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“Palavras que acalentam a mente: Experiência das oficinas de poesia do CAPS - Santa Luzia” apresenta-se como uma proposta terapêutica que usa da poesia como mecanismo para externar o eu do sujeito em sofrimento psíquico, procurando levá-lo à organização psíquica e proporcionar espaço para que ele possa se expressar, contribuindo com a afirmação da sua criatividade e cidadania, buscando amenizar sua dor, físicas e psíquicas, que a doença, os estereótipos e a vida lhes impuseram. O CAPS de Santa Luzia sabe que investir em processos de expressão, cidadania e em novas possibilidades de vida é essencial na saúde mental. Por isso se deve garantir o acesso, o acolhimento e a promoção de novas formas de cuidado à pessoa em sofrimento psíquico, indo ao encontro da Reforma Psiquiátrica, a qual se configura como um processo social que engloba mudanças significativas nas formas de cuidado em saúde mental e no tecido sociocultural.
Santa Luzia/PB é um município de pouco mais de 15 mil habitantes que fica localizado no sertão da Paraíba, a 270 km da capital João Pessoa. Historicamente, nessa região, desenvolveu-se uma cultura de que as pessoas devem se mostrar sempre fortes, valentes. Motivar as pessoas a falarem das emoções e reconhecerem suas fragilidades sempre foi um desafio para os profissionais da saúde. Porém, esse pequeno município sempre valorizou a cultura; e a poesia está muito presente dentre os talentos dos seus artistas. Dos emboladores de coco, passando pelos tocadores de viola, até as expressões artísticas religiosas das religiões de matrizes africanas organizadas pelos descendentes do quilombo do talhado.
Ao iniciar meu trabalho como assistente social no CAPS, senti a necessidade de trabalhar temas sensíveis, porém que se faziam necessários para a ressocialização das pessoas ali assistidas: preconceito, loucura, relações familiares, relações sociais. Temas também que fazem parte das pautas sociais tais como política, religião, democracia, políticas públicas, direitos. Todas essas temáticas precisavam de mecanismos leves, didáticos, reflexivos. Não era possível falar de maneira convencional. Assim, atendo as necessidades e também aos recursos disponíveis no território, surgiu a ideia de trazer poesia para a saúde mental.
A instituição onde são desenvolvidas as oficinas da poesia é o Centro de Atenção Psicossocial Dr Fernando Antônio de Araújo, implantada em 2011 e que atende pacientes de cinco municípios: Santa Luzia, Junco do Seridó, São Mamede, Várzea e São José do Sabugi, municípios que formam o Vale do Sabugi. O CAPS é vinculado a Secretaria Municipal de Saúde de Santa Luzia e tem recebido grande contribuição da gestão municipal que tem proporcionado satisfatórias condições de serviços, mantido uma equipe médica exigida pelo SUS, contato com dois assistentes sociais, dois psicólogos, um psiquiatra, uma enfermeira, três arte educadores, além de outros profissionais.
- Oportunizar espaço para expressão e externalização da subjetividade e do eu em sofrimento psíquico;
- Estimular a criatividade através da construção de poemas, poesias e cordéis;
- Fortalecer as relações intra e interpessoais pautadas nas interações grupais;
- Dar visibilidade e momentos de fala e expressões artísticas.
As oficinas da poesia acontecem, semanalmente, nas quartas-feiras, pela manhã, na própria instituição ou em espaços externos. A cada encontro é trabalhado um tema e para tanto, apresentamos o poeta ou o cordelista do dia e, assim, são lidas coletivamente, as poesias ou os cordéis desse artista específico. Após uma conversação sobre a leitura, divide-se em dois grupos, e assim solicitamos que cada grupo construa duas estrofes de um poema ou um cordel inédito. Cada membro vai falando uma frase ou uma palavra que será complementada por outro pela fala de outro membro do grupo de maneira que haja rima, que o texto fique poético. Ao final de cada momento, junta-se as partes e transforma-se num único poema ou cordel. Os profissionais responsáveis por estes momentos são: um psicólogo, um assistente social e um arte educador, e conta também com a participação dos demais profissionais da instituição.
As poesias têm nos proporcionado trabalhar temas de abordagens difíceis, conforme já mencionado, sempre de uma forma mais leve e agradável. Estas oficinas, assim como dois saraus poéticos realizados em praça pública, nos quais são apresentados as expressões artísticas construídas nas oficinas da poesia, têm contribuído para a desconstrução dos esteriótipos historicamente presentes nos espaços que trabalham a saúde mental. As poesia na saúde mental vem fortalecimento a cidadania dos usuários do serviço no sentido de uma melhor interação com o meio em que vivem. Nos últimos meses, identificamos que o público mais jovem que é assistido pelo CAPS tem demonstrado mais familiaridade com o ambiente. Relatam que não sentem mais vergonha de falar para os amigos (as) que estão sendo acompanhados pelos profissionais do CAPS. O público alvo desses oficinas, em média de 30 pessoas por encontro, nos contam que a poesia tem sido um mecanismo de alívio psíquico, quando eles transformam em arte algo que trouxe tanto sofrimento. Fazendo , assim, lidarem melhor com seu passado; Portanto, esse trabalho tem contribuído no enfrentamento dos preconceitos com relação à saúde mental, tanto pela criatividade dos usuários quanto pelos relatos subjetivos ali expostos, fortalecendo assim o Sistema Único de Saúde e suas práticas inovadoras.
Transformando meu mundo
Transformar é preciso
Para um mundo melhor
Quanto mais alegria,
Paz, sossego e harmonia
Pois a vida é uma só.
Para que insistir na tristeza Se a vida é uma beleza?
Altos e baixos ela têm
Afinal, nem tudo nos convém
Então, disso não se esqueça.
Viva a transformação
Com amor e esperança
Pois quem vai a luta sempre alcança
E não deixa de lutar.
Para que a vida melhore
Deve-se a si mesmo transformar
Com amor no coração
Levando fé e união
Transformando este lugar.
Autoria: Usuários/as do CAPS I - Santa Luzia, 22/05/2019.