Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Clave de Sois - A música enquanto recurso terapêutico

O Clave de Sois usa a música como recurso terapêutico, promovendo o protagonismo onde o usuário, além de assistido, leva música à pessoas internadas.
Joinville - SC
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Cristiane Regina Tavares
crtavares76@gmail.com; cristiane.tavares@joinville.sc.gov.br
Instituições vinculadas: 
Secretaria Municipal da Saúde de Joinville-SC; Sois - Serviços Organizados de Inclusão Social; Hospital Regional Hans Dieter Schmidt; Hospital Municipal São José; Hospital Bethesda
Resumo afetivo: 

O Grupo Clave de Sois consiste numa oficina musical que oportuniza aos usuários com transtorno mental grave levar música a pessoas internadas em Hospitais. Desta forma, não só se favorecem dos benefícios terapêuticos da oficina como também melhoram o quadro de saúde de outros. A oficina utiliza a música como uma potente ferramenta terapêutica, possibilitando um espaço de protagonismo do usuário, inclusão social e ressignificação de sua própria vida na medida em que proporciona uma via de mão dupla onde o usuário, além de assistido, passa a dar assistência a pessoas em situação de vulnerabilidade devido à hospitalização. Para os internados as visitas estimulam a interação social, alívio de tensões e ansiedade, mudando o foco da doença e/ou da dor.

O projeto foi contemplado com o primeiro lugar nas Experiências Exitosas da Secretaria de Saúde de Joinville em 2016 e apresentado na 14ª Mostra Aqui tem Sus, em Brasília.

No início os usuários apresentavam dificuldade em se colocar, devido à crença de que não eram capazes, necessitando de um estímulo constante para desenvolver sua autonomia, cidadania e protagonismo social. Progressivamente foram se empoderando, descobrindo suas potencialidades e capacidades e se fortalecendo nesses aspectos. Entretanto esse é um exercício constante, pois diante de uma sociedade onde se precisa quebrar alguns paradigmas, o usuário acaba ficando na posição de desvalia, necessitando de motivação para acreditar que é capaz de desempenhar um papel e contribuir com a sociedade.

Nossa perspectiva é de persistir nessa mesma direção sabendo que traz resultado, pois esses são os principais objetivos do processo de inclusão social.

O início:
Esta oficina vem acontecendo desde 2015, mas inicialmente, a iniciativa não foi aceita pelos hospitais, porque a visão que os profissionais tinham era de que essas pessoas poderiam oferecer algum perigo ao paciente internado, devido à ideia de incapacidade e periculosidade comumente atribuída às pessoas com transtornos mentais. Por esse motivo, o projeto iniciou suas atividades em instituições de longa permanência (ILP’s). Somente após ter sido premiado na primeira mostra de experiências exitosas do município é que o projeto ganhou visibilidade, surgindo assim a oportunidade da realização das visitas musicais nos hospitais.

As alegrias:

  • Na primeira visita musical do grupo, a reação dos pacientes internados foi muito positiva, parabenizando o grupo pelo belo trabalho de “voluntariado”. Com a reação positiva dos pacientes o projeto foi crescendo e se expandindo para todos os hospitais públicos do município.
  • O impacto dessa primeira visita ao hospital foi expressivo para os integrantes do grupo, percorrer as alas de quarto em quarto, era para alguns enfrentar desafios, para outros era dar a volta por cima. Numa dessas visitas ao hospital houve a cobertura da mídia alcançando grande repercussão no município. Após essas matérias, houve relatos dos integrantes, de reconhecimento pela comunidade e familiares. 
  • Os ensaios e apresentações são momentos de pura energia e amor onde valorizamos e celebramos a vida, além de estimular à socialização, cidadania, protagonismo, autonomia e a superação de desafios.
  • Após as apresentações os usuários se sentem capazes e muito estimulados, pois deixam de ser vistos apenas como atendidos pela saúde e passam a ser protagonistas de sua história.
Contexto: 

Ao ingressarem no serviço era comum usuários com histórico de isolamento social, baixa autonomia e empobrecimento das habilidades sociais; apresentando sentimento de desvalia, falta de motivação e sentido para a vida, além da dificuldade na adesão e comprometimento ao tratamento se ausentando do serviço.

Dado o público-alvo do Sois – Serviços Organizados de Inclusão Social e a competência deste órgão em estimular na busca da autonomia e cidadania, a estratégia de formar uma oficina que não apenas ensinasse musicalização, mas que também coloca o usuário no papel de alguém que não apenas recebe cuidados, mas que também pode contribuir para a melhoria na qualidade de vida de outras pessoas.

Motivações: 

Diante desse contexto, e observando usuários do serviço que apresentavam sentimentos de desvalia, incapacidade e rebaixamento de humor. Notava-se também que lhes era comum a falta de sentido para vida, porém demonstravam interessem pela música. Então lendo algumas matérias sobre músicos e profissionais de diversas áreas que levavam música aos pacientes internados em hospitais, eu pensei: “porque não os nossos usuários realizarem essas ações também?”

No livro “O vendedor de sonhos”, o autor Augusto Cury, comenta sobre a valorização pessoal: “O ser humano morre não quando seu coração deixa de pulsar, mas quando de alguma forma deixa de se sentir importante.”
Nesse sentido essas ações estimulam no usuário com transtorno mental a solidariedade, a cidadania e o protagonismo social, consequentemente contribuindo para a valorização pessoal.

Em 2015 nasce o projeto Clave de Sois com a proposta de utilizar a música como uma atividade de finalidade terapêutica. O projeto parte do pressuposto que a música, por inserir-se no contexto das atividades expressivas, propicia momentos de relaxamento e por seu intermédio é possível extravasar sentimentos e deixar-se envolver, cultivar o bem estar pessoal e, consequentemente melhorar sua qualidade de vida, acessando o espectador e transportando-o do momento de sofrimento para um “lugar” agradável. Além disso, dentre diversos benefícios, estimula a memória, libera endorfina, dopamina e serotonina, contribuindo na elevação do humor e melhorando a qualidade de vida.

Parcerias: 

Instituição onde o trabalho é desenvolvido:
Sois – Serviços Organizados de Inclusão Social, serviço que compõe a RAPS - Rede de Atenção Psicossocial, que atende usuários com transtornos psiquiátricos graves estabilizados e/ou com necessidades decorrentes do uso de SPA (substância psicoativa). O Sois desenvolve ações de inclusão social e iniciação para geração de renda.

Instituição parceira:
Tivemos a Casa da Cultura do município como instituição parceira desse projeto, que disponibilizou um professor de música por um período de 2 anos (até 2017).
Atualmente o projeto conta com 1 terapeuta ocupacional e 12 usuários com transtornos mentais graves estabilizados e usuários com necessidades decorrentes do uso de SPA (substância psicoativa), que são o público-alvo do projeto.

Objetivo: 

Objetivo Geral

Disponibilizar um espaço de protagonismo e socialização, oportunizando aos usuários acometidos por transtorno mental, levar música à pessoas internadas em instituições hospitalares, com o intuito de contribuir para a melhoria da qualidade de vida e humanização da saúde, proporcionando aos integrantes do projeto, meios que levem à inclusão social como indivíduo ativo, participante e produtivo, estimulando a autonomia das habilidades e favorecendo a interação social.

Objetivos específicos:

  • Incentivar o usuário a se apropriar de sua vida tornando-se co-autor no seu processo de reabilitação psicossocial;
  • Proporcionar espaços facilitadores da comunicação, ampliando o universo de relações, circulação social e das relações interpessoais favorecendo a interação e o processo de inclusão social;
  • Despertar capacidades e potencialidades para a promoção de autonomia;
  • Propiciar espaços de afetividade e trocas;
  • Estimular o empoderamento e o exercício da cidadania.
Passo a passo: 

O projeto foi colocado em prática por meio de oficina terapêutica que utiliza a música como recurso.

A atividade ocorre dentro do Sois, onde os usuários ensaiam semanalmente as músicas, o gestual, presença de palco, além de decidir o figurino e adereços para as apresentações. Há um cuidado especial na escolha do repertório, pois são selecionadas músicas que passam mensagens de motivação, alegria e esperança.

Todos as propostas musicais passam pela aprovação dos usuários integrantes do projeto, ademais esses são oportunizados a sugerir músicas para compor a seleção a ser apresentada.

São utilizados recursos como: adaptações para facilitar a memorização das músicas, filmagem, fotografia e exercícios de respiração procurando minimizar a tensão dos usuários participantes antes das apresentações.

Constantemente, durante a oficina, a terapeuta ocupacional, coordenadora do projeto, analisa as atividades desenvolvidas e os aspectos emocionais dos usuários, averiguando se há necessidade de intervenções individuais, ou de encaminhamento para tratamento clínico.

A atuação do grupo junto à comunidade ocorre na forma de visitas musicais nos quartos dentro das instituições hospitalares.

A terapeuta ocupacional faz o contato inicial com a instituição a ser visitada e acompanha os integrantes do projeto em todas as ações desenvolvidas.

Além das visitas musicais de quarto em quarto, são realizadas apresentações nos corredores e nos postos de enfermagem para os profissionais da instituição hospitalar.

Nas visitas musicais o grupo costuma usar figurinos diferentes para alegrar e motivar ainda mais os espectadores.

Apesar do aprendizado musical não ser o objetivo em si, mas a consequência dos ensaios e dedicação dos integrantes, já que o objetivo da oficina é terapêutico, no entanto, a qualidade da apresentação e sua recepção pelo público são fatores importantes para os usuários cantores. Segundo estes, as performances são o produto final dos ensaios; e representam a superação de diversas dificuldades em relação ao transtorno mental.

Efeitos e resultados: 

Ocorreram mudanças positivas em relação ao comportamento dos integrantes, com melhora significativa em relação a autonomia e ao humor, elevando a autoestima e autoconfiança.
Com a evolução do projeto, outros resultados importantes podem ser citados:

  • Redução dos episódios de reagudização dos sintomas evitando internação para tratamento. Quando há manifestação, esses apresentam-se mais brandos;
  • Redução da medicação e de consultas psiquiátricas;
  • Aumento da autoestima e da valorização pessoal dos usuários participantes;
  • Melhora na qualidade da estadia de pacientes hospitalizados;
  • Gradativo reconhecimento e aumento de convites de entidades e hospitais para apresentações em suas dependências.
  • Melhora do ambiente e da relação entre as equipes técnicas e pacientes das unidades visitadas;
  • Os usuários tornaram-se sujeitos ativos na assistência ao próximo. Percebendo a condição do outro, adquiriram um novo papel social transmutando sua posição na sociedade;
  • Percepção da melhora nos quadros clínicos dos pacientes visitados e consequentemente redução do tempo da estadia no hospital;
  • Conforme o grupo vai se apresentando nos diversos locais da cidade e ganhando visibilidade, gradativamente os estigmas da doença mental vão sendo dissipados, fazendo com que os portadores destes transtornos possam ter uma vida pró ativa na sociedade, proporcionando assim uma inclusão mais efetiva.
  • Retorno dos participantes:
  • Outro fator importante foi que os ensaios revelaram-se um exercício de convivência, com todas as vicissitudes que surgiram ao longo do trabalho. A oficina terapêutica, é sobretudo, um espaço de socialização em que o canto é meio de aproximação e integração social. Todos esses fatores influenciaram de forma benéfica nas relações interpessoais e intrapessoais.
  • Esse convivío também desenvolveu vínculos de amizade e afeto entre os usuários do grupo, indo além das oficinas e apresentações dentro das instituições, pois passaram a combinar encontros, passeios e visitas um à casa do outro.
  • Esse trabalho em grupo ainda traz ao mesmo tempo responsabilidade e autonomia aos usuários, com acordo solidário na divisão de tarefas, conforme as possibilidades de cada um, resgatando o sujeito social e participante de sua comunidade.
  • Além dos resultados positivos alcançados naquilo que se propõe, o Clave de Sois é um projeto inovador. Considerando que em sua fase de idealização, foram realizadas diversas pesquisas, inclusive para encontrar experiências parecidas com intuito de auxiliar na sua elaboração. Contudo, de todas as pesquisas realizadas, até o momento, não foi encontrada nenhuma experiência referente a pessoas com transtornos mentais, indivíduos historicamente estigmatizados pela sociedade, desenvolvendo essas ações musicais em hospitais. Habitualmente, essas pessoas estão condicionadas a receber assistência e não realizar algo em prol de outros, caracterizando essa ação como inovadora.
Conte um pouco mais: 

“A música fez bem, bem gostosa, tocou lá no fundo, muito bom!”
(D.F. P. paciente hospitalizada)

“[…] Eu particularmente, estou na área de saúde há mais de 50 anos, vejo com bons olhos para a recuperação do paciente, a pessoa que está lá acamada, a música deixa mais alegre, dá mais sentido pra vida. […] a gente viu aquele senhor que não queria nem sair mais daqui […] ajuda na recuperação do paciente esse trabalho.”
(Hilário Dalmann - O diretor do Hospital Bethesda),

“O trabalho desenvolvido por vocês encanta, emociona, acalma a alma. O amor envolvido na música, nos gestos, no sorriso, durante as visitas do grupo ao hospital aliviam as dores, acalentam o coração dos pacientes, de seus familiares e acompanhantes e da própria equipe de saúde, todos sorrimos, choramos, nos emocionamos e certamente, revigoramos a fé no amor e na vida.”
(Graziela Riemenschneider - enfermeira coordenadora do setor de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Regional de Joinville)

“[...]A gente faz o bem com o que faz bem pra nós”.
(D.M. usuária participante do projeto)

“[…] Depois que eu entrei no Clave, […] eu consegui me libertar da maioria dos remédios, o psiquiatra agora só faço acompanhamento a cada 6 meses, já não tenho mais aquelas consultas mensais[...]”
(M.V. usuária participante do projeto)

Quando eu faço as visitas […] no hospital, eu me sinto bem, porque eu levo alegria pra eles […]. Através da música eu faço eles esquecerem os seus problemas, a sua doença.”
(D.M. usuária participante do projeto)

 

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