Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Contribuições da homeopatia para o cuidado em saúde mental no paradigma da Reforma Psiquiátrica brasileira

Homeopatia na saúde mental: a medicina centrada no sujeito de forma natural.
São Paulo - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Pedro Carlos da Silva Carneiro
pedro.cscarneiro@uol.com.br
Instituições vinculadas: 
UBS Nossa Senhora do Brasil/Bairro Bela Vista. Prefeitura municipal da cidade de São Paulo/OSS Parceira IABAS
Resumo afetivo: 

A Reforma Psiquiátrica Brasileira se consolidou com a lei 10.216, marco de mudança nas políticas de saúde mental no Brasil. Um dos seus pilares é uma visão de cuidado integral e interdisciplinar. A portaria 971 de 2006 que coloca como oficial as práticas integrativas no SUS, entre elas a Homeopatia, também considera que estas favorecem ações integrais na saúde.

A primeira relação histórica entre a Homeopatia e a Saúde Mental é a experiência de Hahnemann (criador da Homeopatia) em um Manicômio em Georgenthal na Alemanha. Em 1779, Hahnemann doutora-se pela universidade de Erlanger com tema de sua tese relacionado à experiência que teve em Saúde Mental, ou seja: “As Enfermidades da Alma. Os loucos”.

No "Organon da Arte de Curar", livro para base da teoria homeopática, publicado em 1810, Hahnemann comenta: “Por conseguinte, jamais poderemos curar de acordo com a natureza, isto é, homeopaticamente, se não observarmos, em cada caso de doença, mesmo nas agudas, juntamente com outros sintomas (físicos), os relativos às mudanças do estado mental”. 

Neste sentido, a Homeopatia como uma Prática Integrativa coloca o Sujeito no centro do paradigma da atenção à saúde de forma Sócio- psicossomática, dentro de um paradigma sintonizado com os princípios dessa Reforma.

Prescrevo homeopatia na minha prática como médico psiquiatra de UBS para diminuir o uso de psicotrópicos e fornecer alternativas mais naturais aos meus pacientes com uma escuta ampliada que ver o paciente como um todo e não apenas sua "doença". Foi com muita satisfação que observei a boa adesão dos meus pacientes da UBS ao tratamento homeopático. Muitos deixaram a dependência de alguns psicotrópicos que faziam uso há vários anos, sendo substituídos por medicamentos naturais.

Contexto: 

Nosso objetivo foi relatar experiência de prática clínica em saúde mental na atenção básica propondo a homeopatia como uma das práticas possíveis para contribuir no processo de enfrentamento da medicalização como também incentivar novas intervenções mais naturais dentro do paradigma da Reforma psiquiátrica brasileira.
A possibilidade de ver o Homem sempre no seu todo Biopsicossocial, de não valorizar apenas a Doença (Modelo Biomédico), mas toda a Subjetividade original e sempre única dos Sujeitos, faz com que os conceitos Homeopáticos tenham grande aproximação do Modelo Integral da Saúde Mental contemporânea.

O processo de medicalização tem como uma de suas consequências o uso abusivo de psicotrópicos na prática dos psiquiatras. O uso da homeopatia no contexto da saúde mental permite:

1-Colocar o Sujeito no centro do paradigma da atenção à saúde;

2-Fortalecer a relação médico-paciente como um elemento fundamental da terapêutica;

3-Promover saúde estimulando o autocuidado e não apenas combatendo a doença, co-responsabilizando o sujeito por seu processo de tratamento.

A UBS onde ocorreu o relato dessa experiência localiza-se num bairro com grande potência cultural, ao lado de vários centros culturais, onde moram muitos artistas e profissionais da saúde. Os usuários atendidos têm perfil socioeconômico desde pessoas em situação de rua até classe média.

A Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo disponibiliza medicamentos homeopáticos através de convênios com farmácias homeopáticas que possibilitam o usuário do SUS ter acesso a esses medicamentos.

O uso de medicamentos homeopáticos, além de fornecer uma alternativa ao uso de remédios convencionais da psiquiatria em casos leves e moderados, pode ser usado como prática complementar ao tratamento convencional e, ajudar na retirada progressiva dos psicotrópicos que em seu desmame geram abstinência.

Diante disto, este tipo de relato de experiência pode motivar pesquisas sobre o uso de homeopatia em saúde mental, como também, incentivar os colegas médicos que possuem cursos de homeopatia a fazer uso destes medicamentos em sua prática clínica nos serviços do SUS.

Motivações: 

Minha motivação para esta prática parte do desejo de oferecer aos usuários do SUS outras possibilidades de tratamento ao modelo convencional biomédico. Segundo vários autores, o modelo biomédico gera sobrediagnóstico psiquiátrico, pois trabalha centrado na doença. Como os Transtornos mentais não apresentam marcadores biológicos fidedignos para um bom diagnóstico, muitos problemas psicossociais são medicados. Foi pensando nisto que passei a usar a homeopatia, pois a mesma tem uma escuta mais abrangente do que apenas "ouvir sintomas". Sua escuta mais elaborada pode permitir, além do uso de medicamentos mais naturais, encaminhar os usuários para outras práticas de prevenção e promoção em saúde.

Parcerias: 

A UBS Nossa Senhora do Brasil é gerida pela organização social de saúde (OSS) IABAS (instituto de atenção básica e avançada à saúde), OSS parceira da Secretaria municipal de Saúde (SMS) da cidade de São Paulo, que faz gestão da maioria dos serviços de saúde da região central da cidade de São Paulo. O público alvo são usuários dessa região paulistana de várias classes sociais, inclusive pessoas de perfil bastante vulnerável em situação de rua. Temos nesta UBS 1 psiquiatra, 1 psicóloga, 2 assistentes sociais mais ligados à saúde mental. É um serviço que conta com: Equipe de estratégia de saúde da família, Equipe de consultório na Rua, PAI (Programa de atenção ao Idoso), Equipe de NASF. Em sua Rede de referência existe 1 CAPS (centro de Atenção psicossocial) adultos e 1 CAPS AD, com os quais ocorre matriciamento uma vez por mês, além de trocas frequentes com estes serviços em casos graves.

Objetivo: 

Objetivo geral: Nosso objetivo foi relatar nossa experiência de uso da medicina homeopática na prática de saúde mental na atenção básica em UBS, propondo a homeopatia como uma das possíveis formas de cuidado em saúde para contribuir no processo de enfrentamento da medicalização, como também incentivar novas intervenções criativas e naturais dentro do paradigma da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Passo a passo: 

O uso da homeopatia como prática médica é garantido no SUS pela portaria 971 do Ministério da Saúde. Pensando numa alternativa aos psicotrópicos com seus frequentes efeitos colaterais e, por muitas vezes gerando dependência química, iniciei uso de medicamentos homeopáticos para casos de transtornos mentais leves e moderados tendo tido sucesso de melhora na grande maioria desses casos. Também utilizei a homeopatia na retirada dos medicamentos que causam dependência química, introduzindo gradativamente o medicamento homeopático, na medida que fazia o processo de desmame do medicamento alopático. Isso permitia amenizar o sofrimento dos sintomas de abstinência.

Foi possível também usar a homeopatia de forma complementar, associando em casos mais graves aos medicamentos alopáticos.

A técnica homeopática contribui para uma escuta ampliada com uma possibilidade de um cuidado mais integral com os usuários. Ela não é baseada na escuta de sintomas mais tenta observar a vida social dos sujeitos, seus desejos, suas potencialidades permitindo uma elaboração mais qualificada de um Projeto Terapêutico Singular para cada manifestação de sofrimento mental de cada usuário, respeitando seus limites e singularidades.

Todas às vezes que foi feito o uso de medicamento homeopático, foi anotado seu uso na folha de procedimentos do SUS a cada final de expediente.

Efeitos e resultados: 

Como repercussão do uso da homeopatia na unidade, os pacientes relatam uma certa sensação de bem-estar após a retirada dos psicotrópicos. Muitos casos que foram tratados desde do início usando apenas homeopatia também evoluíram satisfatoriamente. A devolutiva dos pacientes em relação ao uso da homeopatia conta com boa adesão ao tratamento. A gerência e os médicos da unidade também tiveram boa aceitação do meu trabalho apresentando respeito e confiança no mesmo. Alguns médicos clínicos, iniciaram uso de outras práticas integrativas nesta unidade mostrando que a experiência pode ter contribuído como um fator de motivação e incentivo ao uso dessas práticas por outros profissionais nessa unidade de saúde do SUS.