Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

A experiência do curso Ficha Única de notificação compulsória de violências e maus tratos no enfrentamento da violência contra a mulher

O curso tem contribuído para ampliar a sensibilização dos profissionais de saúde para o preenchimento da ficha de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada (Versão 5.1 - MS/SINAN), em todos os atendimentos ambulatoriais e de internação quando ocorrer suspeitas ou confirmações de violências contra as mulheres. Dessa forma, será possível a elaboração de diagnósticos situacionais por território, que embasem a elaboração e implementação de políticas públicas de prevenção e assistência às mulheres.
Rio de Janeiro - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Marisa Chaves de Souza
marisachaves.socialrj@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida (NEPP-DH/CFCH/UFRJ
Resumo afetivo: 

O curso de extensão universitária teve início em 2016 e já realizou 5 edições até 2019. A metodologia prevê a modalidade EaD (120 horas), sendo 108 horas/aulas à distância e 12 horas/aulas presenciais, totalizando 354 inscritos e 147 concluintes. A equipe técnica é composta por 01 coordenadora, 02 tutoras com expertise no tema e 02 alunas extensionistas do Curso de Graduação em Saúde Coletiva da UFRJ. A proposta do curso se deu pelo fato da equipe técnica do Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida, responsável pelo atendimento psicossocial das mulheres em situação de violência, englobando as que integram a comunidade acadêmica como àquelas residentes nos diversos municípios do estado do Rio de Janeiro, ter constatado que os dados estatísticos da violência contra a mulher não retratam a magnitude do problema no Brasil. A reduzida notificação da violência por parte dos profissionais que realizam atendimentos às mulheres dificulta o investimento em políticas públicas de prevenção e assistência às vítimas, ocasionando baixa cobertura especializada às mulheres. As ocorrências policiais realizadas em sede policial não nos permite conhecer o tamanho da violência e tampouco as rotas e percursos escolhidos pelas vítimas quando estão em situação de risco e com agravos psíquicos e físicos de difícil superação. Nesta direção, o curso se propõe a sensibilizar os profissionais para que assumam o dever da proteção quando estão diante de casos suspeitos ou confirmados, contribuindo, assim, para refletir sobre a prática empreendida nos diversos serviços de atendimento à população feminina. Dentre os resultados atingidos destaca-se a iniciativa de vários profissionais treinados que, ao terminarem o curso, replicaram os ensinamentos compartilhados com os demais colegas lotados nas instituições em que trabalham; melhorando significativamente "a intervenção profissional", em especial, quando se deparam com casos de violência contra as mulheres. Dentre os desdobramentos ocorreram seminários, rodas de conversa e cursos, com carga horária reduzida, sobre a importância do preenchimento da ficha única de notificação compulsória para proteção às mulheres em várias unidades de saúde do estado do Rio de Janeiro. Quanto aos desafios podemos destacar a dificuldade de adesão de muitos profissionais inscritos no curso sob alegação de possuírem pouco ou nenhuma habilidade em conhecimentos de informática e acesso à plataforma moodle. Observamos, ainda, que a presença dos profissionais nas aulas presenciais foi superior à participação na plataforma moodle; o que sugere baixa inclusão digital dos alunos. No entanto, os concluintes (42% dos inscritos) demonstraram motivação, interesse e aprimoramento teórico sobre o enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil. Essa experiência tem sido motivadora para a equipe executora, pois tem permitido o compartilhamento de experiências e dificuldades encontradas na rede SUS para enfrentar esta grave questão que atinge toda a sociedade. Desde então, estudos têm sido feitos e uma pesquisa começa a ser gestada visando analisar os impactos dessa formação na vida profissional dos técnicos de nível superior que se inscreveram e concluíram o curso.

Contexto: 

Trabalho a 30 anos atendendo mulheres em situação de violência e por esta razão venho contribuindo com o processo de elaboração de políticas públicas que promovem a equidade de gênero e a autonomia das mulheres. Tendo como premissa a continuidade deste trabalho encontro-me coordenando o Centro de Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida (Ilha do Fundão) desde março de 2016; ocasião em que o serviço foi inaugurado. O CRM-SSA está vinculado administrativamente ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos que, por conseguinte integra o Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, tendo em seu quadro funcional profissionais de nível superior cuja admissão ocorreu através de concurso público promovido pela UFRJ. Dentre os objetivos do CRM destacam-se o atendimento humanizado e sensível às mulheres e que os direitos individuais e coletivos sejam reafirmados diuturnamente. Nesse contexto, o curso nasce e se amplia para as diversas instituições do Brasil, fomentando a reflexão e o debate de um tema que carece de investimentos públicos que permitam a prevenção e a superação da educação sexista que ainda predomina em dias atuais desde a educação infantil. Cabe destacar que as aulas presenciais deste curso ocorreram dentro de um Centro Referência de Atendimento à Mulher, o que facilita a aproximação dos profissionais/alunos com um serviço de atendimento especializado às mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual. A UFRJ mantém em sua estrutura um Centro de Referência para as Mulheres no Campus da Ilha do Fundão e isso demonstra o compromisso ético-político desta universidade no enfrentamento a todas as formas de violências praticadas contra as mulheres. Ao compararmos este centro com os demais administrados pelas prefeituras cabe enfatizar que este existe no interior de uma universidade pública e que além da extensão universitária, materializada no atendimento psicossocial às mulheres, realizamos ações voltadas para a pesquisa e o ensino. Nesta direção, o curso visa atender a uma demanda de formação de profissionais, de média duração e com certificação reconhecida, na temática do "enfrentamento à violência contra a mulher". Esta experiência tem sido um desafio diário, pois ao mesmo tempo em que "realizamos acolhimento humanizado às mulheres que recorrem ao centro de referência" contribuímos com a formação dos profissionais da saúde e assistência social numa temática que poucas universidades se dedicam enquanto cursos de breve duração ou dentro do contexto dos cursos denominados "lato sensu". Ademais cabe registrar o quanto esta experiência em sido motivadora, pois a troca de olhares e experiências tem propiciado à equipe executora e, simultaneamente aos alunos, a certeza que multo falta ser feito para superarmos o machismo e a misoginia em nossa sociedade. Entendendo a violência contra a mulher como "democrática" na medida em que atinge mulheres de diferentes classes sociais, raças/etnias, credos, gênero, aspectos geracionais e pessoas com deficiências o curso vem atender parcialmente a lacuna de formação que ainda predomina nas diversas instituições distribuídas pelo Brasil.

Motivações: 

A invisibilidade da violência contra a mulher dentro das instituições de saúde e assistência social, gerando, em algumas situações, violências institucionais, foi a motivação para propormos um curso a distância, que fosse interativo, intersetorial e dialógico . A área de abrangência do curso é nacional e a principal inquietação está relacionada ao fato dos profissionais não exercerem como deveriam o dever da proteção determinada pela lei federal nº 10.778/03, ou seja, a notificação compulsória de todos os casos suspeitos ou confirmados de violência contra a mulher. Acreditamos que na medida em que a UFRJ possui um Centro de Referência Especializado de Atendimento à Mulher, acrescido do fato de ser uma instituição de ensino e pesquisa, faz-se necessário contribuir com a formação de diferentes profissionais para melhor atenderem e intervirem em defesa dos direitos humanos das mulheres.

 

Parcerias: 

O CRM-SSA é uma instituição que realiza ações de ensino, pesquisa e extensão vinculada à UFRJ. O curso estabelece parcerias com o Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e com diversos centros de referência para atendimento às mulheres existentes no estado do RJ.

Objetivo: 
  • Instrumentalizar os profissionais de saúde e de outras áreas para reconhecerem casos suspeitos ou confirmados de violência contra a mulher a partir do preenchimento da ficha individual/autoprovocada do SINAN (MS), com vistas a elaborar diagnósticos situacionais que permitam propor políticas públicas intersetoriais destinadas às mulheres em situação de violência;
  • Socializar conhecimentos e experiências com os profissionais lotados nas unidades de saúde e assistência social sobre o marco legal internacional e nacional que ampara os direitos humanos das mulheres.
Passo a passo: 

O curso teve início em 2016 quando o CRM-SSA foi inaugurado. Desde então, restou evidente a necessidade de implementarmos uma prática humanizada e intersetorial e o curso foi a ferramenta para chegarmos nos profissionais que atuavam no entorno da Ilha do Fundão. No entanto, o interesse pelo curso foi maior e diversas instituições das áreas da saúde e assistência social de todo o Brasil vieram buscar este aperfeiçoamento teórico-prático. Os cursos são operacionalizados na modalidade EaD (120 horas), com utilização da plataforma moodle, tendo como carga horária 108 horas/aula à distância e 12 horas/aula presenciais. Os recursos didáticos compreendem: realização de debates em fóruns abertos na plataforma moodle, realização de 03 tarefas (duas individuais e uma em grupo) e 03 aulas presenciais. Foram adotados recursos como textos, vídeos, imagens e outras mídias enquanto suportes pedagógicos para o estudo e a reflexão sobre o tema da violência contra a mulher. Na última aula cada turma subdividiu-se em grupos para análise, debate e apresentação de simulações de casos reais, tendo sido resguardados a identificação das pessoas. Esta experiência contribuiu para a mudança de algumas rotinas institucionais que não reconheciam e sequer cuidavam dos casos identificados como os de violência contra a mulher.

Efeitos e resultados: 

Observamos que diversas instituições, a exemplo do INCA e Hospital do Andaraí, promoveram desdobramentos internos deste curso como seminários e rodas de conversa com os demais profissionais não participantes do curso. Tal atitude demonstrou o compromisso dos profissionais de reverem rotinas e replicarem a experiência do curso com os demais que não tiveram liberação de carga horária para fazê-lo. Sendo assim, avalio que o curso impulsionou o debate sobre o atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e/ou sexual, bem como socializou conhecimentos sobre Tratados Internacionais como a Convenção CEDAW e de Belém do Pará, Lei nº 10.778/03 - Notificação Compulsória de Violência contra a Mulher, Lei º 11.340/06 (Lei Maria da Penha), Lei nº 13.104/15 - Feminicídio e a Lei 12.015/09 - Lei dos Crimes contra a Dignidade Sexual.

Conte um pouco mais: 

"O curso teve um grande diferencial para a minha formação profissional. Antes do curso não tinha o conhecimento sobre a importância do preenchimento da Ficha Única de Notificação Compulsória de Maus tratos e outras Violências. Assim, como os diversos tipos de violência contra a mulher e os encaminhamentos no qual vou replicar com outros profissionais/inclusive de outras áreas de conhecimento. O trabalho final da simulação do caso com outras profissionais de outros municípios também foi muito rico. No início encontramos divergências nos pensamentos, mas depois do encontro presencial e com as pontuações da professora Marisa Chaves chegamos a um consenso de ideias. E por fim, agradeço os feedbacks da Tutora Adma Viegas que sempre esclareceu as nossas dúvidas e nossas inquietações na plataforma. Porque nós somos mulheres e queremos sempre garantir o direito e acesso à informação para as nossas usuárias. (Depoimento de Luciane da Silva Cardoso, Secretaria Municipal de Assistência Social de Itaboraí/RJ); Esse curso foi de extrema importância, pois sua fundamentação teórica é excelente e reforça os marcos legais aos quais precisamos estar atentos na nossa prática profissional. Também gostaria de ter me dedicado mais, mas creio que a mensagem principal do curso foi absorvida. Conheci a Ficha Sinan através deste curso, provavelmente não teria acesso a ela se não fosse através desta capacitação. Gratidão, muito feliz por ter chegado até aqui e ter trocado informações com profissionais tão capacitadas e empáticas. (Depoimento de Cristiana da Gama Galla Granito, Profissional do Centro de Referência da Mulher de Teresopólis); O Curso foi de excelência! Para mim o conhecimento adquirido tem sido, de suma importância para o meu fazer profissional. Essa foi uma oportunidade ímpar, poder estar com profissionais de altíssimo gabarito, com tanto conhecimento prático e teórico, e ter dividido com todos nós, suas experiências dos vários atendimentos e de suas vivências. Eu queria muito de ter disponibilizado de mas tempo para participação e me aprofundar nos materiais apresentados, nos fóruns e em tudo que foi apresentado. Contudo foi perfeito, estou muito grata em poder participar. Como sugestão, poderia se pensa em uma continuidade do curso, ou seja a parte dois. Muito obrigada por todas as pessoas envolvidas no planejamento, ação e efetivação do curso. "- Depoimento de Tatia de Freitas Soares, Assistente Social de Rio das Ostras.

"Prezada tutora, coordenadora e colegas de turma, Agradeço os momentos compartilhados, as discussões férteis! O curso foi muito interessante, possibilitando novos aprendizados sobre a temática da violência contra a mulher, questão em voga na sociedade. Reforço a sugestão de apresentação de vídeos com possíveis debates nos fóruns. Avalio que também tive dificuldades de alinhar a quantidade de leitura por ser estudante trabalhadora. Conhecer as possibilidades de encaminhamento da rede assistencial foi muito rico para a qualificação da prática profissional. Agradeço também a troca de conhecimento entre os tutores, coordenadora e alunos, assim como os retornos e as orientações ministradas no curso. Espero poder convidá-las para futuras parcerias no meu espaço socio-ocupacional. (Depoimento de Fernanda dos Reis Melo, Assistente Social do INCA); Excelente oportunidade de troca e ampliação de conhecimentos sobre o tema sugerido, assim como maior conhecimento sobre as diferenças nas redes de atendimento e enfrentamento as mulheres, as peculiaridades de cada região. Quero ressaltar que o conteúdo apresentado superou em muito minhas expectativas iniciais e que certamente o curso nos desafia a mudar e ou repensar nossas práticas profissionais. estou secretária executiva de um Conselho de Saúde e após este curso verificamos a necessidade de se iniciar uma comissão temática para abordarmos e acompanharmos o preenchimento e sistematização dos dados da Ficha de Notificação Compulsória. Abraços e parabéns a toda equipe!!! ​" -Depoimento da aluna Gilcilene Braga Assumpção, Assistente Social do Centro de Referência para a Mulher de Saquarema.

Relatos de apresentação do trabalho: 

Apresentação na Semana de Integração Acadêmica da UFRJ em 2019. Trabalho: A EXPERIÊNCIA DO CURSO EAD: FICHA ÚNICA DE NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA DE VIOLÊNCIAS E MAUS TRATOS NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (2016 A 2019).