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Estar na rua é tristeza e alegria constante, é estar em um ''não lugar'' onde tudo acontece. O cuidado de rua carrega a angústia e a dor da desigualdade, antagonizada pela alegria da potencialidade do diálogo, encontro, toque, carinho e empatia.
O trabalho do Consultório de Rua é desenvolvido no município de São João del Rei, Minas Gerais, e tem como enfoque a promoção de visibilidade e cuidado à população em situação de rua do município, com aproximação pela ética aplicada decolonial. O trabalho é ancorado à Extensão Universitária, sendo as ações fundamentadas em pesquisa, ensino e extensão, na participação social de uma forma enfática à realidade e praticável. A geração de visibilidade é o primeiro ponto de impacto e produção, sendo acionada toda a rede de saúde, de assistência social e outras que se entrelaçam e se expressam na rua. Para além, os tensionamentos de matriciamento do cuidado e das trajetórias de vida se constroem principalmente nos campos informais, buscando ancoragem em pontos que oficialmente não eram identificados e acoplados aos serviços de saúde. Esses incluem os comerciantes locais, organizações civis, trabalhistas e religiosas.
Estar na rua exige aproximações e distanciamentos constantes, levando os envolvidos a frequente preocupação da invasão dos espaços, dos corpos e das vidas. Não ser mais um fator de iatrogenia é preocupação constante, que flerta com a sensação de impotência, mas que se aflora com a expressão genuína de empatia, compaixão e respeito.
O município não apresenta critérios de elegibilidade por número de habitantes para ser financiado dentro da política do Consultório na Rua, mas possui demanda social epidemiológica. Atualmente, a atenção formal é fragmentada e a trajetória de cuidado frágil frente a complexidade do que se vive. A equipe por diversas vezes problematizou com as pessoas na rua possibilidades outras para a efetivação do cuidado, movimento potencializado pela Extensão Universitária. A ausência de assistência formal e financiada pelo SUS no município não pode ser um empecilho para as questões "saúde e qualidade de vida", no crítico que demanda imensa capacidade criativa, empática e de movimento em rede e compartilhado por todxs envolvidos.
O trabalho tem como parceria e público alvo as pessoas em situação de rua, isto é, pessoas que tem na rua seus meios de vida para morar, se relacionar e socializar, trabalhar e até mesmo como campo de passagem. A Universidade Federal de São João del Rei é a instituição que acolhe o trabalho, na perspectiva da Extensão Universitária. Ao longo do percurso, foram identificados parceiros no município, formulando o matriciamento dinâmico com o SUAS e a RAPS, assim como, com o comércio local e instituições não governamentais. Em destaque, a Secretaria Municipal de Saúde, as unidades de Estratégia de Saúde da Família e o CAPs AD.
- Implantar equipe de atendimento em consultório de rua, formada por alunos, professores e profissionais de saúde do SUS;
- Fortalecimento da Educação permanente no município para as equipes de ESF;
- Realizar encontros de formação, por meio de oficinas e seminários, para professores, estudantes, e equipes da ESF.
- Fortalecer equipe de matriciamento com foco em população em situação de rua;
- Buscar junto ao município a implantação da política municipal de apoio à população em situação de rua. Estruturar a partir da experiência e correlações, a unidade curricular “Saúde mental na atenção primaria a saúde – abordagem da população em situação de rua’’.
- Integrar residentes do programa de residência médica em Medicina de Família e Comunidade da UFSJ nesta prática de cuidado integral;
- Integrar residentes do programa de residência multiprofissional em Estratégia de Saúde da Família e Comunidade da UFSJ nesta prática de cuidado integral.
O método do trabalho envolveu reuniões, oficinas, territorialização, cartografia e diário de campo. À abordagem prática se expressou através do método clínico centrado na pessoa, bioética decolonial, redução de danos e à escuta atenta e qualificada.
Uma das sensações mais intensas do trabalho, é a de que o pragmatismo não tem lugar, e apesar de o imediatismo do cuidado ser fugaz, à rua tem seu tempo. Os espaços têm seu tempo de serem abertos, e o silêncio é uma potente voz de ação. A angústia e frustração de ver um abismo de desigualdade, no qual quanto mais nos imergimos mais nos confrontamos com nossas capacidades e iatrogenias, vai dando lugar ao desejo imensurável de mudar a realidade das vidas, dos corpos, dos sistemas. À cada encontro surgia uma nova percepção de necessidade, que nada mais era que uma necessidade construída sobre pilares sociais rompidos, mas cuja solução se pautava primariamente na amorosidade e afeto das relações. Ao longo do tempo percebemos que à institucionalização das necessidades é urgentemente necessária, mas que o cuidado nunca seria saciado sem o desejo de promover à dignidade do outro, com sua participação e empoderamento.
Seguem alguns trechos de diálogos e percepções da equipe do consultório na rua e das pessoas em situação de rua:
“Ao tocar em seu ombro, senti o medo e sua fome" (janeiro, 2019).
“Às vezes, sinto que me desrespeitam por ser mulher" (julho, 2018).
“Como eu sei quem devo abordar? Como eu abordo? ” Eu tenho mesmo que sentar na calçada? Para que estou aprendendo isto? Me fizeram estas perguntas... elas ecoam dentro de mim visceralmente" (março, 2018).
“ Ele caiu, alguém o levou para a UPA. Ele me agradeceu, dizendo que fui eu" (maio, 2019).
“O café da manhã foi uma tampinha de cachaça e um sachê de maionese" (agosto, 2019).
“Ela me chamou para um canto e me mostrou seu ombro. Pegou minha mão e levou para a clavícula... Afundada... Que direito eu tenho de tocar nela... Não consigo não chorar..." (dezembro, 2018).
“Gente, ele morreu" (setembro, 2019).
“Quero ir com você no posto" (outubro, 2019).
"Sentimos a falta de vocês! Vocês não vieram semana passada" (agosto, 2019).