Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Kinenga - O equilíbrio da Medicina Holística Afrikana

Promover o retorno à Ancestralidade através de rituais medicinais, ambientalização com o templo e a vivência, fortalecendo o equilíbrio e a harmonia com a bioancestralidade.
Rio de Janeiro - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Tata Lemba Dyala, Hoji Kala e Mpombe Nsi
institutobantukimpavita@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Instituto Bantu Kimpa Vita e Muna Nzo Kongo Dya Mayala Mavuemba Nkosi Biolê. Bairro de Vaz Lobo.
Resumo afetivo: 

Nosso projeto tem como princípio o eixo Afrikano Centrado, onde usamos as tradições de nossos Ancestrais para produzir a saúde em nosso Kânda (Comunidade). Sabemos bem que os nossos mais velhos tinham uma riqueza enorme de saberes, possuindo ciência para cura da varíola, depressão, e outras milhares de doenças. É necessário pensar nessa riqueza de conhecimento herbalista - que envolve uma sabedoria milenar - e pensar como a natureza nos fornece a cura para as mais diversas patologias da vida. Numa sociedade estruturada pela violência física e espiritual dos povos Afrikana, as religiões Afrikana construíram um ambiente de resistência onde a cultura dos nossos antepassados serviu como base para cura de homens e mulheres negras.

O projeto tem como base Kândika Nitu, que é o ato de imunização do corpo, partindo do entendimento de que a vida é como se tivéssemos numa floresta, então o corpo espiritual sempre protege o corpo físico - ambos estão interligados pelo Sagrado. A medicina antiga do Kôngo tem como principal elemento o Kinenga, a palavra-chave do Equilíbrio, onde nós do Muna Nzo Kôngo dya Mâyala e Instituto Bantu Kîmpa Vîta se apoia para produzir a saúde comunitária. A Tradição da Medicina Holística Afrikana acredita na Saúde como um dos princípios fundamentais da vida humana. Quando pensamos na palavra Saúde não devemos pensar apenas na ausência de doenças físicas, pois o assunto é muito mais abrangente. A Filosofia Afrikana nos ensina sobre o caráter holístico do nosso corpo-cósmico, sendo Seneb uma palavra do antigo Kemet que é referente a saúde física, saúde mental, saúde alimentícia e saúde espiritual. Aqui podemos presenciar o eixo do nosso trabalho, fortalecer a Mûntu (o ser humano) em sua plenitude.

Contexto: 

Em nosso templo “Muna Nzo Kôngo dya Mâyala Mavuemba Nkôsi Biolê” construímos um movimento de invocação da energia dos Bakulu (Antepassados) para dar vitalidade ao nosso retorno espiritual, político e comunitário, com o objetivo de fugir das amarras do colonialismo. O ciclo se chama Nkûmba, que em kikôngo significa 'Algo de todos nós', aquilo tem a capacidade de espalhar por todos os lados, a origem da família, dos ancestrais, o cordão umbilical. O antigo ritual de Dya Musûnga, segundo Dr Batsikama era onde residiam a 'Mãe de todos', simbolizando as 3 semanas de institucionalização da Amizade e Irmandade. O retorno à comunidade fortalece a ancestralidade coletiva, porque o Nkisi é um medicamento orgânico, atuando na reconstrução ontológica do Ser, proporcionando o realinhamento com o destino. Logo, a anatomia da saúde tem 3 eixos primordiais: a primeira parte fica vinculada a dimensão espiritual, onde deve se fortalecer Nguzu (Força Vital) e manter ela acesa sempre; a segunda parte é onde reunimos essa vibração espiritual em equilíbrio para fazer o Corpo-físico do Mûntu funcionar em harmonia com sagrado; a terceira parte é o Ntu (cabeça) que precisa absorver bem as energias espirituais para viver em harmonia espiritual e física.

O projeto tem como base Kândika Nitu, que é o ato de imunização do corpo, partindo do entendimento de que a vida é como se tivéssemos numa floresta, então o corpo espiritual sempre protege o corpo físico - ambos estão interligados pelo Sagrado. A medicina antiga do Kôngo tem como principal elemento o Kinenga, a palavra-chave do Equilíbrio, onde nós do Muna Nzo Kôngo dya Mâyala e Instituto Bantu Kîmpa Vîta se apoia para produzir a saúde comunitária. A Tradição da Medicina Holística Afrikana acredita na Saúde como um dos princípios fundamentais da vida humana. Quando pensamos na palavra Saúde não devemos pensar apenas na ausência de doenças físicas, pois o assunto é muito mais abrangente.

Para nós nada na vida está desligado de nossa cosmologia. A restauração do NTU (cabeça) perpassa pelo tratamento longo, onde precisamos ativar a cura através de sua bioancestralidade, com medicinas orgânicas compostas de elementos minerais, vegetais e animais. O realinhamento é o contato com Kalûnga, aquela que mostra a gente como construir, que tem a função de fazer a gente acessar espiritualidade ancestral. Isto potencializa a energia de reestruturação. Kalûnga é nome de Nzâmbi enquanto Profundidade: Coração , Mar e o Centro do Subsolo, sendo possível também traduzir como Origem, Infinidade e Inteligência. A ignição espiritual é ativada no Ntu, a "cabeça". Ntu tem um significado imenso, e deriva de tûdila: educar até ao cume. Logo, Ntu não é apenas pessoa. Não. Ntu é 'UMA PESSOA BEM EDUCADA' razão pela qual os Bantu, quando alguém não regula bem, não tem juízo, é chamado TEKE (escultura) ou ainda "não é pessoa", precisa de ajuda espiritual para ter uma vida em conformidade com destino. O Kimbanda ou Ngânga - os "Sacerdotes" - sabe que o Ntu é um sistema dentro de um sistema, princípio dentro de princípios e padrão dentro de padrões - a cabeça interior entra como mistério dentro de um mistério. É o ser invisível dentro do próprio ser invisível, ele é que dança na frente do próprio corpo.

A ciência espiritual Afrikana ensina que mesmo depois que alcançamos o ponto central, o nosso sagrado Ser, ou até mesmo a 'Fonte de Consciência', há um segredo interno mais profundo que permanece no mistério. Toda iniciação em nossas Divindades tem como finalidade revelar à cabeça Interior a Cabeça Física porque a palavra “Mû Ntu” sinaliza “por dentro da Cabeça”, ou “Por a cabeça”, como diz o saudoso Ngânga Fu-Kiau do Kôngo. É a partir da Cabeça que se manifesta o sistema-chave da vida espiritual e física. A mesma chave da Cabeça interior está ligada a “A fonte de Consciência” e aos “padrões da Consciência” através do Nkîngu-a Nkîngu. Isso tudo dialoga com a cabeça física, o verdadeiro sinal de nossa consciência. Mûntu é capaz de evoluir e construir afinidades com a vida na terra. O exemplo do fogo no centro do sol, fogo no centro da terra, e os diversos fogos no fundo da forja do ferreiro representam a energia emanada dos diversos reinos da criação. Aqui está a metáfora de “Sua cabeça é seu guia”, pois o Ntu que escolhemos está ligado ao destino que vamos ter na terra. Quando cada um de nós escolhe nosso destino, estamos escolhendo uma determinada energia, uma força espiritual que encarna no nosso inconsciente. A filosofia Bantu-Kôngo nos ensina que Mûntu é um ser-de-energia-viva, um Ser espiritual, sendo ao mesmo tempo também um Ser físico (material). É essencial entendermos nossa fonte interna, onde nosso sagrado se manifesta em nós no Ntima/Muxima (Coração). A Ntima bem estruturada traz a elevação divina, o Testemunho do Coração. Os Bakulu (Antepassados) nos ensinam que quem testemunha seu Coração desperta boa consciência. O Lela (cuidado) vai revelar os caminhos corretos para "limpeza" interior e ajudará a ter bom caráter.
 

Motivações: 

O desencarilhamento profundo dos Povos Africanos no Brasil formou uma diáspora de descendentes descrentes de suas ciências antigas que davam conta de sua existência.

Existe uma base forte em nossa filosofia Afrikana Comunitária, esta é a vitalidade dos Povos de Terreiros, pois através dessas experiências moldamos nossa continuidade bioancestrálica. É necessário lembrar que o desenvolvimento do Brasil sempre foi marcado por inúmeros ataques a Instituições Espirituais Afrikanas, como a demonização das práticas espirituais africanas, do nosso modo Ser e dos nossos estilos de vidas. Esses ataques ocasionaram inúmeros distúrbios psico-espirituais nas Comunidades Afrobrasileiras. O deslocamento da humanidade dos Povos africanos no Brasil provoca até hoje um impacto negativo em sua subjetividade, requerendo um realinhamento com sua espiritualidade que vai potencializar a nossa cultura, língua, os hábitos alimentares e a estrutura familiar. Os terreiros sempre foram de espaços acolhimento físico e espiritual, onde se nutre a Ancestralidade Coletiva tornando a vida mais doce para quem sempre caminhou em meio aos percalços advindos da institucionalização do racismo em terras brasileiras.

Parcerias: 

O Muna Nzo Kôngo dya Mâyala Mavuemba Nkôsi Biolê fica em um território constituído de maioria Negra, localizado entre o Morro do Juramento e o Morro Serrinha. Logo, temos como objetivo trazer a força dos nossos Ancestrais para ajudar a revitalizar e fortalecer a população local como público alvo. A nossa cosmovisão Bantu-Kôngo nos educa a trabalhar em coletivo, a vida no plano físico é centralizada nos Minkisi, elemento primordial neste mundo. Através da força-elemento deixada pelos Ancestrais temos o Kînsa (Curar, Tratar e Guiar), os Minkisi cuidam de todos os seres humanos. Sua ciência fornece ampla memória ancestrálica a diversos tipos de tratamentos facilitando a vida. Para nós nada na vida está desligado de nossa cosmologia. Nesse entendimento, invocamos a energia do antigo Kilûmbu (Quilombo) para dar vitalidade ao nosso retorno espiritual, político e comunitário, com o objetivo de fugir das amarras do colonialismo. O ciclo se chama Nkûmba que em kikôngo significa 'Algo de todos nós', aquilo tem a capacidade de espalhar por todos os lados, a origem da família, dos ancestrais, o cordão umbilical.

Objetivo: 
  • O objetivo do projeto é utilizar de tecnologias Ancestrais Afrikanas para destruir as patologias causadas pelo racismo brasileiro, construindo uma ponte para recentralização do nosso povo Negro;
  • Retirar o Nkisi do ambiente religioso, trazê-lo como uma dinâmica do Ser, da forma como se olha a vida, pois temos plena consciência que as características religiosas foram impostas pelo sequestro dos nossos Ancestrais e as adaptações para sobrevivência de nossas divindades. Sabemos bem como o colonialismo arquitetou a destruição da espiritualidade Afrikana com o apagão e o arrastão ideológico (PEREIRA, 2017).
  • O retorno à Ancestralidade através de rituais medicinais, ambientalização com o templo e a contínua vivência fortalecem o equilíbrio e a harmonia com a bioancestralidade, onde logo se aprende: o corpo é como um território sagrado. A existência é ligado ao todo, o todo é ligado ao cosmo e interligado a natureza, onde moram os elementos da cura.
Passo a passo: 

A troca é sempre viva, pois a natureza nos fornece todos os suportes para isso no ritual de Sakamene dya Bisîmbi. Existem 3 estágios indispensáveis para cura do indivíduo: na primeira etapa é feita uma consulta oracular para saber onde está o malefício daquela pessoa. Os Bisîmbi automaticamente identificam, e através de palavras-chaves o Ngânga vai retirando a negatividade e harmonizando Mûntu; a segunda etapa perpassa pelo Bisîmbi dya Maza, onde os elementos hídricos são usados para apaziguar o espírito e o coração, fornecendo um equilíbrio e um bem estar espiritual e físico; a terceira etapa é usando Bisîmbi dya Nseke, para manter tranquilidade e fazer com que Mûntu não retorne aquele estágio novamente, produzindo um bem estar contínuo através dos Minkisi - medicamento orgânico da vida.

Os remédios tirados das nossas Ekaia (folhas), Raízes, Cascas de Árvores e etc, vem da energia do Nfinda (Floresta). Em nossa tradição Bantu-Kôngo temos nesse estágio uma plenitude energética, a qual chamamos de Nza Yankunzu (Planeta Verde). É nesse processo que Kalûnga nos ensina a respirar através do bunkûnzu, a vitalidade, oferta deixada pela natureza. O Planeta Verde tem uma ancestralidade forte na terra, representa os mais antigos em nossos sistemas solares, segundo o povo Bantu-Kôngo. Temos a noção do planeta verde como Didi (centro), como força de expansão através do universo.

Efeitos e resultados: 

É vital observar o impacto das medicinas na restauração do equilíbrio e realinhamento do destino, sendo impossível tangibilizar, quantitativamente falando, a grandeza do encontro espiritual alcançado quando se atingiu a aplicação medicinal com a incorporação consciente dos valores ancestrálicos. Contudo, é possível apreender através da experiência empírica, a qual estamos abertos a compartilhar ativamente a quem precisa/deseja vivenciar.

Conte um pouco mais: 

A Muna Nzo Kongo Dya Mayala Mavuembo Nkosi Biole (Casa do Governo Sagrado do Divino Leão do Kongo), foi fundada no dia 15 de Outubro de 1966, pelo Tata Kimbanda Biole, como Casa Tradicional da Matriz Africana Bantu Congo-Angola. Constituí-se em um espaço próprio de resistência e preservação dos valores civilizatórios, trazendo conhecimentos da Cosmovisão transplantadas dos povos Bantu, localizado na Rua Alice Freitas, 361, no Bairro de Vaz Lobo na Zona Norte – Rio de Janeiro – RJ.

Uma Instituição que tem como finalidade as praticas espirituais africanas (candomblé), a partir da ótica dos povos tradicionais Bantu. Preocupada com o resgate ético, moral e da dignidade espiritual, a preservação das heranças culturais dos Negros e dos povos Autóctones, com a base política na assistência espiritual e social, a luta constante contra o comercio espiritual, pela preservação do meio ambiente, pelo fim do racismo religioso.

A utilização do espaço sagrado como reprodução social, cultural e espiritual da comunidade; e aplicação de saberem transmitidos ao longo dos tempos pela oralidade, promovendo agentes multiplicadores dos saberes e fazeres tradicionais, atuando no fortalecimento de ações políticas e afirmativas, visando enfatizar a importância de se combater a violência mediante o aumento da alta estima do egresso, através do trabalho, do estudo e do resgate de sua cidadania do ser Africano.