Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Terapia Comunitária Integrativa (TCI) com cegos: um novo olhar sobre a vida

A TCI é uma proposta de cuidado em saúde mental: “quando a boca cala, o corpo fala; quando a boca fala, o corpo sara”.
Rio de Janeiro - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Elias Brandão Lourenço; Coautores: Theodoro Caldas Polycarpo; Jorge Roberto de Y. de Souza Spínola; Frida Glat; Juerlani da Silva dos Santos
eliasecg@yahoo.com.br
Instituições vinculadas: 
Associação Aliança dos Cegos (AAC). R. Vinte e Quatro de Maio, 47 - São Francisco Xavier, Rio de Janeiro - RJ, 20950-090
Resumo afetivo: 

A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi criada em 1987, no Município de Fortaleza, Ceará, pelo psiquiatra e antropólogo professor doutor Adalberto de Paula Barreto, constituindo-se como uma alternativa para se trabalhar com grupos distintos e característicos de maneira dinâmica, participativa e reflexiva que oportuniza um espaço aberto para exposição de problemas e inquietações que repercutirão no diálogo em favor da busca de soluções para os conflitos emanados.

 

Contexto: 

A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) está consolidada como parte das ações de “Cuidados em Saúde Mental”, ela acontece em forma de Rodas de TCI, realizadas quinzenalmente, na Associação Aliança dos Cegos (AAC) com a participação dos mesmos, nas rodas. Atualmente a TCI é reconhecida pela Portaria MS Nº 849 de 27 de março de 2017, como uma Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS).

 

Motivações: 

A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) além de oferecer um espaço aberto para a troca de experiências, favorece e fortalece a criação de vínculos e o resgate da autonomia dos indivíduos, por facilitar a transformação de carências em competências que os tornarão capazes de ressignificar momentos de dores e perdas a partir da sabedoria ali adquirida. A TCI chegou na Associação Aliança dos Cegos (AAC), como parte integrante de um projeto da Caixa de Assistência dos Empregados de Furnas e Eletronuclear (CAEFE), que consistia na contratação remunerada (por seis meses) de um grupo de Terapeutas Comunitários, para a realização de rodas de TCI com os seus associados, em Botafogo – RJ. Tendo como contrapartida social realização de rodas de TCI na Associação Aliança dos Cegos (com periodicidade semanal em ambas). As Rodas iniciais foram: Ø CAEFE – 05/09/2018 Ø Associação Aliança dos Cegos (AAC) – 11/09/2018. Ao término do contrato com a CAEFE, o grupo de Terapeutas Comunitários, sensibilizados pela receptividade e tomados por empatia, decidiu continuar de forma “voluntaria” a realização das rodas de TCI na Associação Aliança dos Cegos, desta vez com uma periodicidade quinzenal, a qual permanece até a presente data.

Parcerias: 

Grupo TCI RJ Partilhas composto por Terapeutas Comunitários Voluntários que realizam as rodas de TCI na Associação Aliança dos Cegos (AAC) Composição do “Grupo TCI RJ Partilhas”: - Elias Brandão Lourenço; - Theodoro Caldas Polycarpo; - Jorge Roberto de Y. de Souza Spínola; - Frida Glat; - Juerlani da Silva dos Santos; *Tendo como público alvo: Pessoas assistidas pela AAC.

 

Objetivo: 

A Terapia Comunitária Integrativa é uma prática de cuidado, cujos objetivos principais são:

  • Reforçar a dinâmica interna de cada indivíduo para descobrir seus valores, potencialidades e tornar-se mais autônomo;
  • Reforçar a autoestima individual e coletiva;
  • Redescobrir a confiança em cada indivíduo, diante de sua capacidade de evoluir e de se desenvolver como sujeito;
  • Valorizar o papel da família e da rede de relações em que vive;
  • Acender em cada indivíduo, família e grupo social, o sentimento de união e identificação com seus valores culturais;
  • Proporcionar o desenvolvimento comunitário por meio da restauração e fortalecimento de laços sociais;
  • Promover e valorizar as instituições sociais e práticas culturais tradicionais locais;
  • Favorecer a comunicação entre as diferentes formas do “saber popular” e “saber científico”;
  • Estimular a participação das pessoas no grupo como requisito fundamental para dinamizar as relações sociais, a partir do diálogo e da reflexão para que possa ser sujeito de sua própria transformação.
Passo a passo: 

Para a realização de um encontro de Terapia Comunitária Integrativa, deve-se formar uma roda em que os participantes se sentam lado a lado, possibilitando a visualização mútua e um sentimento de igualdade e na inclusão que não se sabe qual é o primeiro, nem o último integrante da roda. É importante que o encontro de Terapia Comunitária Integrativa seja conduzido por uma equipe composta por dois (ou três) terapeutas comunitários. A técnica para a realização da Terapia Comunitária Integrativa é desenvolvida em seis momentos, são eles:

1-acolhimento, 2-escolha do tema,3- contextualização, 4-problematização, 5-encerramento (rituais de agregação e conotação positiva), e por último, 6- avaliação.

A Terapia Comunitária Integrativa como "ferramenta de cuidado" está fundamentada em cinco pilares norteadores: Pensamento Sistêmico, Pragmática da Comunicação de Watzlawick, Antropologia Cultural, Pedagogia de Paulo Freire e Resiliência.

Dispostas em um roteiro próprio, sistematizado para o desenvolvimento de uma roda de TCI.

Efeitos e resultados: 

Théo (Terapeuta Comunitário):

“O grande desafio de realizar as rodas de TCI com os Cegos, na Associação Aliança dos Cegos (AAC) foi o ineditismo da proposta. A dificuldade foi conseguir encontrar um relato de experiências anteriores de realizações de rodas de TCI com cegos. Por indicação de uma terapeuta comunitária do Estado de São Paulo, eu consegui alguns referenciais teóricos em trabalhos com deficientes visuais. O primeiro dia que entrei em contato com os cegos, reconheci neles uma grande vontade de falarem e serem ouvidos, isso veio a facilitar muito a pratica que é realizada de uma forma mais informal que as demais Rodas que participo, sempre respeitando a metodologia existente, mas adaptando a com a maior intimidade entre terapeutas e assistidos da AAC. Estamos realizando estes encontros a mais de um ano, e sinto que os cegos que participam das Rodas estão mais solidários, íntimos e se alegram muito com a nossa presença. Apesar de toda tragédia recorrente da cegueira, somada as dificuldades encontradas em uma sociedade excludente, as rodas são um momento de muito calor humano e alegria tanto para os cegos, quanto para nós (terapeutas). Mesmo contendo Temas (assuntos) desconcertantes, cruéis e dramáticos, as rodas são entremeadas de piadas, brincadeiras e muitas músicas, sempre abrilhantada por um cego que é um excelente acordeonista, e alguns panderistas. Parafraseando a Doutora Nise da Silveira: “ A roda, pode não curar, mas com certeza, estará garantindo que aquele dia, foi melhor do que o anterior”.

 

Jorge (Terapeuta Comunitário):

“Quando o Théo me convidou para participar como técnico da Roda de Terapia Comunitária na Aliança dos Cegos, senti uma enorme responsabilidade, um desafio quase intransponível. Se numa Roda convencional tenho minhas dificuldades em romper com meu currículo repleto de conquistas profissionais que me ajudaram a me olhar no espelho e identificar quem sou, abrir mão do meu pretenso saber, e ficar de igual numa horizontalidade proposital e metodológica, até hoje está sendo uma construção constante. Sei que nada sei. E do universo dessa população especifica a maior " Cegueira" era a minha (ou ainda é....?). Ao lado do sentimento de responsabilidade diante do gigantismo da tarefa, perpassaram uma sucessão de outros sentimentos mesclados de pena, um paternalismo cheirando a superioridade aparentemente evidente” ... na verdade a evidência se circunscreve na minha vaidade e nos meus preconceitos, diante dos que em tese seriam " carentes" e diferentes do meu Mundo. Depois de um ano, a constância da tarefa foi me colocando num outro lugar. O lugar do gozo da liberdade. Sem prisões estreitas dos títulos que ficaram em algum lugar empoeirados nas paredes, nessa Roda especifica minha Aliança com esses Cegos me remete ao lugar de uma gostosa e produtiva cumplicidade. Hoje tudo nessa Roda me é muito familiar. Sinto falta desses encontros, com cada colega interno na casa, que ajudo a virem para seus lugares na Roda, que nos festejam quando chegamos, que perguntam pelos terapeutas eventualmente ausentes, que nos remetem a importância da entreajuda. Nós entramos com a Metodologia do Adalberto, mas a Roda gira e marca seu caminho. A metodologia e o grande pretexto para juntos celebrarmos a Vida. Todos somos cegos diante do amanhã. E o orgulho pode nos privar de enxergarmos nossa própria humanidade nos pequenos gestos. Gosto muito de brincar e provocar os colegas deficientes visuais e eles me mostram outros pontos deficientes em mim mesmo e talvez nosso destino comum: o envelhecer enfrentando o desafio da solidão”.

 

Juerlani (Terapeuta Comunitária)

"A terapia comunitária na associação dos cegos, nos traz um novo olhar sobre nossa prática enquanto terapeutas, bem como sobre o cuidado com um público alvo de cegos. A prática da Terapia se modifica na metodologia, embora não perdemos de vista o objetivo e o principal: a fala. Nesse sentido, acredito ser um trabalho magnífico pois envolve a todos com a energia e alegria dos participantes que nos ensinam a aprender sobre a vida. O convívio não foi crescendo inicialmente, pois eles tinham muitas reservas, eram muito fechados, talvez por ser uma roda só de homens (os homens são mais fechados do que as mulheres), não gostam de falar de si. Então de fato, foi difícil inicialmente conseguir deles palavras, expressões de sentimentos, que eles falassem de si e de suas dificuldades. Mas o tempo foi abrindo os caminhos, abrindo as possibilidades, eles foram percebendo que aquelas Rodas Terapia Integrativa (TCI) estavam fazendo muito bem a eles. Sinto-me muito gratificada por participar deste grupo. Esse grupo é ímpar, esse grupo não tem similar, talvez, no mundo, acredito. Mas, no Brasil e no Rio de Janeiro, não temos conhecimento de outro igual. Então me congratulo com os demais colegas pela oportunidade que tivemos de abrir esse novo caminho e essas possibilidades todas para esses cegos, da Associação Aliança dos Cegos através das Rodas Terapia Integrativa (TCI) ”.

 

Elias (Terapeuta Comunitário)

" O grande diferencial das Rodas de TCI na AAC é a sua singularidade, em oito anos que atuo como terapeuta comunitário, tendo realizado mais de 300 rodas de TCI, posso afirmar que as rodas que acontecem na AAC são as que mais me surpreendem , pois, apesar toda a "tragédia" que é viver privado de um dos sentidos (visão), eles me ensinam a redescobrir "o sentido" da vida, a partir de uma capacidade de enxergar, que vai além da dimensão visual. Nas rodas de TCI na AAC tive que adaptar a forma de estimular a fala para gerar temas (assuntos) que serão trabalhados na mesma. Todos os recursos visuais que fui agregando no desenvolvimento da roda: sapo (situações que engoli), pino da panela de pressão (Chiar para não explodir), barbante vermelho com nós amarrados (situações que precisam ser desatadas) com esse público alvo, não teria o menor sentido. Com isso todos os terapeutas que colaboram neste voluntariado de cuidado em Saúde para com a AAC, tem que se reinventar nas técnicas e no seguimento do roteiro, sistematizado e proposto por Dr. Adalberto Barreto. São Rodas de TCI com muita musicalidade e alegria apesar dos pesares".

 

Manuela (psicóloga da AAC):

"A TCI é a união de valores bilaterais que se complementam e dão efetividade ao processo como um todo. De um lado, o comprometimento, profissionalismo e dedicação por parte dos Terapeutas das Rodas. Por outro, o interesse, assiduidade e alegria contagiante dos assistidos da AAC, que aguardam ansiosamente pelos encontros. É possível observar que após a realização das rodas de TCI houve um desenvolvimento no potencial de escuta, reflexão na capacidade de pensar e resolver conflitos intra e interpessoais dentre os assistidos. Tem sido nitidamente benéfico e construtivo essa prática para todos os envolvidos".

 

Andressa (Técnica de Enfermagem da AAC)

“Eu vejo as rodas de TCI como oportunidades de trocas de afetos e um espaço apropriado para falar das coisas que é necessária “colocar para fora”. Observei que eles são muito fechados para alguns outros eventos que acontecem aqui, mas na roda de TCI eles se sentem à vontade. No dia a dia da casa (AAC) são muitos individuais, e na roda de TCI eles se permitem estar juntos. As Rodas de TCI são oportunidades para se encontrarem e conversarem. Percebo que há uma “intimidade” (vínculo afetivo) entre os Terapeutas e o grupo de assistidos.

 

Falas de alguns assistidos da AAC:

“Com as rodas ficamos mais próximos”; “As rodas são importantes em qualquer instituição de cuidados”; “Estamos mais próximos a partir da Roda”; “ É um encontro para trocar ideias e se sentir entre amigos”; “É uma ferramenta de convivência; “ Socializou o grupo”; “Aqui é um convite para mudar a visão”