Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Medicação, autonomia e gestão: conexões e desencadeamentos coletivos de um grupo GAM em um CAPS adulto

O Grupo GAM é um dispositivo que problematiza as noções cristalizadas acerca da autonomia, atribuindo aos seus maiores interessados - os usuários do serviço - protagonismo na discussão e criação de estratégias singulares e coletivas.
São Paulo - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Fernando Mostaço da Mata, Diego Napolitano Curceli
fernandozw@gmail.com, diegocurceli@yahoo.com.br
Instituições vinculadas: 
Caps Adulto III Capela do Socorro, situado no distrito Cidade Dutra na Cidade de São Paulo - SP Associação Saúde da Família, Prefeitura do Município de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
Resumo afetivo: 

O que pode um coletivo de usuários com a participação de profissionais facilitadores e um guia produzir em um CAPS Adulto? A partir de uma aposta na composição entre diferentes, a experiência relatada agenciou possibilidades de transformação na forma de existir circunscritas pelo contorno dos modelos psiquiatrizantes e psicopatologizantes tanto nos usuários, como nos facilitadores e também no funcionamento institucional do CAPS. Desafiar-se a destrinchar no grupo o que cada um poderia ampliar em sua autonomia e aos poucos perceber a confiança criada entre os participantes e pequenos passos antes não experimentados (andar de ônibus sozinho, fazer um curso de panificação, tomar a medicação sem ajuda dos familiares, não tomar a medicação, poder falar da dificuldade de relação com o médico que o atendia e de como se sentia com os familiares e comunidade). Além das experiências individuais, o grupo se desdobrou em outros espaços. Foram criadas oficinas de geração de trabalho e renda (Estamparia SUStentação e CAPS Food) que possibilitaram o aumento de autonomia a partir do dinheiro. Cabe dizer ainda, do desafio de mergulhar nas entranhas da psiquiatria tradicional e colocar em cheque discursos sustentados pela equipe do CAPS que se perdiam diante da complexidade das experiências trazidas pelos participantes do grupo. Enquanto facilitadores (psicólogo e gerente) era possível perceber o quanto que os outros participantes relatavam o próprio CAPS pautado por resquícios do manicômio em sua relação, ou seja, um importante analisador do próprio serviço.

Contexto: 

Nas últimas décadas novas práticas vêm sugerindo uma discussão mais profunda acerca dos usos dos medicamentos por usuários dos serviços de saúde mental, o Guia da Gestão Autônoma da Medicação (2012) nasce destas práticas, e tem como objetivo possibilitar que as pessoas tenham autonomia para negociar ativamente os medicamentos que lhes façam bem, assim como acessar outras formas de tratamento e outros modos de vida. Em meio a diversas outras modalidades de grupos existentes no CAPS (Grupos verbais, Oficinas Corporais e Oficinas Expressivas) o GAM se insere como mais um grupo terapêutico único à época a discutir as relações de autonomia dos usuários do serviço. Compunha enquanto um recurso parte de Projetos Terapêuticos Singulares.

Motivações: 

A lógica ambulatorial é um entrave para a desmedicalização de pessoas que fazem uso de medicação psicotrópica, por vezes a dificuldade em questionar o uso prolongado de tais medicações se faz presente no cotidiano dos serviços substitutivos aos manicômios. O grupo acontece em bairro da região sul da cidade de São Paulo, onde a extrema vulnerabilidade social e a ausência do poder público conversam com intimidade, os caminhos mais fáceis para o cuidado em saúde mental são sempre as primeiras opções, e por vezes eles não trazem benefícios a longo prazo. O grupo GAM se propõe a questionar tais caminhos, e achar a singularidade em meio aos caminhos da psiquiatria tradicional.

Parcerias: 

O Grupo se inicia a partir de uma pesquisa de doutorado ligado a Faculdade de Saúde Pública da USP, onde se estudaria o uso de medicação psicotrópica no viver cotidiano e modos de subjetivação. O público alvo era usuários do serviço convidados amplamente através de cartazes e divulgação em assembleia, além de alguns direcionados em contato com suas referências.
O CAPS Adulto III Capela do Socorro, pertencente à Supervisão Técnica de Saúde Capela do Socorro, em gestão compartilhada com a Associação Saúde da Família foi inaugurado em junho de 2013. Localizado no extremo sul do município de São Paulo, era responsável por uma área de abrangência de cerca de setecentos mil habitantes.

Objetivo: 
  • Criar um espaço de encontro autogestionável onde se discuta autonomia, medicação e gestão de si;
  • Aumentar a autonomia nas relações interpessoais e comunitárias dos usuários participantes através da criação de estratégias singulares
  • Refletir coletivamente sobre o protagonismo dos usuários em seu acompanhamento em saúde mental e nas decisões acerca do uso das medicações;
Passo a passo: 

O Guia da Gestão Autônoma da Medicação foi trazido como dispositivo para ser discutido em grupo de usuários do CAPS III Adulto Capela do Socorro, visando refletir sobre as condições de autonomia destes, bem como a relação com o tratamento e suas medicações. Foram realizados grupos semanais, com duração de uma hora e meia, com temáticas abordadas pelo guia como disparadores das discussões.

Efeitos e resultados: 

 No início dos encontros a temática das medicações sempre era trazida como condição colocada por profissionais e familiares, e uma desresponsabilização por esta parte do tratamento. Todos os participantes eram assíduos em outros grupos terapêuticos e tinham uma implicação no processo de cuidado extra medicamentoso. Foram construídos conceitos e reflexões acerca das condições de autonomia de cada participante, sendo um conceito singular e em constante construção. Dentre os temas levantados pelos participantes, podemos destacar o estigma trazido sobre o lugar que as pessoas com transtorno mental ocupam na sociedade, carregando significantes negativos que as desqualificam para vida em comunidade, o uso da medicação concretiza tal lugar, e é o que passa a identificar os participantes enquanto “pacientes psiquiátricos” e não mais pessoas. O uso da medicação é também um refúgio, passa a ser o motivo de alguns participantes se retirarem de responsabilidades que antes assumiam.