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Os Grupos de Autocuidado (GACs), são vinculados geralmente às unidades de atenção primária e constituídos por pessoas acometidas pela hanseníase e profissionais apoiadores. São espaços propícios ao diálogo e à escuta; estimulam a promoção do autocuidado apoiado. Contribuem para o acolhimento, favorecendo a redução de estigma, trazendo maior bem-estar mental entre pessoas acometidas pela doença. Sentimos grande satisfação ao perceber que os GACs são disparadores de transformações sociais. Apesar dos resultados positivos, a sustentabilidade é um grande desafio, considerando sobretudo o nível de prioridade política e o excesso de atividades que os profissionais apoiadores têm que executar além do GAC.
Em cada atividade coletiva que vivenciamos nos GACs são compartilhadas histórias de vida e superação que são inspiradoras e fazem (res)surgir em nós o desejo de um país sem desigualdades sociais; onde os sistemas de saúde e assistência social estejam fortalecidos; os direitos humanos sejam respeitados; onde pessoas acometidas pela hanseníase e por outras doenças negligenciadas tenham acesso a diagnóstico precoce, tratamento oportuno e o direito a viver sem ser discriminadas. Então persistimos, junto com tantos outros parceiros, em uma busca inquieta pela inclusão social e garantia de direitos, a partir da abertura de espaços dialógicos, inventivos, reflexivos e de corresponsabilização. Seguimos, inspirados por preceitos de compromisso e ética, aprendendo com cada nova história e com o desejo de fortalecer e estimular a formação de novos grupos, inclusive para pessoas que apresentam outras doenças tropicais negligenciadas, buscando agregar, a partir dos GACS, outras atividades que venham a promover bem-estar e saúde mental, além de desenvolvimento social e econômico. Como sentimentos para tudo o que foi exposto, rememoramos Paulo Freire: “Num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário”.
A hanseníase compõe um grupo de doenças negligenciadas, associada à pobreza e à vulnerabilidade individual, social e programática (SOUZA et al., 2018). Enxergar a manutenção da sua carga de morbidade no século XXI nos remete a uma reflexão sobre efetividade de políticas públicas em cenários de desigualdade social. Apesar de existir tratamento e cura, a hanseníase é uma doença estigmatizante, que pode ter graves impactos no bem-estar mental e na qualidade de vida e resultar em baixa adesão ao tratamento (VAN BRAKEL; PETERS; SILVA, 2019; SILVA et al., 2012). Soma-se a isso o seu alto poder incapacitante, que acomete nervos e pele, podendo resultar em incapacidades físicas, maiores níveis de sofrimento mental, restrições da participação social e laboral de pessoas acometidas (VAN BRAKEL et al., 2012; VERMA; GAUTAM, 2007). Dados preliminares apontam que o Brasil notificou 23.612 casos de hanseníase em 2019, representando o primeiro país em número de casos das Américas (BRASIL, 2020) e o segundo com mais casos no mundo. Apesar da redução do número de casos nos últimos 20 anos, sobretudo a partir do papel da atenção primária à saúde, alguns dos grandes desafios persistem em função da atenção fragmentada que ainda é predominante. A hanseníase é considerada uma condição crônica, potencialmente estigmatizante, demandando uma abordagem integral e acompanhamento longitudinal, sob a lógica do acolhimento (SOUSA; SILVA; BRASIL-XAVIER, 2018; CAMARGO-BORGES; JAPUR, 2008). Igualmente, as iniquidades favorecem a manutenção do cenário epidemiológico dessa doença, gerando a necessidade de uma abordagem ampliada do conceito de saúde, com intervenção nos determinantes sociais (SILVA-PIRES et al., 2017). Grupos de Autocuidado agregados à política de atenção às pessoas com hanseníase representam, nesse contexto, uma estratégia com olhar integral para essas pessoas e seus familiares, possibilitando espaços de escuta e de troca de experiências e partilha de angústias, indo ao encontro do princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde. Assim, compreendemos que a integralidade é o primeiro passo para que a atenção à saúde se estabeleça como prática social humanizada. Há vários anos, a NHR Brasil acredita nos GACs como uma estratégia a ser priorizada e ampliada e vem mantendo apoio técnico e financeiro a 22 GACs situados no Ceará, Pernambuco e Rondônia. Esses GACs sobrevivem atualmente em diferentes cenários, expressos por indicadores epidemiológicos, sociodemográficos e econômicos distintos. A manutenção, fortalecimento e ampliação dessa estratégia é algo em que acreditamos. Ao longo de anos, temos evidências robustas de como os GACs possibilitam mudanças concretas, não só voltadas ao autocuidado e reabilitação de sequelas físicas, mas na capacidade de estimular o empoderamento e promover o reencontro dessas pessoas afetadas com o bem-estar mental e reconquista de seu espaço no âmbito social e econômico.
Dentro do contexto de vulnerabilidade social, a hanseníase figura como doença tropical negligenciada, muitas vezes associada a diagnóstico tardio devido a falhas operacionais dos serviços, resultando em deficiências físicas. Diante desse cenário e do sofrimento mental relatado por pessoas acometidas, percebeu-se a necessidade de desenvolver estratégias para reduzir incapacidades físicas e psicossociais, visando favorecer a qualidade de vida dessas pessoas. Os grupos de autocuidado representam um espaço de ensino-aprendizagem entre pares, bem como de fortalecimento de vínculo entre profissionais e usuários. O diálogo e escuta qualificada permitem compreender melhor como a pessoa está vivenciando o processo de adoecimento e de que maneira a sua vida foi afetada, justamente nos aspectos outros, individuais e sociais, para além do físico. Assim, os GACs desempenham um papel importante no processo saúde-doença-cuidado, promovendo a participação social e redução do estigma. Eles acontecem em encontros periódicos (mensais, quinzenais), nas unidades de saúde que atendem pessoas acometidas pela hanseníase. Além de todos os aspectos acima descritos, acreditamos no potencial dos GACs em contribuir na agenda política global, estando inserido no Objetivo 3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) 2030, que visa promover o bem-estar e uma vida saudável, com a meta de combater as epidemias de aids, tuberculose, malária e outras doenças transmissíveis, incluindo a hanseníase e outras doenças tropicais negligenciadas. Apoiar iniciativas com esse foco fortalece e reafirma a relevância dessas agendas, permitindo gerar evidências de que intervenções voltadas para o bem-estar mental são necessárias, factíveis e sustentáveis a longo prazo, mediante o envolvimento ativo de diversos atores sociais (pessoas acometidas, comunidades, movimentos sociais, instituições de ensino, gestores, profissionais de saúde, etc.). Nesse contexto, a NHR Brasil iniciou o apoio técnico e financeiro a 27 Grupos de Autocuidado em 2014, objetivando fortalecê-los, além de expandir essa iniciativa, ampliando o número de GACs existentes. Devido ao trabalho desenvolvido, houve um aumento, alcançando 52 grupos em 2019. Atualmente, do total existente, 22 são apoiados diretamente pela organização nos estados do Ceará, Pernambuco e Rondônia.
A NHR Brasil é uma instituição social com escritório nacional em Fortaleza – CE, representando a organização holandesa Netherlands Leprosy Relief (NLR). Atua no Brasil desde a década de 90 desenvolvendo e apoiando projetos com cunho social e de saúde em várias modalidades, com foco na hanseníase e outras doenças negligenciadas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país, onde há maior carga dessas doenças. Lutamos por um mundo livre da hanseníase e outras doenças negligenciadas, da exclusão social e econômica, além das consequências destas doenças, como deficiências, comprometimento da saúde mental e forte estigma social. É um grande desafio e, ao mesmo tempo, um estímulo trabalhar em prol da redução dos impactos biopsicossociais de doenças como a hanseníase, que é historicamente negligenciada e fortemente associada aos determinantes sociais da saúde, requerendo, portanto, uma abordagem interdisciplinar.
A NHR Brasil tem um histórico importante de inciativas realizadas em cooperação com diversos atores sociais: pessoas acometidas pela hanseníase e seus familiares, movimentos sociais, instituições de excelência em ensino e pesquisa, gestores (locais, estaduais e federais), profissionais de saúde, educação e assistência social, lideranças comunitárias. Acreditamos na relevância dessa mobilização para implementação dos GACs de modo participativo e sustentável. Essa rede de parcerias potencializa a inciativa, além de ampliar as possibilidades de que sejam replicadas em outros cenários. Algo de especial interesse, considerando a possibilidade de uma abordagem psicossocial no contexto de uma doença negligenciada e ainda associada ao estigma.
Considerando a visão da instituição - um Brasil livre do sofrimento e exclusão social causados pela hanseníase, deficiências e doenças tropicais negligenciadas -, o público alvo de nossas ações são pessoas acometidas por essas condições e profissionais envolvidos com estratégias para combatê-las. Nos Grupos de Autocuidados, o público-alvo foram as pessoas acometidas pela hanseníase e seus familiares, com apoio dos profissionais envolvidos no tratamento e acompanhamento dessas pessoas. Como principais parceiros envolvidos na implementação dos GACs, podemos citar: Agência Estadual de Vigilância em Saúde – Rondônia; Hospital Santa Marcelina; Universidade de Pernambuco; Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária Dona Libânia; Universidade Federal do Ceará; Universidade Estadual do Ceará; Movimento de Reintegração das Pessoas Acometidas pela Hanseníase – Recife; Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde – Ceará, Pernambuco e Rondônia; pessoas acometidas pela hanseníase e seus familiares, que, por serem o público-alvo da ação, são indispensáveis no direcionamento das atividades dos GACs; e Ministério da Saúde.
Objetivo Geral:
Contribuir para a melhor qualidade de vida de pessoas acometidas pela hanseníase e seus familiares.
Objetivos Específicos:
- Fomentar o autocuidado em pessoas acometidas pela hanseníase, visando a prevenção, redução ou estabilização de sequelas;
- Reduzir estigma e aumentar o bem-estar mental;
- Estimular o empoderamento, para que essas pessoas assumam seu protagonismo nas lutas sociais e busquem as melhorias necessárias para suaqualidade de vida e de seus familiares.
Nos últimos anos, a NHR Brasil tem realizado suas iniciativas com base no modelo teórico proposto pela Teoria da Mudança, possibilitando assim, uma abordagem compreensiva das condições vivenciadas por pessoas acometidas pela hanseníase, necessidades percebidas, reconhecimento de atores envolvidos e mudanças esperadas/desejadas, em estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Nesse sentido, o primeiro passo para implementação do GAC corresponde à análise do contexto: conhecer o território de atuação e os equipamentos sociais nele existentes, atores sociais relevantes, cenário epidemiológico e operacional da hanseníase. Após apresentação da proposta aos atores sociais e análise da sua viabilidade, identifica-se um local para a realização dos encontros e uma pessoa que possa assumir a coordenação do GAC; isso inclui considerar pessoas que tenham perfil para trabalhar na mediação das atividades grupais. Em nossa experiência, os coordenadores têm sido enfermeiros e psicólogos cedidos pelas instituições parceiras, além de pessoas acometidas pela hanseníase que assumem um papel de liderança dentro do grupo.
Os grupos são abertos e utilizam diversos recursos metodológicos: músicas, desenhos, rodas de conversa, oficinas, exposições dialogadas e dinâmicas. A partir da oralidade, diversos temas são abordados. Costumes, crenças e aprendizados também são compartilhados e muitas vezes (res)significados. Outra prática realizada é o autocuidado apoiado (cuidado com face, membros superiores e inferiores), além de atividades lúdicas, psicoeducativas e outras de socialização, a exemplo do festejo de datas comemorativas (Dia das Mães, São João, Natal, e outras). Os encontros são realizados com frequência mensal ou quinzenal e, em sua maioria, acontecem em unidades de saúde ou centros de referência, mediante a maior proximidade desses profissionais no acompanhamento periódico de pessoas acometidas. Para a efetivação das atividades, a maioria dos grupos consegue envolver uma equipe interdisciplinar, contando com apoio de profissionais da Estratégia de Saúde da Família, Instituições de Ensino Superior, Instituições Filantrópicas e lideranças de movimentos sociais que apoiam na execução das ações previstas para o ano. A definição das ações ocorre de forma participativa, incluindo reuniões com as pessoas acometidas pela hanseníase a fim de direcionar as atividades mediante a necessidade percebida pelos participantes do GAC. Igualmente, o processo avaliativo proposto para essa estratégia tem sido participativo e se constitui como prática pedagógica, capaz de ampliar as percepções de toda a equipe técnica da NHR Brasil, dos coordenadores e apoiadores sobre a complexidade dos diferentes cenários. Entre as temáticas abordadas, encontram-se: informações sobre a hanseníase; autocuidado apoiado; troca de experiências acerca do adoecimento; bem-estar e autoestima; estigma relacionado à hanseníase; orientações nutricionais; direitos sociais e à saúde; exercício do controle social; cursos e workshops também são realizados (a exemplo do curso de inclusão digital e gastronomia realizado nos GACs de Rondônia).
Nesse processo, a NHR Brasil também apoia o fortalecimento técnico dos profissionais para atuarem junto à coordenação dos GACs, a partir de oficinas para discussão de estratégias que possam estimular o empoderamento dos participantes e a prevenção de incapacidades, além de ferramentas que auxiliam a reconhecer as necessidades psicossociais apresentadas pelo grupo. Igualmente, a organização fornece os insumos necessários para o autocuidado apoiado. Assim, compreende-se que os grupos de autocuidado têm um papel relevante na inclusão social de pessoas acometidas pela hanseníase, criando laços de afeto, identidade e sentimento de pertença ao grupo. Além de aprenderem a se cuidar e evitar agravos devido à hanseníase, os relatos dos participantes evidenciam o quanto os encontros contribuem para seu bem-estar mental e auxiliam na compreensão do seu processo de adoecimento. Especificamente em Rondônia, com apoio da gestão estadual, acontece o Encontro Anual dos Grupos de Autocuidado, que conta com troca de experiências entre os GACs de cada município do estado, passeios e atividades culturais. As formas de acesso aos GACs acontecem de diferentes modos: convite, quando passam pela consulta; demanda espontânea, quando escutam falar das atividades do grupo; ou pelo encaminhamento da rede socioassistencial. As atividades são desenvolvidas sem acarretar custo para os participantes e não requerem elevado investimento financeiro, devido às contrapartidas dos atores envolvidos. Nesse momento, trabalhamos para que essa iniciativa seja bem documentada e se torne uma tecnologia leve de uso social, que evidencie ser custo-efetiva em territórios com endemicidade para hanseníase ou outras doenças tropicais negligenciadas.
Resultados quantitativos: Ao todo, a iniciativa já alcançou 3.588 pessoas, entre aquelas acometidas pela hanseníase, familiares e profissionais de saúde. Entre os resultados qualitativos, destacam-se: os participantes dos grupos passaram a executar o autocuidado, reduzindo ou estabilizando suas sequelas; passaram a ter maior interesse e a buscar seus direitos junto aos Conselhos Locais de Saúde; após a inserção nos GACS, relatam um envolvimento mais ativo na comunidade a qual pertencem, melhorando principalmente sua participação no contexto familiar. Igualmente, os grupos se mostraram importantes para a elaboração do processo de adoecimento de alguns participantes, que hoje conseguem falar sobre sua experiência, tornando-se multiplicadores de informações e exemplos de resiliência diante da possibilidade de desmistificarem conhecimentos equivocados sobre a doença. Além disso, reconhecem os GACs como um espaço de escuta, de trocas de experiências, ensino-aprendizagem e de motivação, despertando um sentimento de pertença e acolhimento. Tal fato potencializa esse coletivo para a busca de melhorias em sua qualidade de vida. Assim, salienta-se a potência dos GACs para o estímulo ao empoderamento individual dessas pessoas, possibilitando ampliar suas habilidades e confiança em gerenciar suas condições de saúde, além de desmistificar entre elas a importância acerca do acompanhamento psicológico e/ou psiquiátricos, quando necessários, visto que outras demandas de saúde mental foram identificadas (para além daquelas relacionadas à hanseníase).
Ressalta-se que em Rondônia, local onde se iniciou a estratégia, a coesão entre os participantes dos GACs e o seu fortalecimento desdobrou na realização de oficinas de reabilitação socioeconômica, abrindo possibilidades de geração de renda.
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