Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Entre a Educação Popular, a Redução de Danos e a rua: A experiência da Escola Porto Alegre- EPA

Experiência de educação voltado à pessoas em situação de rua, a partir da Educação Popular, com ações de acolhimento, redução de danos, inclusão e cuidado em saúde.
Porto Alegre - RS
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Carla Almeida Pfeifer, Luna Cassel Trott
carlabailar@hotmail.com; paulo.klein@portoalegre.rs.gov.br; lunatrott@gmail.com
Instituições vinculadas: 
EMEF Porto Alegre- EPA Escola Porto Alegre- Cidade de Porto Alegre, Centro histórico, Rio Grande do Sul
Resumo afetivo: 

"Na EPA a gente pode existir", escutamos de um estudante da escola. Ele, assim como tantos outros que estão ou passam pela escola, traz sua vivência como pessoa em situação de rua para dentro do espaço escolar. Assim, estas pessoas carregam também as violências e os abandonos de todos os tipos, a necropolítica, a sociedade zumbi, o racismo que está pela rua. Mas aqui ele considera que existe: espaço de acolhida, de construção de sonho ou de adiamento de fim de mundo (KRENAK, 2019), espaço onde pode contar uma história, a sua ou de outros. É nesta escuta que se tece um novo lugar: o de estudante. Esta tessitura cria um sentido de ancoragem para estas vidas, costurando relações entre a educação popular, a garantia de direitos, o cuidado na saúde e o resgate de projetos de vidas. Esta inclusão e a leitura do mundo que se faz presente na EPA, provoca em nós, educadores populares, afetos diversos ao nos desacomodarmos, nas incompatibilidades sobre o tempo, na disponibilidade da escuta, nas tensões e diversos saberes que circulam por este espaço. Fios invisíveis, vínculo, olhar, história a ser contada e recontada, do estudante e do educador, que trabalha ressignificando sua prática pedagógica. Um trabalho que emociona tem sentido. 
 

Contexto: 

A EMEF Porto Alegre, foi fundada no ano de 1995, é uma escola da rede pública municipal de Porto Alegre, que busca garantir a escolarização de jovens e adultos em situação de rua e vulnerabilidade. Tem como objetivo principal a ressignificação do espaço interno e externo desses estudantes através de uma proposta de emancipação pessoal e social. Conta com aproximadamente 120 estudantes. Sua metodologia propõe três momentos pedagógicos: O estudo da realidade, realizado pelo SAIA (Serviço de Acolhimento, Integração e Acompanhamento); A organização do conhecimento, dentro das totalidade de Aprendizagem na modalidade EJA, em sala de aula; e a Aplicação do Conhecimento através do Núcleo de Trabalho Educativo. 
 

Motivações: 

A prática relatada é construída desde uma proposta de escola que atende o público em vulnerabilidade. A partir do Projeto Político Pedagógico da Escola se construiu o Serviço de acolhimento, Integração e acompanhamento a partir de uma demanda que surge na cidade de atendimento escolar a meninos/as em situação de rua nos anos 90. Neste sentido, a construção da escola, acompanha a própria dinâmica do centro histórico da cidade e suas relações políticas e sociais presentes.

Parcerias: 

Diante da complexidade da dinâmica de ser estudante e ser pessoa em situação de rua, o trabalho realizado na escola não se dá de forma isolada. Neste sentido, busca-se parcerias com a rede de atenção socioassistencial, entendendo que o acesso à saúde e a garantia de direitos são elementos fundamentais na permanência do estudante no espaço escolar. Alguns dos possíveis parceiros são os serviços de Saúde mental como CAPS, os de Assistência como o Ação Rua. Realizamos articulação com a UFRGS através da presença de projetos de extensão, estágios curriculares e a Residência em Saúde Mental Coletiva. Somam-se também diálogos com o Movimento da População de Rua (MNPR) e o jornal Boca de Rua e outras iniciativas de busca de cidadania.

Objetivo: 
  • Realizar o estudo da realidade dos estudantes, acompanhando a dinâmica do momento de vida e construindo novos projetos
  • Qualificar o acolhimento, a integração e o acompanhamento de novos estudantes, bem como acolher aqueles que se encontram ou se encontravam, por alguma razão, afastados da escola.
  • Realizar o acolhimento diferenciado, que constitui-se como um espaço de conversa e escuta individual aos estudantes
  • Acompanhamento de estudante através de discussões de caso, possíveis encaminhamentos, participação nas reuniões pedagógicas e de rede intersetorial
  • Articulação com a rede socioassistencial no acompanhamento de estudantes.
Passo a passo: 

 A acolhida de estudantes neste espaço escolar vem desde um entendimento de que acolher e permitir a inclusão não é só uma questão metodológica, é uma dinâmica a permear todos os tempos e espaços escolares, tendo como protagonistas educadores comprometidos e envolvidos com uma prática educativa dialógica. Essa postura apontará caminhos, visando à construção dos vínculos, afetos e respeito mútuos essenciais para a construção da autonomia. Neste sentido, o SAIA é composto por equipe com profissionais da educação e atualmente conta com a parceria da universidade através do programa de residência multiprofissional em Saúde Mental Coletiva, proporcionando um espaço de formação continuada para a equipe escolar e os próprios profissionais residentes. É neste espaço que se realizam ações como entrevista e acolhimento inicial, acolhimento diferenciado, acompanhamento de estudantes, acompanhamento terapêutico, articulação da rede socioassistencial, discussão de casos, mediação de conflitos, ações de promoção à saúde, atividades formativas com professores, realização de grupos, escuta dos professores, entre outros. Isto é, está na presença do cotidiano da escola em seus diversos espaços e momentos: Sala de aula, refeitório, eventos, aniversários, seminários, visitas culturais, saraus de poesias, feiras, assembleias, momentos de reivindicações sociais da cidade, entre outros. Outro espaço de inclusão na escola é o Núcleo de trabalho Educativo, espaço de produção artística através de oficinas de cerâmica e papel reciclado, realizados no período contraturno, que tem como objetivo trabalhar aspectos afetivos e criativos dos estudantes, criando uma outra relação com o trabalho. Nesta direção, se coloca como uma possibilidade de geração de renda através dos princípios da Economia Solidária, construindo processos de autonomia através da participação em feiras de artesanato e possibilidade de reconhecimento profissional através da aquisição da carteira do artesão.
 

Efeitos e resultados: 

Diante da complexidade do trabalho, é difícil mensurar o que se reconhece como efeito ou resultado do trabalho. Algumas pistas aparecem no caminho: A redução de Danos, o acesso à direitos, o acesso à escolarização, a conclusão do Ensino Fundamental, a inclusão digital e cidadã, a possibilidade do banho e da comida, acesso à bens culturais. Mas para além disso, há os fios invisíveis: o pertencimento, um lugar para existir, um espaço de escuta e acolhimento e construção de novas possibilidades para a vida ou de adiamento de fim de mundo.