós-graduação, e os usuários em projetos de extensão, como o grupo de capacitação em gestão autônoma da medicação, ou mesmo no cursinho popular.

Neste contexto, o programa “Vozes da Voz” se estabelece como mais um componente dessa rede de intercâmbio entre universidade, serviços de saúde e população dos municípios da Baixada Santista. 

A proposta do programa é realizada a partir do Centro de Educação em Direitos Humanos, que vem trabalhando a temática desde 2012. São muitos envolvidos historicamente no projeto, passando por uma equipe mais fixa que é composta por um profissional do Serviço Social, um da Terapia Ocupacional, um da Comunicação Social, um professor de Psicologia e três usuários da saúde mental. Além destes, o programa compõe os cenários de estágios dos cursos de Serviço Social, Psicologia e Terapia Ocupacional, bem como abriga extensionistas e outros graduandos interessados. 

O projeto, atualmente, também estabeleceu uma parceria com uma equipe NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) do município de Santos, e tem servido de espaço de experimentação para um grupo de adolescentes acompanhados em uma USF. 

O público-alvo é a comunidade em geral, uma vez que a ideia de saúde mental perpassa todos os níveis da sociedade e que a transmissão pela internet permite um alcance em escala global. 

 

Objetivo: 

Os objetivos da proposta são ampliar os espaços de protagonismo e problematizar a compreensão sobre as concepções sociais do sofrimento mental, suas dimensões, potências e limites, a partir da luta antimanicomial e dos direitos humanos, representando um ponto de apoio na construção de sentidos, em que diferentes visões de mundo e narrativas são compartilhadas, tornando-se a voz de distintos grupos sociais. 

Passo a passo: 

O programa é realizado semanalmente no núcleo de rádio da Unifesp Baixada Santista e busca produzir conteúdos em que usuários, trabalhadores e familiares protagonizam discussões, a partir das trajetórias de vida, entrevistas e escolhas musicais. Ele ocorre na forma de bate-papo sobre assuntos sugeridos pela equipe do programa. A cada episódio são convidados usuários, familiares, trabalhadores, professores ou estudantes com percurso pela saúde mental. Estes escolhem de 5 a 7 músicas para serem tocadas durante a transmissão. 

Outra estratégia adotada é a que temos denominado como “ocupação”, na qual os equipamentos necessários para transmissão são levados até os serviços de saúde mental e a transmissão ocorre ao vivo e in loco, com a participação de todos os presentes. Nestas ocasiões, realizam-se, previamente, uma ou duas atividades preparatórias nos serviços, em que trabalhadores e usuários são convidados a construírem a programação e o conteúdo da transmissão.

Os programas, tanto os produzidos em estúdio quanto os que são resultantes das “ocupações”, são transmitidos ao vivo através do website disponível aqui,  e de aplicativo disponível na Apple Store e Google Play (Rádio SIlva). E, ao mesmo tempo, são gravados e ficam disponíveis no website disponível aqui. Também existe uma página no Facebook para divulgação.

Efeitos e resultados: 

Foram mais de 50 programas gravados, transmitidos e disponibilizados em formato de podcast. Participaram cerca de 100 convidados e foi possível problematizar questões que compõem o “arsenal” de resistência dos princípios da reforma psiquiátrica brasileira, inclusive problemáticas regionais e nacionais envolvendo o tema.

Profissionais e pesquisadores puderam recontar sua trajetória, em um movimento que permitiu o resgate das memórias e a reflexão a partir de uma releitura das experiências vividas.

Alguns usuários que a princípio participaram como convidados, retornaram e passaram a compor a equipe do programa. 

Alunos de graduação que não possuíam experiência prévia com o tema, puderam entrar em contato com os diferentes atores, principalmente, os usuários dos serviços, e têm-se a expectativa de que ao se formarem apresentem uma maior sensibilidade e engajamento com o cuidado em liberdade.

A partir de 2018, com a inauguração do formato “Vozes da Voz – Ocupação” pessoas que circulam nos serviços também puderam se expressar, através de performances artísticas, opiniões, questionamentos, entrevistas e declamações de poemas. 

Os temas trabalhados nas diferentes estratégias trazem uma dimensão social e subjetiva complexa, mediada a cada transmissão, dadas as exposições das trajetórias de vida dos participantes, suas condições, pensamentos, posições políticas, etc. 

Se levarmos em conta a presente situação em que retrocessos sem precedentes atacam a política nacional da reforma psiquiátrica e o SUS (Sistema Único de Saúde), o programa também cumpre uma função de resistência, uma vez que dá voz àqueles mais prejudicados pelas medidas, os usuários e profissionais da saúde mental.