Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Dançar: uma experiência de cuidado e positivação do envelhecimento em um Centro de Convivência público para idosos no município do Rio de Janeiro

"Somos canalizadores, resultantes e criadores do mundo. Independente da idade cronológica, somos todos idosos dançando com a vida". (Oliveira, D. p 130).
Rio de Janeiro - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Diana Junqueira Fonseca Oliveira e Creuza da Silva Azevedo
dianajunqueira.fst@gmail.com
Instituições vinculadas: 
ENSP/Fiocruz e Casa de Convivência de Idosos da Prefeitura do Rio de Janeiro
Resumo afetivo: 

O presente trabalho aborda a dança como cuidado e promoção da saúde para idosos frequentadores de uma Casa de Convivência para idosos de administração municipal na cidade do Rio de Janeiro. É resultante da Dissertação de Mestrado com mesmo título, pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Saúde Pública ENSP/Fiocruz, linha de Pesquisa de Políticas, Planejamento, Práticas e Gestão em Saúde.

Como marco teórico, adotamos autores que trazem as características predominantes da sociedade contemporânea que geram um contexto de isolamento social ao idoso; situamos a discussão da promoção da saúde através de uma perspectiva ampliada, atrelada aos determinantes sociais em saúde, e o conceito de cuidado. Para isso, nos apoiamos principalmente em Canguillem, Winnicott e autores correlatos. Para a teoria da dança, buscou-se teóricos da dança, filosofia e psicanálise, como José Gil, Winnicott.

"As construções realizadas neste trabalho visaram dar luz à potência da dança como cuidado, promotora de saúde e positivação do envelhecimento em nossa sociedade atual. O caminho até aqui foi como a vida, traçado por retas tranquilas e curvas tortuosas, sendo afetado constantemente pelas teorias e vivências experenciadas e aprendidas ao longo dos dois anos de curso do mestrado". (Oliveira, D. p. 124).

Averiguamos através das práticas de dança analisadas e dos relatos dos entrevistados as dimensões da dança como prática que facilita a socialização e inclusão social dos idosos, especialmente àqueles em situação de vulnerabilidade social, com criações de laços fraternos e de solidariedade, positivando a perspectiva do envelhecimento como impotência diante da vida; a dança como redescoberta de si, do próprio corpo, como continuidade e esperança; a associação que se faz predominante entre saúde e ausência de doenças, visto que nossos sujeitos de pesquisa também são afetados pela cultura de biocontrole da vida predominante em nossos tempos, mas, apesar disso, algo resiste também na fala das entrevistadas diante de afirmativas como “dança é minha vida!”, o que nos trouxe o apontamento que, apesar de não ter sido diretamente associada diante do questionamento sobre “o que é saúde”, a dança foi citada como saúde através da fala livre, também da espontaneidade vinda das reflexões das idosas entrevistadas.

É importante ainda retomarmos um destaque aos desafios oriundos do campo de pesquisa, expressos através da fragilidade institucional, com risco de descontinuidade do projeto (vinculado à prefeitura do Rio de Janeiro, com sequentes riscos de rupturas nos últimos anos) e sucateamento das políticas públicas voltadas ao idoso, bem como as situações de rigidez institucional para com os idosos e o cenário de violência observado na dinâmica criada pelo professor da turma de dança de salão.

Consideramos pertinente frizar as limitações de nossa pesquisa, diante do não aprofundamento nos debates a cerca da violência de gênero vivenciada pelas idosas entrevistadas; o distanciamento em nossa análise das teorias propostas pela perspectiva da Promoção da Saúde e ainda a ausência da entrevista com o professor da turma de dança de salão, impossibilitada devido à demissão do mesmo.

"Finalizo minhas considerações em paralelo com a música de Mercedes Sosa, com o desejo que não percamos a sensibilidade de cuidar e transmutar a dor do outro. Manter a sensibilidade em relação à dor e a capacidade de sentir isso em mim mesma foram combustíveis que alimentaram a escrita dessa dissertação. Tudo o que foi vivido e observado foi sentido no meu próprio corpo, que foi uma superfície, uma ponte, um substrato de canalização da dor: das idosas abandonadas, da precarização institucional, do abandono social e da violência. As palavras dessa dissertação são movimentadas pela maré de ondas de dores que meu corpo sentiu, transmutadas no papel, como uma forma de agradecimento pela capacidade de transformação dessa dor em algo sublime, vivo, vibrante, de movimento, de dança, de dançar com a vida, fazer poesia da adversidade através do fluxo, do vai e vem, de todos os processos dolorosos que se transmutaram em criatividade através desse processo de escrita." (Oliveira, D., p. 130).
Oliveira, Diana Junqueira Fonseca.

Dançar: uma experiência de cuidado e positivação do envelhecimento em um centro de convivência público para idosos no município do Rio de Janeiro / Diana Junqueira Fonseca Oliveira. 2019.
146 f. : il. color.
Orientadora: Creuza da Silva Azevedo.
Dissertação (mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2019.

Contexto: 

A pesquisa transcorreu durante o ano de 2018, com contexto de grande fragilidade política e institucional. Durante o ano de 2018, com o aumento da desigualdade social associado à crise financeira e política brasileira, do estado e do município do Rio de Janeiro, o município passou a conviver com um cenário com cada vez mais frequentes conflitos em comunidades diversas, associado ainda a uma medida de intervenção militar. Mesmo em comunidades que se encontravam há anos pacificadas, como a comunidade próxima à instituição, conflitos com tiroteios foram frequentes. Foram diversos os conflitos locais no decorrer do ano de 2018, o que pôde ser observado durante uma observação participante em que após tiroteiro intenso, noticiado amplamente, o início da aula foi retardado com diminuição da frequência de alunos.

Destaco ainda o contexto geral de precariedade que marca a organização e restringe a atividade de dança. Foram frequentes as aulas em que o aparelho de som falhou e a aula precisou ser interrompida. Foi observado ainda, comportamentos rígidos por parte de alguns funcionários, relacionados à situação de precariedade de trabalho (com salários atrasados e risco de ruptura institucional) e comportamento violento por parte de um professor para com as idosas.

Motivações: 

Minhas próprias experiências profissionais foram fundamentais para a eleição da dança como objeto de estudo. Durante minha formação cursando o programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso, vivenciado dentro da UNATI/UERJ (Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pude observar que os usuários atendidos que participavam das atividades de dança da UNATI traziam o relato dos benefícios físicos, emocionais e sociais daquela prática e recebiam alta do atendimento fisioterapêutico ambulatorial mais rapidamente. Além do contexto profissional, trago a dança em minha história de vida desde criança; e frequento grupos de dança de salão em ambientes privados na cidade do Rio de Janeiro há alguns anos, onde pude observar que os idosos que frequentam os bailes têm como constante o relato dos benefícios quanto às amizades criadas -inclusive intergeracionais, visto que nesses ambientes os frequentadores têm as mais variadas idades- dizeres como “a dança mudou minha vida”, são constantes. O cenário de pesquisa escolhido era previamente conhecido pela pesquisadora, por ser anexo ao prédio onde funcionava a Estratégia de Saúde da Família na qual a pesquisadora era cadastrada como usuária, próxima de sua residência, em seu território.

Objetivo: 

Investigar a inserção da dança na vida dos sujeitos praticantes; se promove uma facilitação de um despertar para um corpo brincante, sensível, criativo; também são analisadas a dimensão interativa e intersubjetiva e os efeitos psicossociais da experiência de dançar, como atividade grupal.

Passo a passo: 

Quanto ao método, utilizamos o método qualitativo, construtivista, da psicossociologia francesa. A análise clínica psicossociológica francesa procura, através da valorização do sujeito e do contexto, apoiar e examinar a produção de sentido que se realiza pelos sujeitos, nos grupos e organizações, apoiada nas narrativas de vida. 

Instrumentos: observação participante e entrevista não estruturada. 

As atividades analisadas foram a dança de salão e dança cigana. Foram realizadas 10 entrevistas, sendo 7 com idosos, 2 com gestores e 1 com professor. As observações participantes se deram entre Abril e Novembro de 2018. O período total da pesquisa ocorreu entre Janeiro de 2018 e Abril de 2019.A seleção do material para análise se deu através de leitura flutuante das transcrições e anotações dos diários de campo; Delimitação dos eixos e categorias analíticas e finalmente, relacionamento dos eixos e categorias com os objetivos de estudo, revisão bibliográfica e referencial teórico. Todos os participantes assinaram o TCLE. A pesquisa responde ao parecer favorável do CEP ENSP sob o número 2.592.437 de Março de 2018.

Efeitos e resultados: 

Após o encerramento da pesquisa e a defesa e aprovação da banca, retornei ao grupo pesquisado os resultados da pesquisa em um dia de reunião e exposição local. Estavam presentes funcionários da gestão, professora de uma das atividades e as idosas participantes. Tal retorno foi fundamental, para que pudéssemos também despertar o cuidado através do reconhecimento de suas falas e experiências. Além do retorno para a instituição, também apresentei os resultados da pesquisa, naquele ano, na instituição onde trabalho como fisioterapeuta e facilitadora de um grupo de dança para idosos, e posteriormente em um congresso (Geriatrio). Seguimos em fase de finalização da elaboração do primeiro artigo oriundo da pesquisa.