Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Residência na Rua: residência integrada em saúde e experiências artísticas com a população em situação de rua do Centro de Fortaleza como estratégia de promoção da saúde

Atividades artístico-culturais como forma de promoção da saúde e vínculo com a população em situação de rua do Centro de Fortaleza/CE.
Fortaleza - CE
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Talita Alcântara Fontenele e Silva; Emilie Collin Silva Kluwen; Amanda Frota Cavalcante; Edwiges Maiara Florêncio Cruz; Luanne Cavalcante Gomes; Maria Andréia Pereira; Rafael Rolim Farias; Raimunda Félix de Oliveira; Raquel Mendes Celedônio.
tahfontenele@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Praça do Ferreira, Centro. Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) e Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT/CE).
Resumo afetivo: 

A (in)visibilização dos sujeitos em situação de rua leva à uma negligência dos serviços de saúde ou à uma atuação que não considera sua autonomia. Evidenciamos a arte não como meio para um fim, mas como a própria forma de realizar o trabalho em saúde. A arte não é vista como mera ferramenta, mas como parte intrínseca no processo de cuidado e promoção da saúde. Nossa abordagem pela não-abordagem aposta em um convite à experiência artística para os usuários e para os profissionais envolvidos.

Contexto: 

O projeto Residência na Rua: Saúde, Cultura e Arte era um projeto da Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará composto por residentes em Saúde Mental Coletiva. A atuação se dava em turnos noturnos junto à população em situação de rua da Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza/CE. A proposta é possibilitar atividades artístico-culturais, de modo a promover saúde e fomentar a vinculação com a equipe de profissionais residentes. De início, disponibilizamos instrumentos musicais no centro da praça para que as pessoas se aproximassem livremente e fizessem uso dos mesmos. Após diversas experiências exitosas, passamos a incluir outras artes, como pintura e fotografia. Em geral, não é realizado convite para participação nas atividades e a vinculação ocorre de forma espontânea.

Motivações: 

O projeto surge a partir da percepção de ausência de abordagens com a população em situação de rua do Centro de Fortaleza que pensassem a promoção da saúde através da arte. A Praça do Ferreira é conhecida entre a população em situação de rua de Fortaleza como “Mãe Ferreira” devido ao grande número de doações que recebe diariamente. A partir das atividades artísticas éramos, então, abordados pelas pessoas que, em geral, questionavam que tipo de doação estávamos fazendo ali. Respondíamos que somos profissionais da área da saúde e que não estávamos ali com o intuito de levar doações de roupas, comida ou dinheiro. Era comum que a partir disso, ainda surgisse a pergunta se tínhamos remédios para doar. Ao explicar que também não era este nosso propósito ali, víamos a inquietação dessas pessoas, uma certa dificuldade de compreender nossa atuação. O que demonstra como nossa forma de criação de vínculo foi pensada a partir um outro viés, em que as pessoas em situação de rua podiam se colocar como sujeitos.

Parcerias: 

O projeto surge a partir de uma parceria institucional entre a Residência Integrada em Saúde da ESP/CE com a SECULT/CE, através do Cineteatro São Luiz, localizado na Praça do Ferreira. Além disso, para o desenvolvimento do trabalho nos encontrávamos em constante parceria com a rede de saúde do município de Fortaleza, articulando as demandas em saúde surgidas em nossas abordagens. Também fizemos parceria com a rede de assistência social, especialmente através do CENTROPOP e da Pousada Social e Centro de Convivência. 

Nosso público alvo era a população em situação de rua da Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza/CE.

Objetivo: 
  • Promover saúde e saúde mental através de atividades artístico culturais para a população em situação de rua da Praça do Ferreira;
  • Promover autonomia e acesso aos serviços socioassistenciais à população em situação de rua da Praça do Ferreira;
  • Experienciar a arte como ferramenta educadora e potente. 
Passo a passo: 

A principal estratégia utilizada é a realização de um batuque em turnos noturnos, em que instrumentos musicais são disponibilizados para a população em situação de rua. Entretanto, a música não é a única experiência artística utilizada e valorizada e buscamos variar os formatos e propostas de atividades artísticas a cada semana.

É importante destacar que a equipe realiza uma abordagem pela não abordagem. Ao contrário das muitas doações e ofertas - de comida, de roupa, de religião, de palavras - fornecidas todas as noites na praça, a equipe do projeto Residência na Rua, não aborda diretamente à população ali presente. As atividades artísticas são colocadas em meio à vida que corre na praça, sem convite, e parte do interesse e curiosidade individual em participar, ou não, do que é proposto. Isso significa que o primeiro contato entre equipe de saúde e sujeito em situação de rua se dá através de alguma experiência artística e é a partir disso que é apresentado no que consiste o trabalho do projeto na praça.

Cabe também esclarecer aqui que não há uma concepção fechada sobre o trabalho que a equipe realiza na Praça do Ferreira. O projeto é considerado como um processo de aprendizagem e uma experiência inovadora e transformadora. Sendo assim, identificar e descobrir como se dá e o que é o trabalho - enquanto equipe e enquanto núcleo profissional - é um exercício de prática e reflexão diários. Além da não abordagem, temos um norte que consiste em reconhecer o papel do projeto enquanto articuladores da rede. Sabemos que o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde e cultura são precários e, muitas vezes, inviabilizados, por isso, há a tentativa de exercer a função de incluir esses sujeitos na rede de cuidados existente no município conforme às suas necessidades e desejos.

Efeitos e resultados: 

Essas experiências nos permitiram diálogo com os sujeitos sobre suas percepções de saúde, saúde mental, redução de danos, planejamento familiar, garantia de direitos, mercado de trabalho, dentre outros temas. A partir delas, é possível realizar um trabalho alinhado com os princípios do SUS, das reformas sanitária e psiquiátrica. Ações em saúde são pensadas, discutidas e efetuadas com a participação dos usuários envolvidos, através da educação popular em saúde. Apesar de algumas vezes a escuta realizada resultar em algum encaminhamento para a rede formal de cuidados - como um CAPS ou um CentroPop - em geral, a escuta oferecida não estabelecia esse intuito a princípio. Devido ao tempo de atuação, em alguns poucos casos, pude realizar um acompanhamento mais próximo em que semana após semana o sujeito buscava seu espaço de escuta. Tanto a forma como as atividades artísticas eram colocadas - abordagem pela não abordagem -, como a escuta realizada tinham em comum o fato de não buscarem criar uma demanda para atuar a partir disso. A potência da arte e da escuta é colocada como possibilidade, faz uso delas quem e como quiser. Diferente de diversos serviços existentes na rede, o objetivo de se propor experiências artísticas não era o de ensinar arte ou formar artistas, mas de vivenciar aquela experiência e criar condições de possibilidade a partir disso.