Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Cultura da Palavra e Saúde Mental

Viver para a aprender e compartilhar, viver para trocar alegrias e combater as opressões do mundo!
Santos - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Fabrício Gobetti Leonardi; Maria Liduína Oliveira e Silva; Raiane Patrícia Severino Assumpção; Beatriz Ferreira Pontes; Christine Pereira de Albuquerque; Lenilra Valério da Costa; Maria Clara dos Santos Oliveira; Maria Luisa de Lima e Silva; Nathalia Tomas Cardoso; Raiany Neves Silva; Lara Teixeira Rosan; Letícia Borges; Thyelly Brandão Romanin; Júlia de Oliveira Passos; Gabrielle Raposo Chaves; Heloísa Helena de Macedo França; Jady Vilanova Alda; Marina Lisis Motenegro de Moraes
frentesaudemental@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Vila Mathias, Ponta da Praia, Bom Retiro, Marapé - Santos/São Paulo Universidade Federal de São paulo - campus baixada santista
Resumo afetivo: 

Cultura da Palavra e Saúde Mental é ter gosto pelas pessoas, ter gosto pela vida. As vivências compartilhadas, os círculos de cultura, as oficinas temáticas marcam encontros entre universidade e serviços de saúde mental, encontros entre vidas! A partir da perspectiva teórico-metodológica da Educação Popular de Paulo Freire, o projeto busca agir na construção de uma visão crítica, da autonomia e da cidadania dos(as) usuários(as). Do mote do letramento e cultura da palavra somos levados ao universo em que habitam usuários que frequentam Caps no esquema acolhimento diurno (hospital-dia). Alguns escrevem as primeiras palavras, seus nomes, aprendem como ler a placa do ônibus para ir para casa. Outros avançam no universo das poesias e músicas, problematizando o mundo, discutindo as opressões do dia-a-dia, desvelando a realidade. Hoje o trabalho acontece em quatro Caps diferentes: Caps Vila, Caps Zona Noroeste, Caps Centro e Caps Orla, alcançando mais de 100 usuários(as) e realizado por cerca de 15 estudantes de graduação. 

Contexto: 

O processo da Reforma Psiquiátrica representou uma investida e uma ruptura com a lógica instituída de financiamento, assistência e cuidado na rede em Saúde Mental, redimensionando os campos teórico-metodológicos, jurídico-políticos e socioculturais, em oposição ao modelo hospitalocêntrico (manicômios, nosocômios, hospitais psiquiátricos e instituições de características asilares, depositárias e punitivas) e à uma psiquiatria tradicional que tentava associar a ideia do louco à irracionalidade, à enfermidade, à periculosidade e induzir ao confinamento. Por outro lado, os novos conceitos trazidos no bojo da Reforma trouxeram motes para transformar as relações da sociedade, dos sujeitos e das instituições em interface com as questões sobre a loucura. Nossa ferramenta para isso é a Educação popular!

A partir da Educação Popular e da Universidade, buscamos efetivar, no desenvolvimento do trabalho, uma prática em que a indissociabilidade e a interdependência entre o ensino, a pesquisa e a extensão fossem garantidas nas ações realizadas, fundadas em um mesmo referencial teórico-metodológico – o referencial freiriano –, com processos de formação (teórico-metodológico e temático) contínuos e sistemáticos, atuação na comunidade local, sistematização da práxis, articulação e atuação com grupos e coletivos que militam nas áreas referentes aos direitos humanos e efetivação do poder popular.

A concepção de Educação Popular pressupõe que a construção do conhecimento ocorra por meio do questionamento, da teorização, da investigação dos problemas emergentes no cotidiano e a realização de atividades de intervenção na realidade. O Cultura da Palavra e Saúde Mental, tem o objetivo de atuar com jovens e adultos na perspectiva da garantia do direito à educação - desde alfabetização e letramento até conteúdos gerais de língua portuguesa, matemática, entre outros. 

O grupo se propõe a atuar na perspectiva de transformar os modos de (re)produção da vida social dos sujeitos envolvidos, provocando reflexões críticas da realidade, o seu engajamento em processos e organizações populares e a busca permanente por novos conhecimentos. O processo educativo visa ainda apresentar ferramentas e possibilidades para os sujeitos que os auxilie na manutenção da vida cotidiana, como no trabalho, na vida familiar; como também incidir para que haja reflexões sobre as diferentes visões de mundo e perspectivas.

Motivações: 

A Extensão da Frente “Cultura Palavra e Saúde Mental”, do PET “Educação Popular: criando e recriando a realidade social”, atua na área da Saúde Mental desde junho de 2017 na perspectiva da garantia do direito à educação para jovens e adultos usuários de três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade de Santos. A partir da perspectiva teórico-metodológica da Educação Popular de Paulo Freire, a extensão busca agir na construção de uma visão crítica, da autonomia e da cidadania dos usuários, chamados de educandos, em consonância com a luta antimanicomial. O projeto se iniciou no CAPS Zona Noroeste, a partir do protagonismo de uma estagiária do curso de Serviço Social que observou a dificuldade de alguns usuários no processo de leitura e escrita. Isso trazia como consequência diversas questões como, por exemplo, dificuldade de administrar medicamentos a serem tomados, de manejar seu próprio dinheiro, impedimentos para utilizar o transporte público, etc. A partir disso, foram realizadas parcerias também com o Caps Vila, com o Caps Centro e Caps Orla, totalizando quatro Centros de Atenção Psicossocial no município de Santos no sentido de atuação na dimensão dos direitos, do cuidado no território, da relação entre serviços, comunidade e famílias.

Parcerias: 

A partir da Universidade Federal de São Paulo e do PET Educação Popular (Programa de Educação Tutorial - do Ministério da Educação) fizemos parcerias com os seguintes Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da cidade de santos: Caps Zona Noroeste, Caps Vila, Caps Centro e Caps Orla. A ideia era trabalhar educação popular justamente com os em convivência nesses serviços ou que estão passando por algum momento de sofrimento agudo. Neste processo são envolvidos mais de 100 usuários, cerca de 15 graduandos dos cursos de psicologia, serviço social e terapia ocupacional, técnicos e gestores dos serviços municipais e da universidade. 

Objetivo: 
  • Promover processos formativos, a partir da metodologia da educação popular, junto aos usuários atendidos pelo CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Santos;
  • Propiciar atividades de letramento e apoio aos estudos;
  • Trabalhar temas de interesse dos usuários;
  • Suscitar a interação universidade/serviços.
Passo a passo: 

São realizadas oficinas semanais em cada local, em que as graduandas se dividem em 4 grupos (um para cada CAPS). Nelas são trazidas as demandas individuais e coletivas, e as dificuldades cotidianas dos usuários, como norte das ações e vivências entre pessoas do projeto e usuários dos serviços. É a partir dos assuntos levantados, e das vivências dos sujeitos, que se pensa em temas geradores para as atividades seguintes, de forma a compor um trabalho com múltiplas linguagens, em círculos de cultura. São utilizados materiais audiovisuais, como vídeos e músicas, materiais escolares, como lápis e folhas de papéis em branco, entre outros. A sistematização por escrito de cada oficina é compartilhada num documento, contendo os relatos e reflexões realizadas. O acúmulo das experiências é revertido para o pensar de futuras intervenções e como um legado destas. Assim, pensa-se metodologicamente numa estrutura de ação-reflexão-ação típica da Educação Popular freiriana.

 

Efeitos e resultados: 

Com o passar do tempo, e a partir da construção do vínculo com o serviço e com os usuários, percebeu-se que havia maior demanda relacionada ao letramento de forma mais geral, do que da alfabetização, pensando este como a escrita em sua função social. A partir disso, conseguiu-se contemplar na mesma oficina, atividades com atenção mais individualizada, ou em grupo, dependendo da necessidade dos educandos presentes. Também foi possível a construção de diversas estratégias metodológicas (desenho, pintura, vídeos, música, fotografia, rodas de conversa, etc), cujas ações buscaram abordar o manejo e contagem do dinheiro, a realização de leituras, produção de textos, estudo da gramática, produção artística, entre outros. A partir dessas ferramentas educacionais, pretende-se pensar a importância de ler e interpretar a realidade envolta, e que esta reflexão esteja identificada nas ações práticas e no cotidiano, assim como a validação de diferentes conhecimentos. Para além do domínio da alfabetização, os diferentes usos que a palavra proporciona possibilitou o trabalho de temas específicos e complexos da dinâmica cotidiana dos usuários, na perspectiva de desenvolver a autonomia e senso crítico a partir das demandas trazidas e geradas no coletivo. Temáticas de gênero, raça, sistema carcerário, violência institucional, sexualidade, mídia, eleições, acesso à direitos e BPC (Benefício de Prestação Continuada) também emergiram.

Na construção da experiência vivenciada pela extensão, observa-se que muitos indivíduos estão tendo o acesso à educação através da saúde, fato que encontra-se em concordância com uma visão ampla da saúde, a qual não seria somente a ausência de doenças, mas um conceito que leva em consideração aspectos e demandas culturais e sociais dos sujeitos, estando o letramento contemplado. Buscou-se ao longo desses três anos o compartilhamento de saberes e experiências, através de relações horizontais, em que extensionistas e usuários puderam exercitar a reflexão crítica e a formação de novos saberes e processos coletivos. Muitas foram as dificuldades encontradas, como manejo do grupo, usuários em crise, adesão ao espaço do grupo, manifestações homofóbicas ou machistas, e questões específicas de como lidar com efeitos do uso de medicamentos, que interferem no processo de aprendizagem e nas relações dos sujeitos. Todavia, esses desafios provocaram estratégias de coletivizar as relações e as questões do grupo, e de pensar atividades que conseguissem alcançar a todos e problematizassem as questões objetivas e intersubjetivas do sofrimento.