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Adentrei a unidade onde tal trabalho foi realizado para atuar pela primeira vez na Saúde do Trabalhador, no final de 2014, como estagiária. Meu percurso formativo passava pela saúde mental e atenção a população em situação de rua de um território próximo ao da Fiocruz/Manguinhos. Minha supervisora de estágio e coordenadora da Seção de Saúde do Trabalhador da unidade me incentivava a escrever um projeto interventivo que dialogasse com a perspectiva crítica da relação saúde-trabalho-doença e buscava apoio institucional para reformularmos ou darmos seguimento aos planejamento do setor, que fazia parte do Serviço de Gestão do Trabalho da unidade. A excitante experiência proporcionou-me um interesse verdadeiro sobre a saúde do/a trabalhador/a e fez-me enxergar a potência de se refletir e agir sobre as relações sociais dentro do ambiente de trabalho no modo de produção capitalista. A saúde do/a trabalhador/a depara-se recorrentemente com questões emergentes, que conduzem à fixação de novos objetos de estudo e abrem a possibilidade de refletirmos sobre diversos assuntos. A saúde do/a trabalhador/a é um rico campo e pode-se compreender que a defesa dessa deve ser enxergada como parte da própria luta de classes e qual posição assumimos perante a ela. Tencionar alguns espaços em prol da saúde dos/as trabalhadores/as e analisar criticamente o conceito Trabalho gera uma importante articulação coletiva entre os/as trabalhadores/as.
A unidade da FIOCRUZ onde tal experiência aconteceu, entre janeiro de 2015 e março de 2016, apresentava alto índice de adoecimento físico e mental dos/as trabalhadores/as. Identificamos também que os/as trabalhadores/as dessa unidade possuíam particularidades importantes, como 1/3 do quantitativo não ser originário do estado do Rio de Janeiro, falarem de conhecerem muito pouco ou pouco dispositivos culturais e de lazer na cidade, bem como relatos de terem sofrido assédio moral em algum trabalho. Os vínculos trabalhistas também eram diversos, a unidade contava com 99 trabalhadores/as servidores/as, 98 terceirizados/as vinculados a 4 empresas diferentes, 8 bolsistas e 10 estagiários/as, o que produziam importante diferença salarial entre esse grupo. Dentre uma das características particulares desse grupo de trabalhadores/as, percebemos também o interesse sobre temas políticos e questionamentos sobre a rede de saúde pública, um desconhecimento dos serviços públicos de saúde e dos modelos de saúde.
A unidade apresentava alto índice de afastamento por questões de saúde física e mental dos/as trabalhadores/as, além de um importante número de acidentes de trabalho. Tais dados nos chamavam muita atenção, visto que era uma das únicas unidades da FIOCRUZ que contava com um setor de saúde do trabalhador específico dentro da mesma (há uma Coordenação de Saúde do Trabalhador muito potente, mas essa não consegue estar presente dentro de todas as unidades da instituição). Além das características apresentadas até o momento, tal unidade contava com um dos maiores espações físicos do campus Manguinhos e uma pluralidade importante de profissionais de diversas áreas (desde marcenaria, elétrica, administração e desenvolvimento de RH, criação de animais, laboratórios de alto investimento, comunicação e estava implementando um setor de ensino e mestrado profissional). A unidade também havia passado por uma recente mudança de direção e essa nova gestão estava preocupada e apoiando iniciativas na área da saúde do trabalhador.
A Fundação Oswaldo Cruz teve seu início em 1900 e consolidou-se como a maior instituição de saúde do Brasil. Tendo sua sede localizada no bairro de Manguinhos, próximo a um dos maiores complexos de favelas do município do Rio de Janeiro e território com um dos menos IDHS da cidade, tal instituição está engajada em diversas ações territoriais, na discussão sobre saúde e política pública nesse local, bem como promoção de saúde de forma coletiva. Durante o período de realização dessa experiência, a instituição contava com 16 unidades técnico-científicas voltadas para ensino, pesquisa, inovação, assistência e desenvolvimento tecnológico no âmbito da saúde, quatro unidades técnico-administrativas e uma unidade técnica de apoio (onde foi realizado tal trabalho). A Fiocruz havia apresentado a definição de sua missão, visão e valores institucionais, aprovados pelo VI Congresso Interno, e dentre esses estavam: "Produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e que contribuam para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira, para a redução das desigualdades sociais e para a dinâmica nacional de inovação, tendo a defesa do direito à saúde e da cidadania ampla como valores centrais." (Missão aprovada pelo VI Congresso Interno da Fundação Oswaldo Cruz, 2010).
Alinhada a tal missão, visão e valores, a unidade onde ocorreu tal trabalho estava em processo de reformular suas diretrizes e ampliar seu escopo de atuação, visto também a mudança importante de gestão que havia ocorrido recentemente e que enfatizava a preocupação com a saúde dos trabalhadores. A própria direção da unidade foi uma importante parceira para realização deste trabalho, bem como o Serviço de Gestão do Trabalho da unidade, a Assessoria de Comunicação da unidade, o serviço de Gestão e Segurança do Trabalho e Ambiental da unidade e a Coordenação de Saúde do Trabalhador da Fiocruz.
- Provocar o debate e a reflexão junto aos trabalhadores da unidade sobre a relação saúde-trabalho-doença e o impacto da precarização e exploração do trabalho assalariado para a qualidade de vida;
- Identificar pontos no processo de trabalho, juntamente com os/as trabalhadores/as, com a SGT da unidade e com a equipe da CST-Fiocruz, que sejam prejudiciais a saúde física e mental dos trabalhadores/as;
- Elaborar e propor para a direção da unidade e para a própria CST-Fiocruz alterações no ambiente e no processo de trabalho, vislumbrando um ambiente mais saudável e um processo de trabalho menos prejudicial à saúde e a qualidade de vida;
- Melhorar as medidas de segurança no trabalho e diminuir os riscos ambientais e biológicos aos/as trabalhadores/as, em conjunto esses e com o setor de Gestão e Segurança do Trabalho e Ambiental da unidade;
- Fortalecimento de vínculos institucionais e interprofissionais, buscando parcerias em sujeitos e projetos que pactuavam e acrescentavam com a perspectiva crítica sobre saúde do trabalhador;
- Fomentar a discussão institucional sobre a Saúde do Trabalhador, visando engajamento dos trabalhadores da unidade no debate sobre o tema no âmbito da instituição e o fortalecimento das reivindicações e lutas coletivas em defesa da saúde pública, bem como ampliação da qualidade de vida desses;
As comissões de saúde do trabalhador estavam sendo icentivadas através de um projeto da CST/Fiocruz em diferentes unidades da instituição. No ICTB/Fiocruz foram realizadas reuniões com os trabalhadores, a CST, o SGT da prórpia unidade e a Seção de Saúde do Trabalhador também da própria unidade para apresentar o projeto e estudar conceitos teóricos referentes a saúde e ao trabalho. Posteriormente os trabalhadores decidiram sobre o funcionamento e a composição dessas comissões (periodicidade de encontros, quantidades de trabalhadores/representantes nas comissões, as pautas eram construídas coletivamente e foi elaborado um plano de ações de curto, médio e longo prazo).
Algumas ações a curto prazo foram realizadas de imediato como o acolhimento ao sofrimento mental, além de encaminhamento para a Rede de Atenção Psicossocial e unidades da atenção básica; foram realizados também trabalhos coletivos junto ao SGT visando melhoria do clima organizacional a partir de solicitações das comissões; uma outra frente de trabalho foi a reelaboração de Procedimentos Operacionais Padrão objetivando melhores condições de trabalho, revisão dos Programas de Prevenção de Riscos Ambientais e dos Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional. Como um dos desdobramentos dessas comissões foi o entendimento da necessidade de se ampliar a discussão sobre qualidade de vida e saúde com trabalhadores/as que não pertenciam aos setores que tinham as comissões em funcionamento. Foi então criada uma Comissão de qualidade de vida, lazer, cultura e saúde aberta para trabalhadores/as de toda a unidade onde se iniciou a discussão mais ampla sobre tais temas e, através de portaria, conseguiu-se garantir acesso a ações culturais e esportivas com horários protegidos dentro da carga horária de trabalho.