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Até 7 de junho de 2007, Daniel Navarro Sonim e Walter Farias não sabiam da existência um do outro. Mas nessa data Daniel ligou a televisão e se deparou com Walter no programa Casos de Família, no SBT. Walter, o dono das memórias contidas no livro O Capa-Branca, em sua participação do programa, contou, entre outras coisas pelas quais tinha passado em sua vida, que tinha sido funcionário de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil, o Juquery, em Franco da Rocha (SP). Mas o mais surpreendente ainda estava por vir. Ele revelou que, depois de alguns anos trabalhando como atendente de enfermagem, acabou perdendo a razão e teve que se internar para não perder o emprego. Anos depois, aposentado por invalidez, passava o tempo compondo músicas e escrevendo suas memórias. Vizinhos e amigos, segundo ele, achavam que tudo aquilo não passava de uma tremenda perda de tempo, porque ninguém se interessaria em ler as histórias de um louco que morava em Franco da Rocha. No finalzinho do programa, a apresentadora Regina Volpato perguntou o que faltava para transformar suas memórias em livro. Walter respondeu que precisava da ajuda de alguém, porque, como tinha estudado pouco, não conseguiria concretizar o projeto sozinho. Assim que a entrevista acabou, Daniel percebeu que poderia ajudá-lo e mandou um e-mail para a produção do programa pedindo para conversar com Walter. Poucos dias depois um dos produtores do programa ligou para avisar que Walter gostaria de conhecer Daniel. Por telefone, eles conversaram e combinaram uma reunião para se conhecerem pessoalmente. A conversa aconteceu na escola de idiomas onde Daniel dava aulas de francês e de italiano, embora fosse jornalista e não estivesse exercendo a profissão. Walter entregou três folhas manuscritas com uma breve descrição de alguns pacientes que tinham atravessado sua vida. Daniel leu as descrições contidas nos manuscritos e achou aquela pequena amostra fascinante. Aos poucos Walter enviou o restante pelo correio. Depois de digitar tudo – um calhamaço com mais de 50 folhas sulfite frente e verso e algumas folhas soltas de caderno – Daniel, em janeiro de 2008, pegou o trem da CPTM na estação Palmeiras Barra-Funda rumo a Franco da Rocha pela primeira vez. Esse foi apenas de um dos muitos dias em que ambos trabalharam juntos para escrever O Capa-Branca. Dividido em três partes, as memórias de Walter se passam na década de 1970 e consistem no seu trabalho no Hospital Psiquiátrico, a transferência para o Manicômio Judiciário e o tempo em que viveu como paciente da instituição. O livro, depois de muito trabalho, tanto para escrevê-lo, como para publicá-lo, foi lançado em novembro de 2014. Além do sucesso, já que ambos viajam pelo país e pelo exterior ministrando palestras, a amizade de Daniel e Walter se fortalece dia após dia.
O trabalho desde o início, pelo fato de Walter Farias ter vivenciado suas experiências como funcionário e paciente do Juquery, se originou no município de Franco da Rocha. Quando ele conheceu o jornalista Daniel Navarro Sonim, as memórias, antes registradas apenas em alguns manuscritos, aos poucos, foram abrangendo novos territórios, como a cidade de São Paulo, onde Daniel mora e até Fortaleza, no Ceará, quando ele passou dois anos nessa cidade, mas deu prosseguimento à escrita do livro. Durante a campanha de financiamento coletivo que arrecadou a verba necessária para publicá-lo e lançá-lo, o projeto alcançou, graças à divulgação na imprensa e nas redes sociais, pessoas no Brasil e no exterior. Antes mesmo de o livro ficar pronto, Daniel e Walter começaram a viajar pelo Brasil para dar palestras sobre a obra e o Juquery. De 2014 até 2020, os autores percorreram cidades no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal, visitando universidades, escolas, hospitais, Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e congressos. No exterior, Daniel e Walter participaram do lançamento da edição em espanhol do livro durante o III Encuentro de la Red Latinoamericana y del Caribe de Derechos Humanos y Salud Mental, realizado em setembro de 2019, na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina. O livro, por estar à venda pela Editora Terceiro Nome, no Brasil, e pela Editorial Topía, na Argentina, pode ser encontrado nas livrarias – lojas físicas e virtuais – dos dois países. A obra, que já se tornou referência para profissionais e estudantes de psicologia, enfermagem e psiquiatria, também faz parte, desde 2015, do acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (The Library of Congress) e da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos - National Library of Medicine (NLM).
Da parte de Walter Farias, a motivação surgiu da necessidade de manter vivas suas memórias como funcionário e paciente do Juquery, eternizando em um livro parte das histórias de um período da história da instituição e da saúde mental no Brasil. Já no caso de Daniel Navarro Sonim, a história de Walter, até então inédita, no que diz respeito ao fato de não haver livros nem filmes – baseados em fatos reais – com essa temática, foi o primeiro fator que o motivou a iniciar a parceria que já dura cerca de 13 anos. Muito mais do que um relato biográfico, o livro expõe uma realidade, que, por muitas vezes é esquecida, mas precisa ser debatida, porque durante os anos 1970, tanto o Juquery como outras instituições psiquiátricas, haviam se tornado verdadeiros depósitos de pessoas indesejadas, que sofriam de problemas, psiquiátricos, psicológicos e mentais, mas ao invés de receberem tratamento, eram submetidas a práticas desumanas, que só promoviam dor e sofrimento. Os funcionários, em quantidade insuficiente para atendê-los, também careciam de recursos e instrução. Dessa forma, a obra contribui para o debate de temas como a Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial. Outra mensagem que o livro e as palestras deixam às pessoas que o lê ou a quem as acompanha é o aprendizado com a História. Já que hoje sabemos que aconteceram equívocos que acabaram com a dignidade e ceifaram a vida de milhares de indivíduos, surge a possibilidade de que seja construído um futuro diferente, mais humano e preocupado com o bem-estar de quem sofre com problemas psiquiátricos, psicológicos e mentais.
Antes mesmo de o livro existir, a primeira parceria foi a produção do programa Casos de Família, que promoveu o encontro entre o jornalista Daniel Navarro Sonim e o ex-atendente de enfermagem Walter Farias. Ao longo do trabalho, antes de o livro ser publicado, os autores contaram com o apoio da população de Franco da Rocha que aguardou ansiosamente o lançamento do livro. Durante a campanha de financiamento coletivo que levantou os recursos necessários para publicar e lançar o livro, diversas pessoas, de vários estados do Brasil, contribuíram para que o projeto se tornasse realidade. Também pode-se destacar o trabalho da designer Jussara Fino, que desenvolveu todo o projeto gráfico sem cobrar nada, de Delfim, do Studio DelRey, que cedeu a ilustração da capa, do escritor Estevão Azevedo, responsável pela leitura crítica que colocou o texto nos trilhos, e de Fábio Bonillo, que preparou o texto e o lapidou de forma magistral. Quando o livro ficou pronto, os autores contaram com o apoio da Prefeitura Municipal de Franco da Rocha, que promoveu o lançamento na cidade que abriga o Juquery até hoje, bem como sua divulgação. No Brasil, o livro foi publicado pela Editora Terceiro Nome e na Argentina pela Editorial Topía. A imprensa também desempenhou um papel importante na difusão da obra. A lista completa de veículos que publicaram resenhas, entrevistas, artigos e reportagens está disponível na página de Facebook "O Capa Branca" . Universidades – principalmente os cursos da área da saúde –, escolas, hospitais, instituições, como a Fiocruz, e Centros de Atenção Psicossocial (Caps) também apoiaram – e continuam apoiando – o trabalho de Daniel e Walter promovendo palestras, debates, aulas magnas, rodas de conversa e noites de autógrafos por todo o país. A relação completa de locais onde os autores de O Capa-Branca apresentaram seu trabalho está em https://www.linkedin.com/in/daniel-navarro-sonim-7a732217/.
- Dar voz a um dos inúmeros funcionários do Juquery que, particularmente, conheceu a realidade da instituição tanto como trabalhador da área da saúde mental como paciente;
- Levar a público a realidade de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil durante a década de 1970, período em que o local recebeu, segundo números oficiais, o dobro das 9 mil pessoas que tinha condição de comportar;
- Promover o debate de questões referentes à Reforma Psiquiátrica e à Luta Antimanicomial.
Para escrever o livro O Capa-Branca, Daniel Navarro Sonim e Walter Farias trabalharam juntos por sete anos. Durante esse período, Walter reuniu suas memórias - escritas ao longo do tempo em que já estava fora do Juquery, aposentado, e as entregou, ora pessoalmente, ora em mãos, para o Daniel. Ele, por sua vez, em um primeiro momento, preocupado em ter um backup das experiências de vida dele tais como foram escritas, digitou e salvou todo o conteúdo no computador. A partir daí começou a organizar cronologicamente essas memórias. Em seguida, depois de algumas entrevistas, Daniel começou a editar os textos impressos e a enviá-los pelo correio. Walter os recebia e fazia suas observações e correções a caneta. Daniel percebeu que, talvez por não se sentir à vontade para verbalizar tudo que tinha passado tanto como funcionário quanto como paciente, a escrita fazia com que Walter se expressasse melhor e com mais desenvoltura. Esse processo foi fundamental para o avanço do processo. Só depois de dois anos e meio, quando Walter viu que o trabalho já estava bem avançado, sentiu-se confortável para contar mais detalhes de sua jornada no Juquery. Daniel passou a visitar Walter em sua casa aos finais de semana. Ele chegava sábado de manhã e só ia embora no domingo. Em muitas oportunidades, eles passavam a noite em claro na frente do computador até ficarem satisfeitos com o trabalho. Já no início de 2013, perceberam que estava na hora de colocar um ponto final no livro. Então Daniel procurou um amigo que tinha alguns livros publicados para ler os originais e verificar alguns pontos que precisavam ser melhor desenvolvidos ou suprimidos. Esse amigo se chama Estevão Azevedo, que conquistou o prêmio São Paulo de Literatura em 2015 com o romance Tempo de espalhar pedras. Sua ajuda foi fundamental para a conclusão do projeto. Depois da leitura de Estevão, Daniel e Walter voltaram ao trabalho para lapidar os textos de O Capa-Branca. Em 2013, Daniel começou a procurar uma editora interessada em publicar o livro. Depois de colecionar uma infinidade de negativas, decidiu, no início de 2014, seguir o conselho da fotógrafa Paula Korosue, e organizar uma campanha de financiamento coletivo na internet. Amigos, conhecidos e muitos desconhecidos resolveram acreditar no projeto. Em 40 dias, a campanha arrecadou o dinheiro suficiente para garantir a publicação do livro. Além dos financiadores, Daniel e Walter atraíram fãs que colaboraram com o projeto sem cobrar nada. A designer Jussara Fino desenvolveu o projeto gráfico; Fabio Bonillo, que traduziu o romance Os Luminares, de Eleanor Catton, vencedora do Man Booker Prize em 2013, se encarregou da preparação do texto; e Delfin, do Studio DelRey, fez a ilustração da capa. A Editora Terceiro Nome ficou encarregada da publicação. Em novembro de 2014 o livro finalmente foi lançado em São Paulo e Franco da Rocha.
Antes mesmo de o livro ser lançado, já havia pessoas que o aguardavam com ansiedade, principalmente os moradores de Franco da Rocha, cidade que abriga o Juquery até hoje. Ainda em 2012, Daniel e Walter criaram uma página sobre o livro no Facebook "O Capa-Branca" que em fevereiro de 2020, quando essa pesquisa foi entregue, conta com cerca de 4 mil seguidores. A visibilidade ajudou a tornar o projeto conhecido antes mesmo de se concretizar. E ainda em março de 2014, quando não havia uma editora interessada em publicá-lo e lançá-lo, um grupo de enfermeiras de Santa Rita do Passa Quatro (SP) convidaram os autores para dar uma palestra em um evento promovido pelo hospital em que trabalhavam. Essa foi apenas a primeira palestra da trajetória de sucesso do livro. Daniel e Walter já compartilharam as histórias de O Capa-Branca e do Juquery em universidades, escolas, hospitais, congressos e Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Os autores já estiveram em diversas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Rondônia e no Distrito Federal. Em 2015, O Capa-Branca passou a integrar o acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (The Library of Congress) e da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos - National Library of Medicine (NLM). Em 2019, a obra foi lançada em espanhol na Argentina pela Topía Editorial com o título de Atrapado en la locura - de enfermero a paciente en un manicomio en Brasil. – disponível aqui. Daniel e Walter deram uma palestra no lançamento do livro durante o III Encuentro de la Red Latinoamericana y del Caribe de Derechos Humanos y Salud Mental, realizado em setembro de 2019, na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina. A imprensa do Brasil e do exterior, desde o lançamento, em 2014 no Brasil e em 2019 na Argentina, publica periodicamente artigos, matérias, entrevistas e resenhas. Os destaques ficam por conta das resenhas nos jornais Le Monde Diplomatique (França) e Clarín (Argentina), Revista do CRP/SP e Portal do COREN/MG, além das matérias na TV Globo, RedeTV! e rádio CBN. A relação completa está em disponível aqui. A história de Walter Farias, que antes permaneciam apenas em folhas de papel manuscritas ou guardadas em sua memória, hoje se tornaram referência para profissionais e estudantes da área da saúde, bem como para o público em geral. O livro também contrariou as expectativas pessimistas de amigos e vizinhos que achavam que ninguém se interessaria em ler algo “sobre um louco que trabalhou e foi paciente do Juquery”.