Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) no cuidado ao usuário do CAPS - ad de Paracambi, RJ

A TCI é uma proposta de cuidado em saúde mental: “quando a boca cala, o corpo fala; quando a boca fala, o corpo sara”
Paracambi - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Elias Brandão Lourenço; Alan Kardec Gonçalves
iecpbi@yahoo.com
Instituições vinculadas: 
Secretaria Municipal de Saúde: - Coordenação de Saúde Mental / Coordenação do CAPS - ad; - Coordenação de Atenção básica / Coordenação de Educação em Saúde;
Resumo afetivo: 

A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi criada em 1987, no Município de Fortaleza, Ceará, pelo psiquiatra e antropólogo professor doutor Adalberto de Paula Barreto, constituindo-se como uma alternativa para se trabalhar com grupos distintos e característicos de maneira dinâmica, participativa e reflexiva que oportuniza um espaço aberto para exposição de problemas e inquietações que repercutirão no diálogo em favor da busca de soluções para os conflitos emanados. No inicio foi necessário apresentar a metodologia para a Coordenação e equipe de técnicos do Centro de Atenção Psicossocial - álcool e outras drogas (CAPS - ad) para que a partir dessa sensibilização, fosse possível a inserção da TCI como mais uma oferta de cuidados em saúde ao usuário do dispositivo CAPS - ad. Ao longo destes 08 anos de atuação da TCI no CAPS - ad de Paracambi, contamos com a colaboração das Coordenações, equipes técnicas e demais funcionários, para superar todas as dificuldades iniciais, que normalmente surgem diante de uma proposta nova, que vai adentrando no dispositivo. Para nós é uma grande alegria realizar mensalmente as Rodas de TCI no CAPS - ad como uma estratégia de empoderamento e cuidado em saúde.

Contexto: 

A TCI está consolidada como parte das ações de cuidados do CAPS - ad de Paracambi, ela acontece em forma de Rodas de Terapia Comunitária Integrativa, realizadas mensalmente, com a participação dos usuários e técnicos. Atualmente a TCI é reconhecida pela Portaria MS Nº 849 de 27 de março de 2017, como uma Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS) a ser ofertada no SUS.

Motivações: 

Enquanto profissionais da área de saúde na função de Educadores em Saúde percebemos que poderíamos contribuir muito no cuidado ao usuário de CAPS – ad com a prática da TCI, pois a Terapia Comunitária Integrativa além de oferecer um espaço aberto para a troca de experiências favorece e fortalece a criação de vínculos e o resgate da autonomia dos indivíduos por facilitar a transformação de carências em competências que os tornarão capazes de ressignificar momentos de dores e perdas a partir da sabedoria ali adquirida.

Parcerias: 

A nossa prática acontece como fruto de uma articulação (parceria) entre a Coordenação de Educação em Saúde, na qual se encontram os profissionais que fizeram a formação em Terapia Comunitária integrativa, para atuarem como terapeutas comunitários e a Coordenação do CAPS - ad, onde se encontram os profissionais da equipe técnica. Tendo como público alvo os usuários do serviço ofertado pelo CAPS - ad.

Objetivo: 

A Terapia Comunitária Integrativa é uma prática de cuidado, cujos objetivos principais são:

  • Reforçar a dinâmica interna de cada indivíduo para descobrir seus valores, potencialidades e tornar-se mais autônomo;
  • Reforçar a autoestima individual e coletiva;
  • Redescobrir a confiança em cada indivíduo, diante de sua capacidade de evoluir e de se desenvolver como sujeito;
  • Valorizar o papel da família e da rede de relações em que vive;
  • Acender em cada indivíduo, família e grupo social, o sentimento de união e identificação com seus valores culturais;
  • Proporcionar o desenvolvimento comunitário por meio da restauração e fortalecimento de laços sociais;
  • Promover e valorizar as instituições sociais e práticas culturais tradicionais locais;
  • Favorecer a comunicação entre as diferentes formas do “saber popular” e “saber científico”;
  • Estimular a participação das pessoas no grupo como requisito fundamental para dinamizar as relações sociais, a partir do diálogo e da reflexão para que possa ser sujeito de sua própria transformação.
Passo a passo: 

A Terapia Comunitária Integrativa como ferramenta de cuidado está fundamentada em cinco pilares norteadores: Pensamento Sistêmico, Pragmática da Comunicação de Watzlawick, Antropologia Cultural, Pedagogia de Paulo Freire e Resiliência. Para a realização de um encontro de Terapia Comunitária Integrativa, deve-se formar uma roda (circulo) em que os participantes sentam-se lado a lado, possibilitando a visualização mútua e um sentimento de igualdade e na inclusão que não se sabe qual é o primeiro, nem o último integrante da roda. É importante que o encontro de Terapia Comunitária Integrativa seja conduzido por uma equipe composta por dois (ou três) terapeutas comunitários. A técnica para a realização da Terapia Comunitária Integrativa é desenvolvida em seis momentos, são eles: 1- acolhimento, 2-escolha do tema,3- contextualização, 4-problematização, 5-encerramento (rituais de agregação e conotação positiva), e por último, a 6- avaliação. Dispostas em um roteiro próprio sistematizado para o desenvolvimento de uma roda de TCI. As Rodas de TCI foram introduzidas no CAPS - ad de Paracambi RJ em 2011, a partir de uma parceria da Coordenação de Educação em Saúde e a Coordenação do CAPS - ad, sendo realizadas até a presente data.

Efeitos e resultados: 

Dados referentes às rodas por grupo, no período de Setembro de 2011 a julho de 2019, com base no livro de registro de rodas de TCI: -“Equipe Técnica”: 02 rodas - “Tabagismo”: 03 rodas -“Noturno” (familiares e usuários): 04 rodas -“Geral”: 10 rodas - “Conversas e Reflexões”: 18 rodas - “Saúde em Foco”: 23 rodas Total: 60 rodas - Participações: 2.111 - Temas apresentados (inquietações): Em média 04 por roda = 240 temas

RELATOS DE PARTICIPANTES:

Equipe técnica (profissional) Questão apresentada: - Em sua opinião qual é a contribuição da TCI no cuidado ao usuário do CAPS - ad?

Profissional 1 = Enfermeira (Coordenação – janeiro de 2017 a janeiro 2019) “No início da minha Coordenação, tive o privilégio de participar das rodas de TCI no Grupo Saúde em Foco, e fui percebendo que ela é uma importante ferramenta para o fortalecimento de vínculos entre os usuários e os profissionais, promoção de autoestima e resiliência. Nas rodas os usuários verbalizam suas alegrias (Celebração da vida) e suas tristezas, suas dores (inquietações), também partilham as soluções desenvolvidas por eles (estratégias de enfrentamento). Em cada roda observei que através da TCI era possível prestar uma assistência mais humanizada, onde é visível os benefícios que essa técnica estava proporcionando, tais como: empoderamento dos usuários, fortalecimento de vínculos, a melhora da auto estima, a partilha de estratégias de enfrentamento das questões apresentadas”. “Fiquei pensando em expandir a roda de TCI para outros grupos que aconteciam no CAPS - ad, pois eu queria que mais usuários tivessem acesso a esse trabalho. Expandimos então as rodas para o grupo Conversas e Reflexões, para que desta forma contemplássemos os usuários que não participavam do grupo anteriormente citado. Com o passar do tempo, houve naturalmente uma fusão entre os dois grupos e hoje os usuários dos dois grupos se reúnem mensalmente para participarem das rodas de TCI no grupo Conversas e Reflexões”. “Essa resposta foi tão positiva que depois de certo tempo, levamos as rodas de TCI para mais 02 grupos: Grupo de Família (familiares de usuários) e o Grupo Noturno (usuários atendidos no horário estendido). Ficava feliz em ver as pessoas terem a possibilidade de usufruírem dessa proposta de cuidado em saúde, proporcionado a partir da metodologia em TCI, que é uma ferramenta importantíssima, eu acredito que ela não pode ficar fora do CAPS - ad de Paracambi, haja vista, que fez muita diferença durante o período, em que estive a frente da Coordenação do dispositivo”.

Profissional 2 - Psicóloga (atual Coordenação - fevereiro de 2019) “Como a terapia comunitária é um instrumento de trabalho que consiste na partilha das experiências vividas de forma circular, reflete diretamente no cotidiano do usuário e em consequência, no papel desse indivíduo na sociedade”. “Percebo que os usuários sentem-se relaxados para abordarem diversos assuntos, suas dores, angústias da vida e preocupações nas Rodas e realmente refletem sobre sua própria vida. Enfim, acredito que a Terapia Comunitária exerce importante papel dentro do nosso dispositivo no empoderamento dos usuários, bem como seus familiares”.

Profissional 3 - Psicóloga (grupo “Saúde em Foco”) “Acreditando ser, a atividade de Grupo um espaço para compartilhar e construir juntos o olhar cuidadoso do usuário com sua saúde, focar sobre sua qualidade de vida e cuidados pessoais. Ter a participação do grupo de TCI no grupo de Saúde em foco e mais tarde no grupo Conversa e Reflexão foi uma parceria muito positiva. Fortalecendo dinâmicas do autoconhecimento e da cidadania e sua coletividade. “Proporcionando ao usuário um espaço para pensar/refletir; Dando voz e crédito ao seu conhecimento pessoal; Excitando a habilidade da escuta e da troca de opiniões e o conhecimento interpessoal; Legitimar e acolher o usuário em suas queixas emocionais e físicas. Ampliando-se a visão e manejo do usuário em sua saúde global e campos relacionais. Olhando e acolhendo o usuário em suas múltiplas dimensões, com seus desejos, anseios valores e escolhas”. “Onde o desenvolvimento das intervenções em saúde mental é construído no cotidiano dos encontros e dos usuários no território. Parceria como a Roda de TCI à rede de Saúde Mental se faz realizador e importante. Envolvendo toda prática e técnica utilizada pela TCI, como atividade preventiva e de manejo grupal, fundamental nas propostas das atividades a serem desenvolvidas no CAPS - ad.”

Profissional 4 - Psicóloga (grupo “Conversa e Reflexão”) “A TCI em minha opinião contribui para os cuidados dos usuários do CAPS ad principalmente por ser uma prática de atendimento coletiva em que se valoriza ao mesmo tempo o acolhimento e responsabilização”. “As pessoas chegam para tratamento na maioria das vezes, muito fragilizadas, e o acolhimento proporcionado pela TCI não é apenas um acolhimento técnico, é um acolhimento humano, que parte dos terapeutas comunitários e dos usuários, é muito natural mesmo. O acolhimento se torna responsabilidade de todo o grupo, e isso é explicitado a todo o momento”. “A responsabilização também acontece em outras etapas do grupo. E trabalhar responsabilização para esse público é fundamental, pois nos atendimentos diários de perceber a grande tendência que eles têm em se isentar da responsabilidade sobre suas ações e sua vida. As etapas da roda, que a todo o momento convoca a todos a participarem, são como recortes da vida, do cotidiano. É uma vivência no aqui e agora”. “E além disso, com a mediação dos terapeutas comunitários que estão presente 01 (uma) vez por mês, ou seja, além de levar um olhar diferenciado, "descontaminado" por conhecer pouco desses usuários, os próprios usuários parecem ter a confiança de levar para roda assuntos que nunca falaram no serviço”. “Nós, profissionais que estamos diariamente no serviço, eu, por exemplo, que faço 40 horas, posso ter resistência em perguntar algo em grupo para um usuário que eu suponho conhecer, por supor que seria um grande incômodo, e talvez, como já até aconteceu, um profissional (terapeuta comunitário) da TCI, não conhece o caso, e faz uma pergunta, com grande naturalidade, que move o sujeito, seja a responder, seja a falar de uma situação, e que em outra circunstância não seria perguntado”. Embora seja um profissional que não esteja presente diariamente, o que lhe permite esse afastamento que julgo benéfico, é um profissional que está presente regularmente. E que além de tudo trabalhando sob uma abordagem que contempla muitas, senão todas as linhas de trabalho do CAPS - ad num único grupo. Eu citei aqui duas, mas tem tantas outras, como: promoção de autonomia, espaço de troca, promoção de cidadania, entre outras” ...

Profissional 5 - Enfermeira (grupo de Família) “Eu acho que com as técnicas usadas na TCI, os usuários se sentem acolhidos e conseguem externar seus sofrimentos. E é de grande importância a troca de experiências que acaba trazendo um conforto, uns se sentem tão tocados que não conseguem segurar emoções mesmo estando com pessoas” estranhas. Até mesmo o familiar, que não está presente o tempo todo no tratamento, consegue ser tocado”.

Profissional 6 = Psicólogo (Grupo de Família) “As rodas de TCI contribuíram com a construção do espaço democrático e a autonomia, a partir da lógica que a roda coloca todos com o entendimento que possuem sua importância por igual naquela roda. Vejo como um exercício de fortalecimento da Autonomia dos usuários”.

P7 - Assistente Social (Grupo Noturno) “Contribui muito para o processo de trabalho no CAPS - ad, no sentido de proporcionar um espaço para os usuários se expressarem, principalmente sobre o que sentem e pensam, saindo de uma visão centrada na droga, visando o usuário”.

Usuários: Questão apresentada: - Para vocês o que são as rodas de TC I aqui no CAPS - ad?

Usuário 1 “Me sinto bem, gosto da forma como acontece. Consigo colocar o sapo para fora (falar do que incomoda, das inquietações) com mais facilidades”.

Usuário 2 “Estou vendo o CAPS - ad de forma diferente, um espaço de cuidados. Participei poucas vezes da Roda de TCI, mas vejo como acolhimento e escuta”.

Usuário 3 “Me sinto tranquilo, gosto da forma como acontece. Esclarece, a conversa alivia pressão (válvula de escape)”.

Usuário 4 “Me abro, não sinto vergonha de falar. Me sinto entre amigos (em comunidade), minha segunda família”.

Usuário 5 “Gosto da TCI por causa da reunião (roda), do desabafo, ao falar dos meus problemas saio mais leve”. Ela abraça a gente”.

Usuário 6 “Me ajuda a enxergar a partir da partilha de vida, as possibilidades (estratégias de enfrentamento) de superar ou entender melhor as nossas questões”.

Usuário 7 “Gosto muito da forma como encerramos as rodas de TCI (conotação positiva), que acontece em forma de cantos ou momentos de espiritualidade (oração) a partir de sugestões do próprio grupo”.

A partir do relato de profissionais da equipe técnica do CAPS - ad, podemos ver alguns efeitos desta integração do trabalho da TCI nas atividades de grupo desenvolvida no serviço. Também dentre os usuários podemos sentir o efeito/impacto deste trabalho, tal como vemos nos relatos. Assim foi possível perceber que a Terapia Comunitária Integrativa a partir de suas etapas desenvolvidas na roda, se aproxima dos próprios princípios norteadores dos dispositivos territoriais que orientam praticas inclusiva, não hospitalocentricos, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Apresentando-se desta forma como uma potente ferramenta de Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS) no “cuidado aos usuários do CAPS - ad de Paracambi” ao longo deste período

Conte um pouco mais: 

A Terapia Comunitária Integrativa no cuidado ao usuário do CAPS - ad de Paracambi RJ, foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado por Elias Brandão Lourenço à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz - RJ, como requisito para conclusão do CURSO de Atualização Profissional na Atenção ao Uso Prejudicial em Álcool e Outras Drogas (agosto de 2019). - A Terapia Comunitária Integrativa no cuidado ao usuário do CAPS - ad, foi apresentada em forma de Oficina Temática no II Seminário Discente do Mestrado em Educação Profissional em Saúde, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz - RJ (outubro de 2019).

Veja mais em: Terapia Comunitária Integrativa no cuidado ao usuário do CAPS - ad.