- Campo do Saber
- Campo de Prática
- Público Alvo
A pesquisa contou com a participação de quase a totalidade dos CAPS III do Estado de São Paulo (o que à época representava praticamente a metade dessa modalidade de equipamento no Brasil, segundo dados do Ministério). Nesse sentido, foi bastante desafiador articular politica a institucionalmente uma pesquisa de tal magnitude. A pesquisa foi atrelada a um projeto de extensão ofertado aos participantes (gestor e um trabalhador de cada CAPS III), como forma de maior implicação na participação e de contrapartida institucional ao investimento dos trabalhadores, considerando também a função da Universidade Pública no que concerne à ofertas de formação continua e qualificação das práticas no/do SUS. Os gestores e trabalhadores tiverem participação efetiva em diferentes etapas da pesquisa, considerando as diferentes metodologias utilizadas, com destaque para o protagonismo deles na construção e efetivação dos indicadores. As propostas de participação e protagonismo pelos grupos de interesse, aposta em estratégias de monitoramento e avaliação de políticas públicas e ratificação do compromisso da universidade pública com o sistema público são nortes que nos movem, sendo que tal experiência em muito nos alegrou. Os indicadores finais estão disponíveis no item "Relatos de apresentação deste trabalho".
A equipe de trabalho organizou-se a partir da parceria entre dois grupos de pesquisa já existentes, “Saúde Coletiva e Saúde Mental: Interfaces” – do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e do LaborAl – Avaliação de Programas e Serviços, do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Baixada Santista. Partindo da apropriação do Projeto aprovado, organizaram-se dois núcleos de trabalho: um em Campinas, coordenado pela Profa. Dra. Rosana Onocko Campos (também coordenadora do projeto) e outro em Santos, coordenado pelo Prof. Dr. Juarez Pereira Furtado, o que possibilitou melhor operacionalização na aproximação com os serviços envolvidos bem como na própria realização do Curso de Avaliação em Saúde Mental, principal aposta para garantir o aspecto participativo da pesquisa. O curso foi planejado de modo a ocorrer simultaneamente nos dois campos, com conteúdo semelhante e na medida do possível, com os temas tratados pelos mesmos convidados. As aulas aconteciam no período da manhã e no período da tarde eram realizados os Grupos de Apreciação Partilhada (GAP), no qual os participantes se dividiam em pequenos grupos (seis no total, sendo três em Campinas e três em Santos). Todos os GAPs contaram com um condutor e um relator que eram fixos por grupo, centrados em participantes dos dois grupos de pesquisa mencionados acima, sendo professores universitários, doutorandos, mestrandos, graduandos em iniciação científica. Compunham os GAPs os profissionais da rede pública dos serviços de saúde, público alvo da pesquisa. A fim de garantir coesão na condução dos grupos e no processamento do material produzido realizou-se atualização teórica sobre os grupos de apreciação partilhada (GAP) e discussões sistemáticas entre a equipe de trabalho. Além de encontros sistemáticos das equipes de trabalho de Campinas e Santos para discussão do andamento da pesquisa e preparação de oficinas, houve três momentos em que todos os participantes estiveram juntos: O primeiro foi na abertura do curso, que inclusive contou com a presença do coordenador nacional da área técnica da saúde mental do Ministério da Saúde (MS). O segundo encontro foi uma grande oficina de consenso para definição final dos indicadores. E o terceiro e último encontro dos dois núcleos aconteceu no encerramento do curso, no qual todos os participantes apresentaram os resultados da validação dos indicadores selecionados nos serviços que trabalham, novamente com a presença do coordenador nacional da área técnica de saúde mental do MS. Nos períodos em que não havia encontros presenciais entre as duas equipes de trabalho, outras ferramentas foram utilizadas para garantir a comunicação/troca entre os pares, como e-mails e contatos telefônicos e a construção de um blog e site onde todos os materiais didáticos (textos, aulas filmadas) ficaram disponíveis para os participantes. Em relação aos serviços pesquisados, como se pretendeu trabalhar com a totalidade de CAPS III do Estado de São Paulo, estes serviços foram distribuídos utilizando-se o critério de regionalização, compondo os núcleos de trabalho da seguinte forma ( vide outros tópicos e foto do mapa de regionalização).
Entre 2005 e 2007, uma pesquisa anterior possibilitou analisar aspectos inerentes à rede de CAPS de um município de grande porte, com uma cobertura de CAPS apropriada (1,23 CAPS por 100 mil habitantes se comparado aos 0.63 do Brasil), (Brasil, 2010) e uma implantação de atenção primária de longa data (Figueiredo & Onocko Campos, 2008). Nela, foram avaliados os modelos assistenciais, de gestão e de formação dos trabalhadores, analisando, ainda, os efeitos da institucionalização dos princípios norteadores da Reforma Psiquiátrica em CAPS III (Furtado & Onocko Campos, 2005). Essa pesquisa, de caráter qualitativo, participativo e construtivista produziu uma série de resultados importantes (Onocko Campos et al., 2009). No discurso dos usuários transparece a solidão e a falta de amparo quando um serviço não tem leitos para exercer a integralidade do cuidado. Afirmam também que um efeito positivo do serviço ter a capacidade de hospitalidade noturna é o aprofundamento do vínculo e o aumento do grau de confiança dos familiares e usuários na equipe. Isto possibilita que casos em que existam crises e episódios de intenso sofrimento psíquico possam ser cuidados por aqueles que já conhecem a sua história e suas famílias. O fato dos CAPS III estarem inseridos no território e implicados com a rede que os cerca, com relacionamentos mais personalizados e próximos com os aparelhos de saúde do entorno, garante melhor articulação de um projeto terapêutico que envolva outras áreas. Ademais, o fato de conhecer o contexto e equipamentos comunitários daquela região permite que o olhar para doença não seja deslocado do contexto em que o usuário vive. Outro achado da Pesquisa Avaliativa de CAPS III em Campinas foi o reconhecimento nos CAPS III de duas populações com problemas de desassistência: os pacientes com co-morbidade pelo uso de substancias psicoativas e de uma população com deficiência intelectual inserida a partir de comorbidades psiquiátricas e/ou da profunda falta de outras ofertas mais adequadas. Apesar da especificidade clínica da deficiência mental, que exige um investimento terapêutico para além da saúde mental, como por exemplo, educacional e familiar, os CAPS III tanto do ponto de vista legal como organizacional não foram estruturados para esta demanda. A situação de não estar no campo das doenças possibilitou aos portadores de deficiência mental, por um lado, se beneficiar do estabelecimento de uma política pública de educação – inicialmente “especial” e mais recentemente “inclusiva” e, por outro lado, permanecer à margem de políticas públicas de saúde específicas, gerando a falsa impressão de um campo de saúde “inclusivo”, onde na verdade observamos formas veladas de negligência e da cobertura quase que total das ofertas de serviços de reabilitação sendo feita por entidades filantrópicas e ONGs. Todavia, a expansão da rede de CAPS, carro chefe da mudança de paradigma da política de saúde mental, recebe o mandato, na prática, de articular todas as demandas no campo da saúde mental, estejam preparados para elas ou não. Pressupondo que os municípios que investiram na implantação de CAPS III são mais sensíveis às questões da saúde mental, procuramos mapear a partir deles as entidades que atendem à deficiência mental. A Pesquisa Avaliativa de CAPS III em Campinas (Onocko Campos et al., 2009), produziu também o que poderíamos chamar de um “guia de boas práticas” Entretanto, o leque de indicadores e analisadores elaborados neste guia precisava ser validado e testado em outras conjunturas (cidades de menor porte, cidades com redes de saúde menos complexas, com menor implantação de CAPS, etc.) a fim de aprimorar um sistema de avaliação e monitoramento da rede de atenção, o que permitiria manter viva a experiência avaliativa. O guia de boas práticas do qual partimos está dividido em seis temas, que foram extraídos das principais problemáticas que envolvem a missão e ação dos CAPS III: A gestão, os projetos terapêuticos individuais, as práticas grupais, a formação dos trabalhadores, a Concepção de CAPS e a atenção à crise. Questões tais como a qualificação de pessoal, o uso da internação como instrumento terapêutico, o uso de psicofármacos em CAPS III, e a participação dos usuários no tratamento apontam-se como críticos para serem aprofundadas numa retomada do “Guia de boas práticas”, conforme apontados por trabalhadores, gestores e pesquisadores no decorrer da presente pesquisa. Desta forma, o instrumento avaliativo citado, uma vez validado e acrescido de outros indicadores e estratégias avaliativas definidas a partir das especificidades de cada um dos CAPS envolvidos na pesquisa, certamente pode permitir a implantação simultânea de uma sistemática de acompanhamento e avaliação do conjunto de CAPS de maior complexidade do Estado de São Paulo. Construímos um instrumento útil à contínua qualificação das ações desenvolvidas pelos atores envolvidos na condução de cada CAPS em seus cotidianos, imprimindo maior transparência social desses serviços públicos, além de qualificar a interlocução e o debate entre atores locais e gestores estaduais e municipais do SUS. A Reforma Psiquiátrica em seus princípios norteadores propôs uma ampliação do campo da clínica, que qualifica a atenção como psicossocial, fazendo com que se redefina o sentido de saúde nesta fronteira entre o individual e o coletivo. A marca, portanto, da mudança proposta pelo movimento da Reforma é afirmar-se como experiência-limite entre o psíquico e o social, entre o que diz respeito a uma interioridade e às formas de organização da cidade, entre a clínica e a política (Passos & Benevides 2001). Para que o CAPS possa efetivamente ser um serviço substitutivo ao asilo, a mudança do modelo de atenção deve se dar de maneira indissociável do modo como se gere os processos de trabalho nos serviços. O movimento da Reforma indica, assim, a inseparabilidade entre atenção e gestão (Onocko Campos, 2001), o que equivale afirmar a indissociabilidade entre clínica e política. Dentre as recomendações recentes da WHO/OMS, ressalta-se: - Integrar a investigação em saúde mental com as pesquisas em sistemas de saúde. - Pôr em prática prioridades de pesquisa em saúde mental graças a um processo transparente, participativo e científico. - Reforçar a capacitação em pesquisa em saúde mental, especialmente, através de treinamento em pesquisa e incentivos para profissionais de saúde mental. - Desenvolver redes entre pesquisadores e instituições. Os pesquisadores e os profissionais envolvidos em tomadas de decisão e práticas de política devem estabelecer um maior intercâmbio através de redes de pesquisa. (Sharan et al., 2007). Podemos afirmar que esta pesquisa, tal como foi desenhada e desenvolvida, levou em conta as recomendações apresentadas acima.
Na cidade de Campinas, reuniam-se representantes dos CAPS III da própria cidade, de Ribeirão Preto, Santa Rita do Passa Quatro, Bebedouro, Barretos, Casa Branca, Jundiaí e Rio Claro; e na cidade de Santos reuniam-se representantes dos serviços da própria cidade, além de São Vicente, São Paulo, Diadema, Guarulhos, Santo André e São Bernardo do Campo.
Objetivo Geral:
Desenvolver, implantar e acompanhar um sistema de avaliação nos CAPS III no Estado de SP que não seja excludente para a deficiência intelectual.
Objetivo Específicos:
- Elaborar, em conjunto com os atores envolvidos, estratégias de avaliação alinhadas às necessidades de informação e adequadas ao contexto de cada um dos CAPS III inseridos na pesquisa;
- Validar nesses CAPS o leque de indicadores, dispositivos e analisadores desenvolvidos em pesquisa avaliativa realizada anteriormente, subsidiando os produtos originados a partir da ação descrita no tópico anterior;
- Promover o desenvolvimento de trabalhadores, gestores de CAPS III e coordenadores de saúde mental dos respectivos municípios na temática da avaliação de programas e serviços;
- Constituir massa crítica em cada um dos CAPS participantes, para a elaboração, implantação e acompanhamento de um sistema de avaliação e monitoramento desses serviços.
- Iniciar uma aproximação da temática da deficiência mental realizando um estudo exploratório e descritivo sobre as entidades que atendem à população com deficiência intelectual nos municípios com CAPS III.
Metodologia Paradigma Construtivista e Interpretativo. O reconhecimento da complexidade, coerência e articulação interna entre os componentes dos paradigmas quantitativo e qualitativo não significa considerá-los incompatíveis de maneira absoluta. Trabalhamos com um modo de conceber a realidade, a relação sujeito-objeto e a própria finalidade da ciência mais próximo da abordagem qualitativa. Considerando-se que é justamente nas ideias de transformação e mudança que reside a força de um referencial predominantemente construtivista ou interpretativo (Denzil & Lincoln, 2000) optamos pelo desenvolvimento da pesquisa no interior deste paradigma. Pesquisa avaliativa qualitativa e participativa Uma abordagem centrada nos diversos atores envolvidos no processo, que desde sua concepção considere os diferentes valores e pontos de vistas envolvidos (Guba & Lincoln, 1989), que apresente uma real preocupação com a utilização dos resultados e que se utilize de métodos voltados para o estudo do fenômeno “in situ” nos parece mais apropriada para a superação da avaliação clássica, via de regra centrada no avaliador, nos resultados e suas expressões numéricas. Pensamos que o esforço de acompanhamento, avaliação e transparência permite estabelecer mais interlocução interna (intraequipe) e externa (sistêmica) possibilitando a interlocução com e entre os vários níveis de gestão do SUS (intramunicipal, estadual e nacional), o estabelecimento de parâmetros mínimos de funcionamento entre serviços de mesma natureza, aumento da transparência e qualificação da prestação de contas à sociedade que financia e legitima essas iniciativas.
As Oficinas de Construção de Consenso foram apontados como espaços participativos que buscam, através das diferentes perspectivas dos atores envolvidos, legitimar e consensuar problemas em um espaço colegiado onde os experts são aqueles envolvidos e situados nos lócus de atuação. Aproximação do campo: contato e motivação das Secretarias Municipais de Saúde e dos serviços alvo. A aproximação com o campo se iniciou a partir de contato com a Secretaria Estadual de Saúde (SES) de São Paulo através da Coordenação de Saúde Mental, que viabilizou a apresentação do projeto junto ao GTAE (Grupo Técnico de Ações Estratégicas). A SES disponibilizou cadastro das Unidades cadastradas como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do chamado tipo III (que funcionam 24h/dia e possuem especial preparo para situações de crise de seus usuários) além dos Articuladores de Saúde Mental dos Departamentos Regionais de Saúde (DRS) da SES-SP. Após mapeamento dos serviços, foram contatados os Articuladores das DRS que tinham CAPS III em sua região administrativa, que foram convidados a participar da pesquisa e contribuir na articulação com os CAPS de gestão estadual. Foram utilizadas cartas, contatos telefônicos e pessoais para a apresentação da proposta de pesquisa e do curso de extensão nela contido, para coordenadores e fóruns colegiados de gestão em saúde mental nas cidades de Campinas, na capital do Estado, em Diadema, Guarulhos, Santo André, São Bernardo do Campo, Santos e São Vicente. Todos os coordenadores locais dos CAPS III foram acionados e também a eles apresentou-se formalmente o referido projeto. Em todos estes espaços ressaltou-se a importância da construção coletiva de indicadores de avaliação em Saúde Mental, e da expressividade do campo em questão, sendo São Paulo o estado com maior numero de CAPS III do Brasil. Explicitou-se a proposição de um processo de qualificação que pudesse favorecer a dimensão da participação na pesquisa através de um curso de extensão para trabalhadores e gestores durante o ano de 2011, para o qual foram disponibilizadas duas vagas por serviço, a serem preenchidas por um trabalhador e o gestor local e, conforme solicitação, estendidas às coordenações municipais e apoiadores regionais de saúde mental do estado.
O Curso como Formação e Extensão Uma vez esclarecidos e detalhados os propósitos de criação de instrumental para avaliação e monitoramento dos CAPS III, bem como discorrida a estratégia participativa e interativa para a elaboração do mesmo a se concretizar no curso de extensão sobre avaliação de serviços de saúde mental, firmou-se acordo, junto a esses coordenadores, para a realização de processo seletivo compartilhado dos futuros alunos do curso de extensão. Desse modo, ficou estabelecido que os referidos municípios indicariam três candidatos de cada CAPS para uma vaga, considerando que necessariamente a segunda das duas vagas existentes seria reservada para os coordenadores dos CAPS III participantes ou representantes da gestão local (apoiador de saúde mental da unidade, representante da gestão municipal), e os pesquisadores fariam a seleção entre os indicados pelos serviços. Como a pesquisa partiu de indicadores, analisadores e dispositivos de avaliação construídos em pesquisa anterior, este material foi tomado como organizador do planejamento do curso por seus eixos temáticos (Concepção de CAPS, Gestão, Atenção à Crise, Formação de Profissionais, Práticas Grupais e Projeto Terapêutico Individual), acrescidos de outros temas que se apontaram críticos e pouco aprofundados naquele momento (Trabalho no Território, Deficiência Intelectual, Utilização de psicofármacos e estratégia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM), Residências Terapêuticas, Reabilitação Psicossocial/Recovery). Assim, ao longo do curso, o tema da avaliação foi tomado de forma direta em alguns momentos e de forma transversal, perpassando os eixos elencados a compor a programação. Durante a manhã eram realizadas aulas expositivas com professores especialistas no assunto referido. Pela tarde o grupo era dividido em Grupos de Apreciação Partilhada, GAP, para discutir indicadores e propondo novos e legitimando outros já existentes, pactuados em pesquisa anterior. Com anterioridade às aulas e aos GAPs, eram realizados, pelos participantes, imersões nos serviços para práticas avaliativas interventivas que chamamos de “atividades de dispersão”. Elas consistiam em busca de informações e dados a respeito do assunto a ser discutido em encontro próximo. Buscava-se com isso produzir efeito intervenção no cotidiano dos serviços e qualificar a discussão dos GAPs, com informações consistentes sobre a heterogênea realidade dos serviços. Além da atividade supracitada e das aulas expositivas os participantes tinham leituras obrigatórias sobre os temas discutidos. Eram solicitadas resenhas críticas sobre a leitura e pactuado como tarefa obrigatória do curso. O acompanhamento das resenhas era realizado pelos coordenadores dos GAPs. As tarefas e arranjos aconteciam concomitantemente em Santos e Campinas conforme detalharemos a seguir. Grupos de Apreciação Partilhada (GAP) Os GAPs foram estratégias utilizadas como forma de “amarração” entre diferentes tarefas destinadas à construção de indicadores. Os alunos tinham acesso às orientações sobre que tarefa desenvolver, à bibliografia recomendada e à programação do curso, no site criado especialmente com este fim. No período da tarde, o resultado das atividades de dispersão era apresentado e discutido no GAP, juntamente com os conteúdos trabalhados pela manhã.
Os GAPs eram operados de maneira que cada participante pudesse compartilhar como tinha se dado a realização da tarefa prevista e os resultados que havia encontrado, assim como, articular, às vezes com ajuda do condutor, outras espontaneamente, com o tema do texto previamente lido e da aula/discussão teórica promovida naquele dia. As tarefas e leituras realizadas, acrescidas das novas questões trazidas pelo convidado durante a aula e pelos próprios alunos do curso suscitavam perguntas e estimulavam os alunos do curso de extensão a tentarem traduzir em perguntas avaliativas e, sobretudo, indicadores, questões, concepções e preocupações que emergiam de cada uma das temáticas abordadas. Com exceção do primeiro encontro, cujo período da tarde foi destinado à abertura oficial dos trabalhos, todos os demais doze encontros contaram com a realização dos GAPs no período da tarde. Para garantir a diversidade de olhares e respeitar a complexidade na construção de indicadores que pudessem considerar as idiossincrasias de cada unidade (território, clientela, gestão, etc..) e aspectos comuns à modalidade do equipamento (CAPS III), optamos pela divisão dos participantes em 3 GAPs em cada campo. Cada um destes GAPs contou com a participação de cerca de 10 pessoas, além do facilitador e do anotador. Optamos pela composição mista: gestores e trabalhadores se mesclavam na composição de cada grupo. Atentamo-nos ao fato de não deixar gestores e trabalhadores da mesma unidade no mesmo GAP, como forma de garantir a livre circulação da palavra, diminuindo riscos de “silenciamento” ou medo de represálias a criticas. Também foi garantida a composição eclética em relação às diferentes cidades e realidades de cada unidade: cada GAP era composto por CAPS regional e local, de cidades maiores e com reconhecida história (como Campinas ou Santos) a cidades nas quais a unidade é recente ou integrante de uma rede substitutiva menos complexa. Toda a discussão era digitalizada pelo relator em arquivo online e projetado simultaneamente em local visível a todos participantes, os quais tinham liberdade para solicitar alterações em trechos da escrita que não lhe parecessem fidedignos às suas colocações. Esse material assim validado era processado pelos pesquisadores no intervalo entre os encontros, a partir de uma grade comum para todos os grupos (Campinas e Santos) constando: consensos, dissensos e/ou proposições que apontassem critérios, dimensões ou pistas voltadas para a construção de indicadores, por tema.
Este material era apresentado ao grupo, no início do encontro seguinte, para sua validação. Também os pesquisadores condutores dos GAPs organizaram um modo complementar de registro por meio de narrativas construídas, incluindo contribuições dos relatores, acerca das impressões, sensações e insights provocados/produzidos em cada GAP. Identificação da Rede de Atenção à Deficiência Intelectual Nesta parte do estudo, aproveitamos o grupo de gestores e trabalhadores que participaram dos encontros presenciais para discutirem a demanda relacionada à deficiência mental em seus serviços. Uma aula específica tratou desta temática e a partir deste encontro uma das tarefas de dispersão foi dimensionar (quantificar) a demanda de deficiência mental que chega no CAPS III – Incluindo todos os casos de deficiência intelectual que chegam aos CAPS III, monitorados a partir da porta de entrada. Foram consideradas as entradas com os CIDs (Código Internacional de Doenças) primário e/ou secundário relacionados ao grupamento F70 à F79. Desta maneira, podemos conhecer quantos casos relacionados a este problema são triados, quantos destes são inseridos nos CAPS e em que consiste o projeto terapêutico dos mesmos. Além disso, podemos conhecer os encaminhamentos dados aos outros casos identificados como deficientes mentais, não inseridos e que rede de cuidados é acionada para eles. Questionário: descrevendo os CAPS III do estado de São Paulo Nesse sentido, a adaptação e aplicação de um questionário utilizado anteriormente em pesquisa avaliativa de Caps III, junto a cada serviço investigado, aplicado num primeiro momento no núcleo de Santos, foi especialmente importante. Por meio de suas dezenas de questões (Anexo V), o referido questionário permitiu evidenciar questões de ordem estrutural, processual e de resultados dos serviços nos quais foram aplicados. Dali emergiram também vazios e não saberes que, igualmente, representaram informações valiosas sobre lacunas constantes nos serviços cuja incerteza clama por superação. O questionário foi inicialmente analisado por todos os alunos em detalhes. Somente após sua revisão coletiva é que passou a ser utilizado como instrumento em campo.
Ao fim do processo curso-pesquisa foram organizados pelos serviços participantes, com apoio da Universidade, encontros formais para monitoramento e criação de um comitê permanente de avaliação de CAPS III no estado de São Paulo. Mesmo ainda incipiente, pudemos notar a importância de manter espaços colegiados para diálogo e construção coletiva de práticas que possam legitimar os serviços no bojo da Reforma Psiquiátrica brasileira. Mais do que uma pesquisa o processo foi uma intervenção, que conseguiu conjugar a tríade acadêmica ensino-pesquisa-extensão. Sem perder seu caráter investigativo, mas apostando em metodologia que incluiu os diversos atores envolvidos na construção das políticas publicas de saúde mental, o processo trouxe a tona a capacidade crítica de trabalhadores e gestores na proposição de elementos que auxiliem no cotidiano dos serviços e no manejo com os usuários. Podemos afirmar, ao fim do processo, que os objetivos almejados foram alcançados. Os participantes que representaram estado, municípios e serviços tiveram um espaço de formação que, certamente, impactou no seu cotidiano conforme trazido pelos próprios no seminário final, que concluiu a pesquisa.
Além do certificado de treinamento em serviço foi criado um comitê de avaliação que pretende se encontrar periodicamente para avaliação sistemática dos Caps III do estado de SP. A pesquisa induziu este movimento e a Universidade, assumindo seu caráter participativo, apoiará este coletivo. No que tange a Deficiência Intelectual a pesquisa possibilitou trazer para agenda dos serviços esta discussão que muitas vezes ficam a margem não só das práticas, mas das formulações das políticas públicas. Com o movimento de intervenção que a pesquisa se propôs a realizar, os Caps puderam entrar em contato com esta população e buscar alternativas no território, mapeando instituições e repensando a clínica. Espera-se que com este movimento possa-se ampliar a rede de atenção à população com Deficiência Intelectual. Todo processo descrito culminou em um produto inovador e que esperamos útil aos serviços. Por estar inserido em uma metodologia que coloca os atores (trabalhadores e gestores) como experts reconhecidos nos assuntos que tangem a atenção à saúde mental e construção da clínica para Caps III, o leque de indicadores pode se tornar legítimo e fidedigno, pois conflui com os interesses e desejos daqueles que estão cotidianamente em contato com o usuário. Além de todo processo participativo, a pesquisa nos trouxe importantes elementos para pensar a inserção deste tipo de serviço no cenário nacional. Trabalhamos com uma amostra significativa (42%) dos Caps tipo III do Brasil. Sendo ele um serviço estratégico para inversão do modelo calcado no asilamento e na intervenção hospitalocêntrica, a formulação de indicadores avaliativos poderá contribuir para sua consolidação e qualificação de suas práticas. Além disso, pudemos trazer uma fotografia de como ele está estruturado no estado, apontando fortalezas e fragilidades a serem melhoradas, podendo auxiliar gestores e trabalhadores nesta construção. Vale ressaltar que o processo parece ter possibilitado deflagrar diferentes modos de operar clinicamente e de se fazer gestão. A possibilidade de aprender ativamente, com a prática e o saber alheio, só se tornou possível em espaço democrático e de relações horizontais.
REFERÊNCIAS
- Onocko Campos, R. ; FURTADO, J. P. ; TRAPE, T. ; EMERICH, B. F. ; SURJUS, L. T. L. E. S. . Indicadores para avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial tipo III: resultados de um desenho participativo. Saúde em Debate, v. 41, p. 71-83, 2017
- FURTADO, J. P. ; ONOCKO CAMPOS, R. ; TRAPE, T. ; EMERICH, B. F. ; SURJUS, L. T. L. E. S. . Construção de Indicadores para a Avaliação de CAPS. In: Oswaldo Yoshimi Tanaka, Edith Lauridsen Ribeiro, Cristiane Andrea Locatelli de Almeida. (Org.). AVALIAÇÃO EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES PARA INCORPORAÇÃO NO COTIDIANO. 1ed.Rio de Janeiro: Atheneu, 2017.
- Surjus, Luciana Togni de Lima e Silva; ONOCKO-CAMPOS, R. T. . Indicadores de avaliação da inserção de pessoas com deficiência intelectual na Rede de Atenção Psicossocial. Saúde em Debate, v. 41, p. 60-70, 2017.