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O Ishtar Tijuca é um grupo de apoio e acolhimento para e mulheres e famílias no ciclo gravídico puerperal, coordenado por doulas, que realiza quinzenalmente rodas de conversa temáticas, abertas e gratuitas sobre temas envolvendo parto, nascimento, amamentação e práticas de cuidado sob o viés da humanização, das evidências científicas e da maternidade e paternidade ativas. Não é fácil reservar quinzenalmente uma manhã de domingo para as rodas de conversa, pois trabalhamos voluntariamente e precisamos conciliar nossas próprias obrigações familiares e profissionais com este compromisso, mas o fazemos porque sabemos do enorme isolamento familiar e social que muitas mulheres e casais enfrentam ao buscarem um parto normal respeitoso no atual cenário obstétrico. Como seres sociais que somos, o compartilhamento de informações, vivências, apreensões e afetos é uma ferramenta incrivelmente potente para o fortalecimento das escolhas envolvendo o gestar, parir, nascer e amamentar. E essa potencialidade está refletida tanto na história pessoal de muitas de nós, que fazemos o Ishtar, quanto no relatado pelas pessoas que frequentaram o grupo durante a gestação. O desafio de conduzir um grupo como o Ishtar é o de mediar o debate de forma a conciliar as muitas realidades de maternidade e paternidade que podem chegar até nós, tornando o espaço acolhedor e mais livre dos julgamentos sociais que invariavelmente recaem sobre qualquer escolha reprodutiva, objetivando a que as famílias possam se abrir e compartilhar entre si os desafios e potencialidades do momento que estão vivendo. Trabalhamos no Ishtar Tijuca porque acreditamos que as rodas de conversa são estratégicas e fundamentais para que as mulheres e famílias se fortaleçam mutuamente, se sintam mais seguras de seus direitos, de suas escolhas reprodutivas, e possam impulsionar e pressionar a adequação da assistência obstétrica atualmente oferecida ao preconizado pelo Ministério da Saúde e a Organização Mundial de Saúde.
O Ishtar Tijuca é um grupo organizado por doulas que busca, através de rodas de conversa, promover o diálogo entre mulheres gestantes sobre as opções disponíveis para parir e nascer de maneira respeitosa, levando em conta as particularidades do contexto em que se insere e dos diferentes lugares sociais das gestantes que procuram a roda. O Rio de Janeiro é uma cidade que vivencia um contexto muito complexo no que diz respeito à assistência obstétrica. Altíssimas taxas de cesárea, índices de mortalidade materna que extrapolam o aceitável, a naturalização excessiva da medicalização do parto e extremas desigualdades sociais que representam os recortes de raça, classe e gênero característicos da região. Este conjunto de fatores faz com que a Violência Obstétrica seja uma realidade que atinge massivamente as mulheres daqui. Acontece que o alto grau de impacto desta realidade, somado ao abuso de poder por parte das instituições médicas e dos conselhos representativos de classe, agem diretamente na organização de mulheres com o intuito de se defenderem e traçarem caminhos alternativos na busca de partos seguros, respeitosos e dignos.
A crise da saúde pública e as questões mercadológicas que afetam o atendimento suplementar começaram a se sobressair de forma bastante intensa na última década e houve um movimento espontâneo de mulheres com o intuito de modificar este contexto. É interessante notar que no início da atuação dos núcleos a massiva maioria das frequentadoras estava em busca de um novo tipo de assistência após uma experiência anterior negativa e violenta. Quase todas as mulheres que nos procuravam relatavam ou terem sofrido cesáreas sem indicação médica - ou com indicações falaciosas -, ou haviam sido vítimas de violência obstétrica. Desta forma, o Ishtar Tijuca atua como resposta a esta realidade local específica, respeitando as diferenças conjunturais e sociais de cada mulher e família, buscando reproduzir em seus encontros a noção primária de humanização das relações e da assistência, reconhecendo as subjetividades inerentes a cada experiência.
O Ishtar Tijuca é um grupo sem fins lucrativos, de entrada aberta e gratuita, que depende do voluntarismo tanto de suas coordenadoras, quanto dos estabelecimentos que abrem suas portas para abrigá-lo. Na escolha do local das rodas de conversa, damos preferência a espaços públicos como praças, centros culturais, bem como a instituições privadas que desenvolvam atividades relacionadas à maternidade, parentalidade e feminismo, apoiando o empreendedorismo materno e de mulheres. Nosso público-alvo são gestantes, puérperas, tentantes e suas famílias, usuárias das redes pública e suplementar de saúde.
- Fomentar discussões em rodas de conversa sobre temas envolvendo gravidez, parto, amamentação e cuidados com bebê sob o viés da humanização e da maternidade ativa;
- Fortalecer gestantes em seus direitos e escolhas reprodutivas perante a sociedade e sistema de saúde através das trocas coletivas de informação e vivências;
- Promover interações entre gestantes e acompanhantes, a fim de que participem ativamente do processo da gestação e cuidados, compreendendo e valorizando o nascimento enquanto evento biopsicossocial.
O Ishtar Tijuca funciona através de encontros periódicos, quinzenais e gratuitos, aos domingos de manhã, com duração de cerca de 2h. Os encontros são temáticos: ao final de cada reunião as pessoas participantes sugerem e votam no tema que será abordado no encontro seguinte, o qual é divulgado nas redes sociais do Ishtar RJ. O formato é sempre o de uma roda de conversa e nosso intuito é o de facilitar a troca entre as participantes. As coordenadoras buscam atuar como interlocutoras de forma horizontal, se distanciando do formato de palestra, de maneira a buscar que as mulheres e demais participantes se sintam entre pares e reconheçam nas dúvidas, dificuldades e sucessos das outras pessoas as suas próprias questões, fortalecendo vínculos e a noção de coletividade. Como nosso núcleo é formado exclusivamente por doulas, há um grande aporte de recursos profissionais, com a utilização de técnicas práticas demonstrativas que auxiliam em uma experiência mais concreta de troca. É comum utilizarmos bolas de pilates, instrumentos de massagem, rebozos e outras ferramentas de trabalho que possam aproximar as participantes de um cenário adequado de assistência, bem como a formas de lidar com os desconfortos da gestação, do trabalho de parto e da amamentação.
O trabalho junto às mulheres e famílias é temporário, englobando o período gestacional e, por algumas vezes, as primeiras semanas após o nascimento. Apesar disso, sempre buscamos maneiras de saber como foi a experiência, fazendo encontros semestrais com os relatos das frequentadoras que vivenciaram seus partos. Uma pesquisa feita pelas coordenadoras do Ishtar e divulgada brevemente no mês de setembro de 2019, nas redes sociais e no grupo virtual Ishtar RJ no Facebook, colheu resultados dos desfechos de parto e amamentação de 78 frequentadoras Ishtar em todo estado, que pariram entre os anos de 2010 a outubro de 2019, e mostrou resultados bastante significativos. Das mulheres que responderam a pesquisa, 55.1% usaram a assistência do SUS para a assistência ao parto e tiveram, quanto ao tipo de parto, 48.7% parto natural hospitalar, 10.3% parto normal hospitalar com intervenções, 15.4% parto domiciliar, 6.4% Casa de Parto, 1,3% perda gestacional, e apenas 17.9% cesariana. Sobre escolha informada, 88.5% disseram que participaram das decisões, foram informadas das alternativas possíveis durante a gravidez e parto e se sentiram protagonistas em seus processos, enquanto 11.5% entenderam que não foram informadas sobre alternativas possíveis ou não sentiram flexibilidade da assistência para o atendimento a suas escolhas. Quando perguntadas se haviam sofrido violência obstétrica, 83.3% responderam que não, enquanto 14.1% responderam que sim, e 2,6% não souberam informar. Quando à a satisfação com a experiência de parto, 59% avaliaram com nota 5 (máxima), 25,6% com nota 4, 10.3% com nota 3, e 2.6% com notas 2 e 1. A pesquisa apontou ainda que 51.3% das mulheres que frequentaram o Ishtar trocaram sua assistência de saúde durante a gestação, sendo que 32.1% do total de mulheres trocou mais de uma vez de equipe; 71.8% das mulheres apresentou um Plano de Parto e teve o documento bem recebido, enquanto 11.5% apresentou o documento, mas não teve a mesma aceitação pela equipe; 94,9% teve o direito a acompanhante respeitado de forma tranquila, 3,8% tiveram que brigar para tanto e 1,3% teve acompanhante barrado pela maternidade; 75.6% tiveram doula desde a gravidez ou no parto. Esses números mostram que o aumento de núcleos e de famílias alcançadas pelas rodas Ishtar acaba também por atuar positivamente na qualidade da assistência na região, visto que é cada vez mais frequente que as mulheres tenham acesso a mais informação e passem a argumentar mais com as equipes de saúde, que precisam adequar suas práticas para servir às mulheres, especialmente, no caso dos atendimentos privados, para manutenção da clientela. Considerando que na pesquisa mais da metade das frequentadoras usaram a assistência do SUS para a assistência ao parto, a busca por maternidades públicas específicas que atentem para práticas mais atualizadas também gera um deslocamento das mulheres em busca de mais qualidade, o que influencia na disposição das vagas e, no limite, no repasse de verbas e insumos. Sobre a contribuição do Ishtar para as experiências de parto e nascimento, em uma escala de 1 a 5, 83.3% avaliou com número 5 a contribuição do Ishtar e o restante, 16.7%, com número 4. Ainda, 85.9% das frequentadoras responderam que obtiveram do Ishtar apoio para seu parto e amamentação, entre outras fontes -companheiros, doula, outros grupos de apoio, da equipe de parto, de familiares e amigos e outros. Esses números são bastante animadores e refletem a importância da informação e da rede de apoio que é construída na experiência das rodas de conversa. Tratando dos dois últimos anos no Ishtar Tijuca, o que vemos é um resultado bastante positivo, não especificamente na garantia da via de parto, mas em mulheres que lidam com sua trajetória de forma mais consciente, fazendo escolhas mais informadas e alcançando resultados mais satisfatórios de nascimento e puerpérios com menos percalços e surpresas negativas. O vínculo entre as participantes também é um ganho nítido, elas passam a trocar experiências e a conversar em outros momentos, muitas se tornando amigas e seguindo fazendo parte umas das vidas das outras após os partos. É um trabalho extremamente gratificante que traz resultados visíveis e de impacto bastante positivo na vida das participantes, que relatam profunda gratidão pelo convívio e informações que obtiveram nas rodas.