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Reunir um coletivo de mulheres dispostas a acolher e apoiar o sofrimento psíquico de outras mulheres em seus limites e possibilidades, para lidarem com as violências de gênero que marcam seus corpos e definem muitas trajetórias de vidas, é um desafio tão urgente quanto encantador. A possibilidade de reunirmos em um projeto de trabalho comum nossa experiência com a clínica psicanalítica e com a militância feminista tem sido o mote de nossas atividades junto ao Projeto e subsidiado tanto o processo de formação em curso quanto os encontros clínicos que justificam a ampliação das possibilidades de atendimento às mulheres em situação de violência, na perspectiva da interseccionalidade.
A compreensão de que as histórias de sofrimento de mulheres são expressões singulares de processos culturais macropolíticos, são fruto das imbricações entre os processos de subjetivação engendrados em sociedades sexistas, aponta a necessidade de uma escuta supramoral que possa romper com os aprisionamentos desejantes envolvidos na produção de subjetivações racistas, machistas e reforçadoras do poder patriarcal. Sustentado em uma perspectiva transdisciplinar e alinhado à ética psicanalítica de “não ceder ao seu desejo”, o campo da saúde coletiva, ensinamentos da filosofia trágica, psicologia social, psicanálise, antropologia, história e direitos humanos são aqui convocados para este projeto de extensão a fim de oferecer uma formação sistemática sob a ética do feminismo interseccional a profissionais e serviços que acolhem mulheres em situação de violência. Carla Akotirene (2018) aponta que “a interseccionalidade pode ajudar a enxergarmos as opressões, combatê-las, reconhecendo que algumas opressões são mais dolorosas. Às vezes oprimimos, mas às vezes somos opressores” (p. 61).
Entendemos o papel da universidade pública na produção de conhecimentos e de intervenções enquanto alinhado às urgências de seu tempo. Desta forma, pretendemos ampliar o campo de estudos das relações de gênero com as ainda incipientes associações feitas às compreensões acerca do sofrimento psíquico e tecnologias no campo da saúde mental.
Temos como contexto de parcerias diferentes núcleos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Social e Institucional; Clínica de Atendimento Psicológico); Espaços / serviços da rede de assistência e cuidado às mulheres no município de Porto Alegre (Casa de Referência Mulheres Mirabal; Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos); Organização externa (Sigmund Freud Associação Psicanalítica).
- Mapeamento de profissionais e serviços que ofereçam atendimento psicológico voluntário e/ou a baixo custo (atendimento social) a mulheres em situação de violência;
- Formação clínica sistemática na perspectiva dos feminismos interseccionais e do feminismo negro;
- Experimentações de perspectivas de cuidado a lideranças comunitárias feministas de entidades que acolhem mulheres em situação de violência e às mulheres que busquem atendimento clínico para romper o ciclo de violência;
O projeto ainda está em fase de estruturação como Programa de Extensão acadêmica e, como tal, foi planejado para reunir práticas que vinham sendo operadas de forma dispersa entre um serviço-escola de atendimento clínico na perspectiva psicanalítica e projetos de pesquisa-intervenção, fundamentados na análise institucional e filosofia da diferença, que também vieram atendendo mulheres em situação de violência de gênero. Entre essas duas frentes de trabalho, as mulheres têm sido atendidas em acolhimento individual, atendimento clínico individual e também em grupos de escuta clínica em seus locais de moradia (no caso de uma ocupação de mulheres nesta situação). A atividade central do projeto estrutura-se em torno de um processo de formação clínica para as profissionais e serviços da rede de atendimento voluntária que têm acolhido as mulheres com demanda de apoio psicológico para romperem os ciclos de violências em que estão inseridas.
A próxima etapa do projeto prevê ampliação da capacidade de atendimentos com desenvolvimento de tecnologias grupais para os casos clínicos em questão, bem como facilitar o acesso com uma unidade móvel que leve profissionais até os locais de moradia com maiores índices de violências de gênero registrados na cidade de Porto Alegre.
Prevemos: - Reuniões quinzenais para encontro da equipe de trabalho, alinhamento e proposições relativos ao projeto de extensão; - Capacitação permanente e formação teórica na perspectiva do feminismo interseccional; - Contato interinstitucional com diversos serviços e coletivos da rede de saúde e assistência às mulheres no município de Porto Alegre/RS.
Sendo um projeto ainda inicial, temos observado a ampliação da rede de cuidado a mulheres em situação de violência e a busca apoio psicológico para romper o ciclo de violência como principal resultado dos atendimentos ofertados até aqui. No eixo da formação, identificamos a demanda de qualificação do grupo de profissionais e serviços voluntários na perspectiva dos direitos humanos, do feminismo interseccional e do feminismo negro. Mesmo sendo um grupo que inclui muitos serviços e profissionais da área com larga experiência clínica, observa-se que suas formações técnicas são predominantemente técnicas e carecem de debates mais atualizados e aprofundados sobre os processos de subjetivação e contexto social e político das mulheres que buscam atendimento. A oferta de um processo formativo que abarque tais temáticas visa suprir esta lacuna, criando, também, critérios de inclusão e acompanhamento dos atendimentos voluntários para os quais as mulheres têm sido direcionadas e estimuladas a participar.