- Campo do Saber
- Campo de Prática
- Público Alvo
Nossa experiência se deu em forma de oficina, com discussões em roda de conversa e participativa, onde dialogamos a partir das realidades apresentadas pelo coletivo. O desafio sempre presente é o da comunicação, de forma que o momento não seja absorvido pela lógica da mera transmissão de saberes, nem academicista, mas sim na perspectiva da horizontalidade e do diálogo fraterno e acolhedor, respeitando as diferentes e diversas vivências, histórias de vida, além de contextos culturais, sociais, formativos e institucionais. A oficina sobre Saúde Mental se desenvolveu dentro de um contexto maior, que contou com diversas outras oficinas e temas diversificados, onde foi possível contribuir com a construção de uma afetividade coletiva, desenvolvida no caminhar do projeto. Dessa maneira laços de amizade foram construídos, empatias, articulações para outras ações, troca de saberes, contato com a comunidade no território, conversas e reuniões com gestores da saúde, educação e assistência social, o que possibilitou a construção de agendas de intenção a partir dos temas abordados, além de gestores, profissionais e comunidade sensibilizados.
Dificuldades ocorreram, mas se limitaram aos aspectos logísticos, sobretudo de transporte dos participantes ao local onde as oficinas se realizavam. Contudo, a disposição, o comprometimento e a engajamento dos participantes superaram as barreiras e dificuldades existentes. Todo esse contexto de envolvimento, compartilhamento de saberes e práticas, troca de informações, acolhimento, falas e escutas dos sujeitos e coletivos, possibilitaram grande alegria e satisfação. É a alegria da construção de empoderamento coletivo.
Foto 01: Alguns dos participantes das oficinas em momento de integração
O município de Taquarana possui uma área de 166,48 km2 com sua população estimada de 20.205 habitantes (IBGE, 2017) distribuídos na zona urbana e em mais de cinquenta localidades rurais. Sua densidade demográfica é de 114,55hab/km2. Possui quatro comunidades de remanescentes de quilombolas devidamente certificadas pela Fundação Cultural Palmares (2017), são elas: comunidade Quilombola Lagoa do Coxo, comunidade Mameluco, comunidade Passagem do Vigário e Poços do Lunga.
Foto 02: I Encontro de Quilombos do município de Taquarana-Alagoas.
Taquarana tem 08 Equipes de Saúde da Família o que corresponde a 100% de seu território coberto pela ESF. A Equipe de Saúde da Família 06 – Unidade Básica de Saúde (UBS) Vereador Abel Bezerra da Silva, que está localizada no Distrito de Lagoa Grande é responsável pela assistência de três comunidades quilombolas, são elas, comunidade Mameluco, composta por 432 habitantes, que estão distribuídos em 132 famílias e fica distante a 2 km da UBS; comunidade Poços do Lunga, que está situada a 10 km da UBS, é constituída por 59 habitantes que estão distribuídos em 19 famílias e, comunidade Passagem do Vigário que está localizada a 17 km da UBS, é composta por 89 habitantes, distribuídos em 25 famílias; já a comunidade quilombola Lagoa do Coxo, que é constituída por 108 membros distribuídos em 35 famílias, localizada no Sítio Canafístula, a 04 km do centro da cidade, faz parte do território da Equipe de Saúde da Família 03.
As comunidades remanescentes de quilombo existem em grandes números no nosso país, porém em pouca visibilidade diante do tamanho da sua importância histórica e cultural. Ter um projeto voltado exclusivamente para essa população, tratando de temáticas que possuem urgência em serem debatidas com esse público, para que os mesmos agreguem novos conhecimentos aqueles conhecimentos que eles já possuem, faz com que haja uma potencialização e empoderamento sobre os direitos de uma comunidade que por vezes é desamparada diante das suas particularidades.
A possibilidade de ter um projeto desenvolvido no próprio quilombo serviu como motivação para que o conhecimento debatido por vezes em âmbito exclusivamente acadêmico, chegue à comunidade e aqueles que necessitam usufruir dele.
Foto 03: Momento de debate, reflexão e integração durante oficina realizada na Escola Municipal Edgar Tenório localizada no município de Taquarana – AL.
Nossa experiência se deu a partir do Projeto Afro-Atitude/UFAL e da disciplina Saúde da População Negra da FAMED/UFAL, na perspectiva da saúde, direitos humanos, gênero, raça/etnia, junto às Comunidades remanescentes de Quilombo: empoderamento, advogacy, EPS, participação e controle social, na interseção de educação permanente aos ACS/ESF/SUS. O projeto teve o financiamento de SESu/MEC e coordenação da UFAL, através da Faculdade de Medicina, com a participação do Curso de Enfermagem-UFAL/Arapiraca, e parceria da Prefeitura de Taquarana e Secretarias municipais de Saúde e Educação.
As atividades tiveram a supervisão dos professores e representantes da prefeitura (direção da escola, coordenação da atenção básica, conselho municipal de saúde) e das lideranças comunitárias. Estudantes de graduação dos cursos de educação física, enfermagem, medicina, pedagogia e psicologia auxiliaram na facilitação das oficinas.
Os participantes das oficinas foram moradores (adultos, jovens e também crianças) e lideranças das comunidades remanescente de quilombos, professores do ensino fundamental, servidores públicos, profissionais da Saúde da Família, ACSs e gestores.
Foto 04: Faixa colocada pela Prefeitura Municipal de Taquarana em agradecimento à Universidade Federal de Alagoas pela realização do projeto Afroatitude durante I Encontro das comunidades quilombolas de Taquarana-AL.
A oficina Saúde Mental e Racismo teve duração de um dia, onde discutimos diversos temas relacionados à saúde mental, como os Determinantes Sociais da Saúde, Racismo, Racismo Institucional, transtornos mentais e redes de atenção à saúde, com foco na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Dessa maneira, os objetivos da oficina foram:
- Sensibilizar sobre Racismo institucional e saúde mental;
- Promover a participação da comunidade;
- Formação de multiplicadores e o empoderamento;
- Exemplificar a relação dos DSS com a Saúde Mental;
- Discutir os direitos das comunidades quilombolas e das pessoas em Transtornos Mentais e a RAPS.
Todas as atividades do projeto foram realizadas durante os finais de semana e como de costume, as atividades tiveram início na manhã de um sábado ensolarado e quente, mas a acolhida da equipe pela comunidade superou qualquer fator climático. Após a exposição dos objetivos da oficina e acomodações iniciais começamos com a apresentação da equipe de facilitadores e de todos os presentes naquele espaço de forma lúdica e descontraída que envolveu a todos e todas. Firmamos acordos com os participantes da oficina, como respeitar o momento de fala do outro, evitar o uso de telefone, participar ativamente, se colocar sempre que se sentir à vontade e quiser se expressar, entre outros acordos, e após esse momento demos início aos trabalhos.
Questões disparadoras introduziram o assunto. Dentro de uma perspectiva freiriana, horizontal, sem “verdades absolutas”. Em pauta numa roda de conversa: saúde, saúde mental, loucura, doença/transtorno mental, sofrimento psíquico, uso/abuso/dependência de substâncias, suicídio, preconceito, racismo, racismo estrutural, desigualdades sociais, de raça/cor e de gênero, serviços e redes de atenção à saúde, cuidado, direitos, entre outros tópicos relacionados a temática que foram surgindo durante o debate a partir de questionamentos dos presentes na oficina. Nesse momento todos se colocam, falam, escutam, comentando que em qualquer lugar podemos nos deparar com sofrimento psíquico e, tendo isso em vista, devemos ser sensibilizados para saber lidar com a ‘loucura’. O tema do racismo, preconceitos e estigma vieram a tona na roda de conversa.
Distribuímos alguns cartões aos participantes, com diferentes mensagens, e que cada um leu em voz alta o que estava escrito no cartão que recebeu. Os cartões contêm algumas reflexões acerca das temáticas: promoção da saúde, questões étnico/raciais, respeito a diversidade religiosa, orientação sexual, respeito às diferenças, violência doméstica, e tinha como objetivo abordar a questão das intolerâncias, do preconceito/estigma, das iniquidades em saúde, entre outros. Discutimos sobre a história da loucura na sociedade, comentando que ainda hoje nos hospitais psiquiátricos há predominância de pobres e pretos. Entre paradas para o café e o almoço, vimos trechos de filmes e reportagens que abordaram a temática debatida durante a manhã do sábado.
Retornando no período da tarde com alongamentos e dinâmica, continuamos nossa atividade e os participantes formaram subgrupos para reflexão, discussão e apresentação de uma síntese dos temas que poderia ser feita através da exposição em qualquer formato escolhido pelo subgrupo, como cartaz ou dramatização, por exemplo, o que tornou o momento mais dinâmico e participativo, contando com o envolvimento de todas e todos.
Encerramos o primeiro dia com agradecimentos, abraços coletivos, depoimentos, avaliações e planejamento do dia seguinte. Toda a equipe do projeto pernoitou na cidade, com conversas à beira da fogueira, ouvindo histórias e estórias contadas pela comunidade.
As atividades do domingo iniciam com alguns alongamentos orientados pelo estudante de Educação Física. Após esse momento, a estudante de Pedagogia discorre sobre as atividades que serão realizadas durante o domingo e em seguida passa um trecho vídeos e filmes, com o intuito de ilustrar os problemas de memória, como o Alzheimer e outros “transtornos” que serviu como disparador para abordarmos a dificuldade de diagnóstico, bem como o aumento dos mesmo em nossa sociedade, discutindo também a problemática da medicalização social. Findado a discussão da saúde/doença mental, o estudante de Educação Física entra em cena abordando as formas de promoção da saúde, prevenção de agravos e doenças, a importância da atividade física regular e da exercitação do cérebro através do estudo, leitura, jogos, aprendizagem de conhecimentos novos – coisas simples que estimulam a termos uma vida mais saudável e menos doente.
Assim, a manhã continua, e é exibido um vídeo com depoimentos de pessoas em sofrimento psíquico e também que tiveram problemas de saúde mental, transtornos alimentares, como anorexia e bulimia; quando o vídeo termina, pergunta aos presentes se eles já tiveram conhecimento de algum caso deste na realidade em que vivem; comenta-se sobre os problemas mentais na comunidade, a ditadura da beleza, que atinge mais as mulheres, mas também pode atingir os homens; fala-se sobre o padrão de beleza é de um corpo magro, esguio, o qual as pessoas se sacrificam física e psicologicamente para obtê-lo. Ressalta-se então sobre o papel da mídia nesse processo, da medicalização do sofrimento, dos preconceitos e estigmas, das receitas milagrosas para emagrecer que são evidenciadas nas revistas, frisando que a perda de peso deve ser feita de forma consciente e saudável. Após discorrer os pontos principais dos transtornos mentais, é exibido um vídeo que fala da ansiedade e da fobia social e ao término do mesmo, questiona-se aos participantes da oficina se eles vivenciaram ou conhecem situações dessa natureza. Finalizamos esse momento às 12:00 horas e fizemos o intervalo para o almoço.
As atividades da tarde voltam às 13:30 horas, com o professor/facilitador realizando uma avaliação da oficina que ocorreu neste final de semana, onde participam todos os presentes, inclusive os monitores. Cada um relata sua experiência, e a maioria comenta que vem sendo muito enriquecedor ter contato com os conhecimentos ministrados e as experiências compartilhadas até então.
Para finalizar, é realizada uma dinâmica reflexiva, onde o facilitador dá um balão e um palito de dente para cada pessoa, e pede para que cada um proteja seu balão; de repente as pessoas começam a estourar com o palito o balão umas das outras. Ao final, ressalta-se que em nenhum momento foi falado que o objetivo era estourar o balão do outro; as pessoas reagem comentando “foi o que deu a entender”. Então, o facilitador reflete sobre como a reação dos indivíduos presentes na oficina naquele momento poderia ser um reflexo do que acontece em sociedade: pode ocorrer situações onde cada um pode concluir algo quando não se para ouvir o outro e refletir sobre o significado daquilo que realmente foi dito.
Finalizamos a oficina com uma agenda de encaminhamentos a ser enviada e discutida com a prefeitura e secretarias, construída com os participantes da oficina: pessoas e lideranças da comunidade, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), professores e diretores da escola e a equipe de monitores e facilitadores da oficina.