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A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos, sendo necessário o esforço de toda sociedade para erradicar as causas e eliminar as suas consequências. E diante das ameaças que as discussões de gêneros têm recebidos recentemente em nosso país é importante que universidade proponha a formação de profissionais, nas mais diversas áreas, comprometidos com a construção de um projeto de futuro social democrático entre homens e mulheres.
Conscientes disso, a intervenção educativa “Por ela, por, nós, pelas que virão” foi pensada para dialogar sobre o tema no Sertão do Pajeú sob orientação dos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde.
Entre 29 de janeiro e 02 de fevereiro de 2018, de escolas a comunidades quilombolas, a oficina propôs a construção de conhecimento coletivo, caracterização dos tipos de violência, fornecimento de informações sobre os mecanismos de proteção e atendimentos às vítimas do município de Iguaracy e região, estimulando mudanças na relação de poder de gênero para o rompimento do ciclo de violência.
Em seu planejamento inicial a metodologia da intervenção consistia apenas na execução de debates crítico-reflexivos em formato de oficina sobre o tema violência contra a mulher através de elementos que englobam a mística do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, metodologias ativas e expositiva, literatura de cordel, música. Porém, a roda de conversa foi utilizado em outros momentos para se adequar espaços que não estavam previstos.
Na chegada ao município de Iguaracy uma dificuldade identificada e de alguma forma prevista consistiu na pouca quantidade de inscritos no distrito rural de Jabitacá. Através de profissionais do Centro Especializado em Assistência Social (CREAS), que se disponibilizaram a participar das discussões e formação, foi exposto as barreiras enfrentadas pela equipe em promover espaços de enfrentamento à violência contra as mulheres. Entre os motivos apontados destaca-se o machismo arraigado na cultura e a banalização do tema. Uma estratégia desenvolvida pelo CREAS, consistia na ida das assistentes sociais para as reuniões dos agricultores nas comunidades, além das ações rotineiras nas escolas.
A elaboração de um segundo plano compreendeu a realização de parceria com a gerência da Unidade Básica de Saúde e a capela Nossa Senhora dos Remédios na criação de rodas de conversa. A disponibilização de informações de maneira lúdica com favorecimento de falas contribuiu para que os participantes tivessem o protagonismo e os objetivos fossem alcançados.
A presença de profissionais das áreas de saúde e assistência social permitiu a troca de conhecimentos sobre a realidade local, além de auxiliar no acolhimento e intervenção de casos graves de violências relatados durante e no término das oficinas. A intervenção “Por ela, por, nós, pelas que virão” reforçou o trabalho empreendido anteriormente pela equipe de assistentes sociais do município e ampliou as áreas de discussões para as comunidade quilombolas e periféricas, além de aproximar outros profissionais, como enfermeiros e Agentes de Saúde, na prevenção dos casos.
No nordeste, um terço das mulheres sofrem violência doméstica. É o que também revela a pesquisa "Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher" elaborada pela Universidade Federal do Ceará e o Instituto Maria da Penha. Das mulheres estudadas com idades entre 15 e 49 anos, 27% declararam já ter sido agredidas ao longo da vida e 23% recusaram ou desistiram de alguma oportunidade de emprego porque o parceiro era contrário. Dados da Secretaria de Defesa Social denunciam que em Pernambuco aproximadamente 90 mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar diariamente, significando um caso de agressão a cada 17 minutos. O interior do Estado registrou 12.489 ocorrências de janeiro a outubro de 2017, se destacando como a região mais perigosa para uma mulher nascer e viver.
A microrregião do Pajeú está localizada no norte do Estado de Pernambuco e é composta por dezessete municípios. Os indicadores anuais de criminalidade para violência doméstica e familiar contra à mulher realizados pela Secretaria de Defesa Social (2017) identificaram que a cidade de Iguaracy registrou 19 crimes desse tipo e Afogados da Ingazeira 141. O crescimento dos índices e a localização em Petrolina de apenas um dispositivo de proteção policial a mulher no sertão fundamentaram a inauguração, no início do mês de novembro do ano passado, da 11º Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher na região.
Na busca de informações que caracterizassem a região do Pajeú oferecendo suporte na escolha do tema da oficina, consideramos a notícia da inauguração da Delegacia um ponto de partida para o delineamento de uma intervenção educativa para compor as ações do Projeto UFPE no Meu Quintal.
A Universidade Federal de Pernambuco é uma instituição de ensino superior pública, com sede na cidade de Recife. Nela nasceu, através da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis, o Projeto UFPE no Meu Quintal, projeto de extensão universitária que oportuniza os discentes integrar novas vivências em educação experiencial. Em parceria com a Prefeitura Municipal de Iguaracy, sua segunda operação cumpriu uma série de ações de intervenções previamente sugeridas e organizadas em eixos temáticos com o objetivo de estimular seus moradores a desenvolverem competências e habilidades.
- Construção do conhecimento coletivo e caracterização dos tipos de violência;
- Fornecimento de informações sobre mecanismos de proteção e atendimentos às vítimas na região;
- Estimular mudanças na relação de poder de gênero para o rompimento do ciclo de violência.
A metodologia teve como base a execução de uma oficina sobre violência contra a mulher, com a proposta de formação de conhecimento coletivo e horizontal. Com a participação de donas de casas, estudantes de ensino médio e superior, profissionais da saúde, educação e assistência social de Iguaracy e do Sertão do Pajeú as oficinas foram iniciadas com uma mística inspirada no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que consistiu Os participantes foram convidados a se posicionarem de pé com olhos fechados enquanto o poema “Hoje recebi flores” (autor desconhecido) foi declamado por uma das facilitadoras. Ao som da música “Triste, louca ou má" da banda Francisco, El Hombre uma reflexão se estabeleceu para que os sujeitos se organizassem ao redor de um conjunto de motivações comum, ligando-se do presente ao futuro, como propõe na prática a mística.
No segundo momento os participantes registraram em papel o que entendiam por violência contra a mulher e a produção serviu para avaliação de conhecimento prévio no encerramento da oficina. Em seguida houve a introdução, através de metodologia expositiva, de conceitos como: violência, tipos de violência contra a mulher; contextualização nacional, estadual, regional e municipal sobre o tema através de dados estatísticos; mecanismos de combate à violência contra as mulheres: Lei Maria da Penha e serviços de proteção/atendimento na região; cultura de gênero; Feminismo.
O terceiro etapa foi reservado para a reprodução e discussão de dois vídeos: “2 minutos para entender violência doméstica” – Revista Superinteressante e “Três em cinco mulheres foram vítimas de relacionamentos abusivos” – Fantástico (Rede Globo). Por fim, houve a realização de duas metodologias ativas. A primeira denominada “companheira me ajude, que eu não posso andar só” consistiu na divisão do grupo feminino em duplas. Uma das mulheres foi vendada e a outra de olhos abertos guiou a dupla por um percurso contendo obstáculos representando formas de violência doméstica. Ao som da música que dá nome a dinâmica, as duplas deveriam caminhar e sob o comando das facilitadoras a cantiga foi interrompida, as mulheres-guias soltaram suas parceiras e estas continuaram sozinha seus percursos. No final as mulheres tiraram suas vendas e descobriram se conseguiram concluir o caminho, sem tropeçar nos obstáculos. A metodologia ativa intencionou construir uma rede de empatia e acolhimento entre as mulheres no combate a violência.
A última dinâmica consistiu em presentear os participantes com uma caixa, e a afirmação que o que tinha em seu interior contribuiria para que as mulheres não fossem mais vítimas de nenhum tipo de violência. Na caixa havia um espelho, trazendo a reflexão sobre a responsabilidade que cada um tem com a vida das mulheres.
Por fim, os textos produzidos no início da oficina foram devolvidos para avaliação pelos próprios participantes e eles identificaram se o conhecimento prévio recebeu contribuições após a intervenção. Ao som da música “Maria da Vila Matilde” de Elza Soares foi distribuído e posteriormente recitado o cordel “Violência contra a mulher”, texto adaptado da poetisa cearense Dalinha Catunda; e o “Violentômetro”, uma ferramenta divulgada pela Secretaria da Mulher da Cidade do Recife com o objetivo de detectar e alertar situações que afetam a liberdade das mulheres.
Na Unidade Básica de Saúde de Jabitacá, na Capela Nossa Senhora dos Remédios (distrito de Jabitacá) e nas comunidades quilombolas Queimadas do Filipe e Varzinha dos Quilombolas a roda de conversa se mostrou ser o método mais interessante. Nelas, o objetivo consistiu em promover a troca de ideias entre seus interlocutores estimulando a reflexão. Por meio da conversação a realidade foi problematizada para que a conscientização ocorresse.
Planejada inicialmente apenas para o formato de oficina, a intervenção educativa precisou se ajustar a outros espaços com a metodologia de “roda de conversa”, assim contribuiu no reforço ao trabalho empreendido pela equipe de assistentes sociais do município de Iguaracy, permitindo ampliar as áreas de discussões sobre violência contra a mulher das escolas para instituições de saúde, religiosas e as comunidades quilombolas Queimadas dos Felipes e Varzinha dos Quilombolas. Destaca-se que o princípio da amorosidade, preconizado na PNEPS-SUS, permitiu estender o conceito de violência contra a mulher, discutido por pesquisadores e movimentos de defesa a mulher, até as condições de miséria, analfabetismo, falta de acesso à saúde e definição de futuro baseado na cor da pele tantas vezes identificados nas falas das participantes da formação.