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O Grupo Giramundo surgiu diante da necessidade do território de uma UBS, na região norte de São Paulo, de tratar as queixas de comportamento e de aprendizagem das crianças em idade escolar.
O desafio deste trabalho consistiu em sensibilizar os profissionais da ESF, as escolas e as famílias, de que as queixas projetadas nas crianças não diziam respeito somente a um possível diagnóstico, mas, principalmente, a um jeito da criança responder a uma dinâmica familiar que não estava saudável.
Promover o encontro entre responsáveis e crianças, bem como a troca de afetos entre eles foi indescritível! As famílias que se beneficiaram do espaço, acabavam manifestando o interesse em trazer outros filhos e/ou membros da família para participar.
Por ser um grupo grande, envolveu muitos profissionais de diferentes categorias como, por exemplo, Psicóloga, Fonoaudióloga, Nutricionista, Assistente Social, Fisioterapeuta e Agentes Comunitários de Saúde. A troca de saberes em prol da melhora na qualidade de vida daquelas famílias também foi uma experiência transformadora, do ponto de vista humano e profissional, que nos fez acreditar na potência do trabalho em equipe, apesar das tensões e conflitos inerentes ao processo.
As famílias inseridas no grupo se viam perdidas na função de educar, pois, muitas vezes, sofreram falhas graves no seu processo educacional e, portanto, apresentavam as mesmas dificuldades que os filhos. Fatores como a violência, a reclusão de um dos responsáveis, transtornos mentais, gravidez precoce, condições precárias de alimentação e moradia, baixa escolaridade e renda são questões que atravessavam o contexto psicossocial dos participantes do grupo e, consequentemente, acarretam na baixa responsabilização da família no cuidado das crianças.
O grupo foi idealizado pela equipe do Nasf Parque Maria Domitila, região norte de São Paulo, a partir da tarefa de matriciar as equipes de ESF no acompanhamento de crianças com dificuldades em seguir regras e limites e/ou na aprendizagem.
Trata-se de um território heterogêneo, do ponto de vista socioeconômico, e embora a região disponha de equipamentos de lazer e cultura como, por exemplo, clube, escola e biblioteca, os participantes que chegavam ao grupo não usufruíam desses espaços, apontando para a pobreza do repertório familiar nesses aspectos.
Frente a esse cenário, as escolas da região faziam os encaminhamentos para a UBS, solicitando possíveis laudos que justificassem o mau comportamento e o baixo rendimento escolar das crianças. Solicitava-se aos "especialistas" que atestassem algo ou que fornecesse orientações em como lidar com determinada criança.
Observou-se que não seria efetivo intervir somente na criança e, por isso, criou-se um modelo grupal que também abarcasse a família, no intuito de propiciar aos responsáveis um espaço de cuidado e de orientação, simultaneamente.
O grupo tem como público-alvo crianças de 6 a 10 anos, acompanhada por, ao menos, um dos seus responsáveis, que tenham queixas relacionadas às dificuldades escolares (comportamento ou aprendizagem).
Para viabilizar a proposta, a UBS contou com parcerias importantes: num primeiro momento, utilizou-se o espaço físico da Associação dos Moradores do bairro e, noutro momento, o espaço da Biblioteca Municipal Brito Broca. A mudança do local, além de ter facilitado o acesso à maior parte das 8 micro áreas de abrangência, proporcionou o contato direto do público-alvo com a leitura e com as atividades culturais que ocorriam ali.
A parceria com as escolas da região também foram de suma importância para a qualificação dos encaminhamentos, em especial, a EMEI Afonso Sardinha.
A UBS Pq. Maria Domitila está sob gestão da OSS SPDM/PAIS, prefeitura do município de São Paulo.
- Proporcionar espaço de escuta para as crianças e suas famílias;
- Acolher angústias dos responsáveis e propiciar a troca de experiências entre as famílias;
- Realizar Psicoeducação sobre alimentação saudável, sobre direitos e deveres, sobre cultura e lazer, sobre atividade física e esporte, enfim, sobre temas em Promoção de Saúde;
- Promover a interação e a troca de afetos, entre adultos e crianças, de modo a facilitar a comunicação não violenta e o diálogo.
- Por fim, pretende-se produzir como efeito da participação no grupo, a melhora no desempenho escolar e no desenvolvimento integral das crianças envolvidas.
Interdisciplinar, participam do grupo Psicóloga, Fonoaudióloga, Nutricionista, Assistente Social da equipe NASF e Agente Comunitária da ESF. O grupo também recebeu a participação pontual da Fisioterapeuta.
No primeiro ano do grupo, a frequência era quinzenal; no ano seguinte passou a ser semanal, utilizando-se o último encontro do mês para o planejamento do mês seguinte.
Assim, não há atendimento na última semana do mês, mas utiliza-se o espaço da agenda para planejar as atividades, a partir do perfil do grupo naquele momento. Além disso, discute-se os casos, planeja-se a entrada de novos participantes e os atendimentos, em consulta, complementares ao grupo.
Embora seja um grupo aberto, por permitir a entrada de novos participantes ao longo do tempo, verificou-se a relevância de entrevistas prévias com a família e de uma compreensão dinâmica sobre cada caso, que leve em conta a história de vida da criança e o histórico familiar, os valores familiares e o contexto psicossocial que estão inseridos.
A depender das demandas, traçava-se a proposta de cada encontro que poderia ser roda de conversa, brincadeiras, jogos, contação de histórias, atividades gráficas, exibição e discussão sobre filmes. A ideia é que os responsáveis sejam inseridos nas brincadeiras de modo a interagir com a criança naquele momento. O exemplo de uma brincadeira que gera aproximação e fortalece o vínculo afetivo é um tipo de cobra cega, em que as crianças, com os olhos vendados, precisam identificar quem é a sua mãe (ou avó, ou tia, ou pai) entre as demais, por meio do toque.
Há outros momentos, que os adultos e as crianças são separados em salas diferentes, para que os responsáveis conversem sobre assuntos que seriam inadequados às crianças, trazendo também às famílias a noção de que as crianças precisam ser preservadas de certos conteúdos. Um exemplo de encontro como esse é quando se apresenta aos pais os principais eixos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em paralelo, realiza-se atividade com as crianças que propicie a construção, de forma lúdica, do que são os direitos e os deveres de uma criança. Ou seja, trabalha-se um mesmo objetivo com metodologias diferentes, para o público adulto e infantil.
Assim, as profissionais se subdividem quando o encontro entre adultos e crianças são separados e se unem quando acontece juntos.
Dessa maneira, tenta-se estabelecer uma continuidade entre um encontro e o outro e que os objetivos possam sendo revistos ao longo do processo, a partir das demandas que emergem durante os encontros.
A experiência mostrou que, abrir espaço de escuta, acolhimento e cuidado aos pais, estimula a responsabilização da família frente às queixas e ao cuidado dos filhos. Inicialmente, os pais se mostram defendidos, com o temor de serem julgados, mas ao vivenciarem a proposta do grupo, sentem-se confortáveis a compartilhar elementos da sua história que, não raro, jamais falaram a respeito.
Assim, os responsáveis compartilham as suas angústias, as expectativas e se identificam com os outros participantes. Muitas vezes, chegam em busca de um diagnóstico e essa demanda pode ser problematizada no grupo, ao convidá-los a resgatar as suas próprias lembranças de quando eram crianças.
O grupo, como um dos poucos espaços em que acontece a interação entre pais e filhos de forma não culpabilizadora, o efeito que se produz é a abertura para um espaço de diálogo e reflexão entre a família.
As crianças, por sua vez, expressam suas dificuldades e potências, que são pontuadas e reforçadas durante o processo. Geralmente, elas apresentam mudanças positivas num curto intervalo de tempo, ao mesmo tempo em que regridem rapidamente quando os pais interrompem o processo, pois com a melhora da criança, alguns deixam de ser cobrados pela escola e, assim, deduzem por conta própria que não precisam mais frequentar o grupo. Por outro lado, há famílias que demonstram o desejo de permanecer no grupo, mesmo quando a criança se encontra melhor e se desenvolvendo.
Dessa maneira, os efeitos positivos são alcançados pelas famílias que conseguem se implicar à proposta do grupo e trabalha-se com a sensibilização de todos os atores envolvidos (família, escola, ESF, NASF, CAPS Infantojuvenil) para se alcançar a adesão.
Alguns casos apresentam maior complexidade e remetem a transtornos mentais severos na família, violência ou vulnerabilidade social que dificultam a adesão. Frente a demandas como essas, articula-se a participação de outros serviços de saúde ou da assistência social. Os casos são discutidos em reuniões periódicas com a ESF e com a escola, para elaboração do Projeto Terapêutico Singular.
O Grupo Giramundo se tornou referência para a unidade e para o território no acompanhamento das crianças em idade escolar, com as mais variadas queixas ligadas ao comportamento e à aprendizagem, principalmente, por proporcionar a interação entre pais e filhos, por acolher o sofrimento da família que repercute na criança e oferecer espaço de cuidado para todos os envolvidos.