Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

A construção do problema das drogas a partir da CPI do Crack

Investigar os formuladores de regras, e não necessariamente os desviantes, é uma escolha não só metodológica, mas que afirma uma ética comprometida com a urgência de alternativas antiproibicionistas nas instituições.
Rio de Janeiro - RJ
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Dayana Rosa Duarte Morais; Martinho Braga Batista e Silva
dayanarosa@id.uff.br
Instituições vinculadas: 
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ)
Resumo afetivo: 

Trata-se de uma experiência que é parte da dissertação intitulada "CPI do Crack: uma etnografia acerca do problema das “drogas” com parlamentares" (2017), que teve como objetivo analisar a construção do problema das “drogas” da CPI do Crack, instalada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Os bastidores dessa comissão foram capazes de nos revelar as diferentes motivações possíveis para a instalação da Comissão, afirmar a presença de valores morais e religiosos determinantes para os rumos que o Relatório Final tomaria e uma gradação moral no posicionamento dos parlamentares e seus assessores em comparação ao crack e “outras” drogas. Além disso, evidenciamos também um discurso médico-científico afirmando a localização do problema das “drogas” no Estado do Rio de Janeiro no campo da saúde pública e destacando a necessidade da produção de dados estatísticos para a promoção de políticas públicas capazes de, principalmente, atuar no combate à miséria e à pobreza. Os desafios se concentraram na alteridade necessária para a realização de uma etnografia, uma vez que os valores dos interlocutores eram predominantemente proibicionistas, indo contra, por exemplo, à inclusão da Redução de Danos nos documentos produzidos. Entretanto, acreditamos que conhecer essa racionalidade proporciona uma atuação mais eficiente em busca de uma política de drogas e de saúde mental que tenham referência nos direitos humanos.

Contexto: 

O contexto de trabalho se deu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando, em 2015, foi instalada a CPI do Crack que teve como objetivo investigar as causas e consequências do consumo da droga no estado. O governo havia acabado de decretar calamidade, a ALERJ estava sitiada, o acesso restrito e cotidianamente eram realizadas manifestações ali, que sempre terminavam em confronto policial. A pesquisadora principal trabalhava na instituição como assessora, o que lhe permitiu acesso facilitado às dependências do prédio e aos deputados e suas equipes que se envolveram com a CPI.

Motivações: 

A CPI do crack foi instalada em 2015. Entretanto, a "epidemia de crack" narrada nos grandes veículos de comunicação junto a realização dos megaeventos na capital carioca, datam de pelo menos 5 anos antes. Por que uma CPI de cunho investigativo foi criada tanto tempo depois? Ainda, na época de maior repercussão sobre o crack no Rio de Janeiro, foi proposta na Câmara Municipal uma outra CPI, sobre as internações compulsórias a partir do consumo da substância. Por que uma CPI sobre o crack foi rejeitada na Câmara e aprovada na Assembleia? Um problema parecia ter sido criado e tornado público, agora tomando os palcos do parlamento.

Parcerias: 

O Instituto de Medicina Social foi a instituição responsável pela pesquisa, uma vez que o trabalho integra dissertação aprovada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UERJ. Portanto, teve como público-alvo num primeiro momento a comunidade acadêmica e também os interlocutores, parlamentares e suas equipes.

Objetivo: 
  • Analisar a construção do problema das “drogas” em uma Comissão Parlamentar de Inquérito;
  • Identificar as formas de classificação e categorização de substâncias, espaços e pessoas na ALERJ;
  • Descrever a motivação para instalação da CPI, sua composição e dinâmica;
  • Mapear atores e grupos sociais e institucionais envolvidos na CPI e na fabricação do crack como problema público.
     
Passo a passo: 

O método utilizado foi a etnografia de documentos (relatório final, atas de reuniões e videogravações) e entrevistas semi-estruturadas com parlamentares e equipes que integraram a CPI do Crack.

Efeitos e resultados: 

A CPI do Crack evidenciou a disputa possível no parlamento, com suas contradições presentes na construção de um problema público. Ao mesmo tempo que identificamos uma gradação moral no posicionamento dos parlamentares e seus assessores em comparação ao crack e outras drogas, e também um discurso médico-científico, foi afirmada a localização do problema das drogas no Estado do Rio de Janeiro no campo da saúde pública. Ao propor, no relatório final, o combate à miséria e à pobreza como recomendação número zero, a Comissão amplia o campo da saúde, mesmo que os bastidores tenham revelado, por exemplo, a proibição do termo "redução de danos". Diferente de outras CPIs, esta não foi uma que atraiu repercussão, mas que pode subsidiar nossas atuações em busca de políticas públicas que promovam os direitos humanos, traduzindo-as para uma linguagem que também é burocrática e institucional.