Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

A utilização do conceito Territórios de Maioria Afrodescendente: uma experiência na capacitação de alunos na Residência Multiprofissional em Saúde em Práticas de Atenção Primária

Formação de profissionais em boas práticas, encarando a questão do racismo e seu combate, desenvolvendo tecnologias de promoção e atenção à saúde realmente efetivas.
São Paulo - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo

 

 

Autores: 
Dulce Maria Senna
 dumase@usp.br
Instituições vinculadas: 
CSE “Samuel B. Pessoa”- FMUSP. Unidade de atenção , ensino e pesquisa em Atenção Primária à Saúde.
Resumo afetivo: 

Há duas décadas conferencias e seminários acerca da saúde da população negra nos âmbitos nacional, estadual e municipal estabeleceram frentes para construir políticas com ações de combate à desigualdade no adoecer e morrer de 52% da população brasileira. Desigualdade que tem como uma de suas origens o racismo, elemento estruturante de nossa sociedade. A coleta do quesito cor da pele foi valioso instrumento como indicador do perfil epidemiológico de brasileiros. Nosso trabalho introduz o fator cor como parte operante de instrumentos de trabalho já estabelecidos na atenção primária em saúde, familiograma e ecomapa, apoiado no conceito de Territórios de Maioria Afrodescendente, durante o processo da formação de recursos humanos para atuar no SUS. O conceito de Territórios de Maioria Afrodescendente desenvolvido pelo Prof. Henrique Cunha Jr. permite o reconhecimento dos territórios alvo de ações nos seus elementos de historicidade, estratégias de sobrevivência, aspectos culturais e sociais, produção de pobreza e racismo como problema estrutural.

Contexto: 

A população SUS dependente é de maioria negra. O trabalho num serviço escola que produz ensino e assistência na área da atenção primária se dá na busca da superação de contradições. De um lado o compromisso de responder às necessidades de saúde como parte da efetivação de direitos de cidadania, de outro lado lidar com questões institucionais de ensino: por exemplo, a elaboração de didáticas e pesquisas que historicamente negam as relações racializadas e seus danosos efeitos no viver e morrer de negros em nossa sociedade. Assim a formulação de linhas de cuidados não incorporam as vulnerabilidades desiguais. E a cultura institucional acaba por perpetuar a iniquidade. Buscamos introduzir, na capacitação de alunos de especialização, o racismo como elemento agravante de vulnerabilidade ao adoecimento. Reconhecer e intervir na morbidade resultante das desigualdades raciais, na dinâmica familiar e nas comunidades, passa a ser parte da capacitação do profissional no exercício de sua prática.

Motivações: 

A questão disparadora foi introduzir na prática das ações integrais em saúde a construção de elementos da equidade. Tendo por pressuposto o fato de que comumente utilizarmos a noção de
Risco na formulação de linhas de cuidados não incorporando o conceito de Vulnerabilidade, principalmente no que concerne a dois de seus aspectos: vulnerabilidade de grupos específicos e
vulnerabilidade advinda da organização do trabalho nos serviços de saúde.

Parcerias: 

O CSE “Samuel B. Pessoa” se dedica, há 42 anos, à assistência com cobertura para 25.000 habitantes na região adscrita, ensino e pesquisa em Atenção Primária em Saúde. A questão da organização do trabalho em saúde calcado em práticas integrais tem sido um de seus desafios na reflexão e na construção. Como parcela importante do público alvo do ensino na instituição está
o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva e Atenção Primária proporcionando estágio prático em atenção primária, anualmente, para 10 residentes nas seguintes 10 residentes nas seguintes categorias profissionais: psicologia, enfermagem, terapia ocupacional, odontologia, farmácia e serviço social.

 

Objetivo: 

Objetivo Geral: Incorporação do recorte racial na prática cotidiana das ações integrais em saúde.

Objetivo específico: Desenvolver no Residente Multiprofissional capacidades e competências de acolhimento cotidiano dos usuários de territórios de maioria afrodescendente. Introduzindo
tecnologias que produzam maior efetividade nas ações ampliadas e nos projetos de cuidados e consequentemente boas práticas de saúde.

Passo a passo: 

O período de execução da experiência de ensino foi: 2012 – 2017 Os alunos desenvolviam duas linhas de cuidado: saúde do escolar e saúde do envelhecimento. Tendo como atividades práticas visitas domiciliares, entrevistas com moradores do território, além de levantamentos acerca dos recursos institucionais territoriais. No trabalho assistencial foi introduzida a elaboração do Familiograma incorporando quesitos como: cor da pele, religião, escolaridade e ocupação. Também foi introduzida a elaboração do Ecomapa trazendo a relação das famílias em suas redes de apoio, e também a relação entre as instituições constitutivas desta rede no entender das próprias famílias. Estes instrumentos eram utilizados na construção de projetos terapêuticos e traziam visibilidade aos itinerários percorridos. A utilização do conceito de Território de Maioria Afrodescendente proporcionava historicidade aos elementos de observação, caracterizando aspectos da vulnerabilidade antes mascarados, dessa maneira o olhar para o território e suas necessidades se dava de forma mais acurada. Suscitando intervenções individuais e coletivas nos aspectos de prevenção e promoção de saúde.

Efeitos e resultados: 

A prática do reconhecimento da dinâmica própria aos territórios de maioria afrodescendentes possibilitou o entendimento das desigualdades advindas de discriminação racial e suas determinações nos agravos à saúde. Reduziu a alienação relativa à discriminação racial, criou espaços para abordagem ao racismo como questão de sofrimento físico e mental e pode contribuir para a redução do Racismo Institucional. O trabalho foi possível em função de pontos facilitadores: Tratar-se de alunos em equipe multiprofissional (enfermeiros, psicólogos, terapeuta ocupacional, dentista, farmacêutico, assistente social) em momento de especialização buscando práticas coletivas de saúde. O serviço contar na época com profissionais engajados na Política de Humanização. Como repercussão importante ocorreu, por parte dos alunos, a inclusão da temática Saúde da População Negra em trabalhos reflexivos e práticas de atenção que construíram em sua vida profissional posterior.