Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Pais como co-terapeutas das crianças assistidas no Programa de Atenção à Saúde Mental – PAPS

Pais como recurso terapêutico de transformação dos filhos.
Madre de Deus - BA
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Taisa Lopes
taisalopes@hotmail.com
Instituições vinculadas: 
PROGRAMA DE ATENÇÃO A SAÚDE MENTAL – PAPS
Resumo afetivo: 

A oficina psicoterapêutica surgiu da minha inquietação ao atender as famílias que buscavam o Programa de Atenção Psicossocial de Madre de Deus - PAPS, para acompanhamento psicológico dos filhos. Durante estes atendimentos era possível perceber que as queixas eram muito parecidas e que interferiam diretamente na relação e na vida dos filhos. Além disto, existia um desejo que as crianças deixassem de ser portadoras dos sintomas da disfuncionalidade da família e assim nasce a oficina através de um convite aos pais de serem parceiros, co-terapeutas das intervenções propostas no grupo, a ideia era que fosse não somente teórico ou um espaço de troca, mas vivencial, no qual os pais eram convidados e muitas vezes confrontados a realizarem atividades ou olharem para suas questões subjetivas. A compreensão principal da oficina traz a ideia de que o subjetivo dos pais torna-se alvo de investimento e de transformações no comportamento das crianças. Isso se dá através de uma mudança de paradigmas dos pais, onde os mesmos atuaram como co-terapeutas deste processo, pois eles são um dos principais agentes de mudança no processo psicoterapêutico de seus filhos, atuando como mediadores entre a orientação profissional e a implementação de contingências favoráveis à mudança infantil. Corroborando com esta ideia, SIGOLO Apud SILVA (2004) entende a relação com os pais como "espaço de socialização infantil", e que constitui na "mediadora da relação entre a criança e a sociedade", ou seja, o modo como os pais se relacionam com o mundo interfere diretamente no modo como os seus filhos irão se relacionar. Neste ínterim, o mesmo teórico acrescenta que interações familiares são tratadas como padrões de comportamentos, hábitos, atitudes e linguagens, usos, valores e costumes que são transmitidos de pais para filhos e perfazendo as bases da subjetividade, da personalidade e da identidade. Portanto, se buscou na oficina sensibilizar os pais para dialogarem e encontrarem novas estratégias de relacionamento com os filhos, possibilitando que percebessem a sua importância na vida dos mesmos e observassem alguns pontos importantes nesta relação tais como: comunicação, habilidades de apreciar a vida em família, reforço dos limites e, além disso, a reorganização das regras familiares em torno das fronteiras estabelecidas.

Contexto: 

A oficina ocorreu no ano de 2016, período que até então o Município de Madre de Deus não havia implantado o Centro de Atenção Psicossocial - CAPS que tem o intuito de atender a demanda proposta na Portaria 336/GM que valoriza a ênfase em atividades de âmbito multiprofissional associadas à perspectiva de reinserção do paciente acometido por transtorno mental psicóticos, neuróticos graves e egressos de hospitais psiquiátricos e oferecendo um atendimento humanizado, mais digno ao cidadão, porém o Serviço do PAPS independente deste contexto nunca se eximiu de oferecer uma assistência qualificada em âmbito multiprofissional as demandas relacionadas aos processos patológicos e psicológicos referentes à saúde mental, portanto nunca houve um fator limitador para o desenvolvimento das práticas biopsicossociais na área da saúde mental, independente de ainda não existir um equipamento reconhecido nacionalmente como os CAPS´s. Portanto partiu-se do paradigma biopsicossocial de saúde, seguido pelo serviço do PAPS, que trata dos cuidados em saúde como uma contínua reconstrução de significados que possibilita olhar para a pessoa além da doença, considerando o conhecimento que possui sobre si mesma, sobre o adoecer e a saúde, como focos essenciais na reconstrução conjunta de sentidos em direção a uma vida saudável nos seus diversos aspectos (MANDÚ, 2004). Neste sentido o marco teórico adotado pelo PAPS, seguindo ainda a Política Nacional de Humanização (PNH), também denominada HumanizaSUS (BRASIL, 2004) que conceitua humanizar o sistema de saúde através do resgate das dimensões humanas, no qual a subjetividade e o cuidado se tornam elementos essenciais e através deste foco no processo de humanização e subjetividade no atendimento a Saúde Mental foi realizada oficina de pais, que enfatiza a concepção de que o subjetivo dos pais como foco de atuação na mudança do comportamento das crianças.

Motivações: 

A intenção desta oficina foi transformar o olhar dos pais diante de seus filhos e dos comportamentos problemáticos, diminuir o sofrimento psíquico das crianças, criar comportamentos adaptativos, oportunizar a aplicação de técnicas disciplinares com intuito de promover um convívio familiar mais gratificante. Porém esta transformação não ocorre de forma mágica, pois quem atua com criança sabe que, para mudança acontecer é preciso esforço, dedicação e comprometimento dos pais com este processo e essa foi a principal motivação, a percepção da necessidade de criar um espaço que convidassem os pais a atuarem de forma mais participativa do processo relacional com seus filhos. Durante esta construção me recordo de duas oficinas chaves, uma foi onde a tarefa de casa (que em todas as sessões existiam) era observar os comportamentos adequados e inadequados dos filhos, e tiveram pais que só registraram comportamentos inadequados, então surge no grupo um questionamento será que as crianças não têm comportamentos adequados ou os pais não estão atentos, este foi um tema que demoramos muito tempo desenvolvendo, pois existia muita resistência, no processo de mudança do foco e da realidade. Outro episódio interessante foi a tarefa de casa – recreio especial, onde os pais iriam desenvolver um momento no dia para brincarem com seus filhos, a grande maioria se deu conta que esta realidade não acontecia e quando acontecia não tinha uma frequência necessária para uma criança que se relaciona com o mundo através do brincar. As oficinas foram mobilizadoras de padrões comportamentais e de questionamentos que ocasionou pais dispostos a colaborar com o seu tempo e esforço na tentativa de melhorar o convívio familiar, o comportamento e a subjetividade do filho. Claro que por vezes, torna-se difícil aplicar todos os conceitos e conhecimentos adquiridos durante as oficinas, mas é persistindo e os adaptando à sua própria vida diária com os filhos, que os resultados poderão ser atingidos e mantidos ao longo do tempo de forma saudável e prazerosa. As oficinas aconteceram no Programa de Atenção Psicossocial de Madre de Deus- PAPS que fica localizado no bairro do Suape na cidade de Madre de Deus, município brasileiro do estado da Bahia que possui uma área de 32,201 km², com uma população estimada em 2019 de 22 mil habitantes.

Parcerias: 

Os transtornos mentais e comportamentais são universais e observam-se em pessoas de todas as regiões, de todos os países e todas as sociedades. E na realidade brasileira as doenças mentais representam o maior fardo social e econômico, segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 450 milhões de pessoas são atualmente afetadas por desordens mentais e neurológicas, sendo que milhões nunca buscarão ou receberão tratamento e com o intuito de atender esta demanda de saúde mental é que o Gestor Municipal criou o Programa de Atenção Psicossocial – PAPS no Município de Madre de Deus que não era cadastrado no Ministério da Saúde, e dessa maneira, o município era o único responsável pelo custeio do serviço, que funcionava na perspectiva de tratamento em saúde mental, oferecendo um atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médico psiquiatra, assistente social, psicóloga, psicanalista e enfermeiro. O público-alvo da instituição eram pessoas que estivessem apresentando qualquer demanda relacionada a saúde mental independente da faixa etária e que apresentasse sofrimento psíquico, por serem portadores de transtornos comportamentais ou mentais agudos e/ou severos ou persistentes. O PAPS estava diretamente ligado com a Secretaria Municipal de Saúde de Madre de Deus e a Prefeitura Municipal de Madre de Deus. Durante este, processo é importante frisar e agradecer a Secretária de Saúde de Madre de Deus – Maria Rosânia Rabelo (no período de 2016) por sua sensibilidade e cuidado com as demandas de Saúde Mental de Madre de Deus e em especial as famílias que estiveram comigo nesta oficina, participando e se envolvendo aos encontros com dedicação, interesse e disposição.

Objetivo: 

Sensibilizar os pais sobre a relação que se estabelece com seus filhos e assim contribuir com a saúde emocional da criança.

 

Passo a passo: 

A presente oficina foi coordenada por mim, psicóloga do serviço do PAPS, e implementada neste Serviço, que atua na área de Saúde Mental. As sessões aconteceram quinzenalmente e a estrutura de cada sessão foi organizada em três etapas: Na primeira etapa eram verificadas e discutidas as tarefas propostas e realizadas pelos pais na semana anterior, tais como: queixas, dúvidas, dificuldades, falhas e sucessos eram analisados pelo grupo, com mediação do terapeuta. Na segunda etapa, apresentava-se o "passo" que são as atividades terapêuticas que os pais realizariam com e para seus filhos de uma sessão para a outra conforme a sequência pré-estabelecida. Nesta etapa, além da instrução, recorria-se aos conhecimentos comportamentais como prática efetiva para fortalecer a aprendizagem e facilitar a generalização. Na última etapa, explicitava-se a nova tarefa a ser realizada no decorrer da semana. A oficina foi baseada no programa de Treinamento em Habilidades Sociais que busca capacitar estes pais no manejo não coercitivo e colaborativo das dificuldades subjetivas apresentadas por seus filhos e que tem como pressuposto que as crianças precisam ser reforçadas de modo frequente, intenso, diferenciado e sistemático, sendo o foco desta modalidade a família como todo e não apenas a sintomatologia da criança. Como modelo de intervenção busca ser informativa, didática, ilustrativa e que sirva de apoio para discutir questões relacionadas às dificuldades encontradas pelos participantes, a partir de seus relatos. Configura-se como uma modalidade de terapia breve com duração e objetivos pré-estabelecidos, que podem ser periodicamente renegociados após avaliação com o grupo. Os participantes foram comunicados sobre os aspectos éticos do grupo.

Efeitos e resultados: 

Os resultados desta oficina possibilitaram algumas considerações importantes que permitem analisar seus efeitos tais como: Diminuição da atenção aos comportamentos negativos e o aumento da apreciação comportamental positiva. Os pais aprenderam a prestar atenção no bom comportamento do filho, elogiando-o e valorizando-o. Os pais ampliaram os episódios de brincadeira e interação com os filhos. Os pais se tornaram mais responsivos as necessidades de seus filhos no que diz respeito ao afeto, atenção e carinho. Aumentaram a tolerância e a empatia para as características individuais dos filhos e passaram a respeitá-las como ser humano. Entenderam que muitos comportamentos inadequados apresentados são mantidos pela atenção parental. A avaliação destes resultados ocorreu de forma qualitativa a cada sessão realizada, verificando-se o discurso dos pais, as mudanças da saúde emocionais das crianças e as melhorias na relação familiar.