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Como médico e enfermeira de uma equipe Estratégia Saúde da Família nosso objetivo era atender com toda a dedicação que a saúde do ser humano merece. Investimos em sensibilizar a equipe, a gestão, o usuário e a sua família para se juntar a nós neste objetivo. Sempre defendemos a visão holística do ser humano e o conceito que a saúde tem que ser plena e sistêmica. A dicotomia saúde física/saúde mental sempre foi um paradoxo a ser desmistificado.
Dona Maria, uma idosa de classe baixa, com inúmeros problemas sociais e familiares buscou atendimento na ESF, com sério problema dermatológico e em razão disto foi encaminhada para Dermatologista, em um Centro de Especialidades, em uma cidade vizinha. Acompanhando a paciente, verificamos que após idas e vindas o problema estava só agravando. As queixas iniciais que eram prurido no tórax e membros inferiores, cefaleia, artralgia, astenia e inapetência haviam se agravado. Surgiram vesículas na pele, que se transformavam em bolhas e posteriormente em úlceras. Haviam se alastrado para os membros superiores e inclusive, em seus cotovelos. Em depressão profunda, Dona Maria estava descrente, alimentando-se e dormindo mal, devido às fortes dores que as feridas que agora tomavam conta do seu corpo, produziam. Era diabética e hipertensa, estado que estava sendo negligenciado até então. Além disto ela se sentia isolada pois todos, inclusive os familiares consideravam a possibilidade de ser uma doença contagiosa. Após uma visita domiciliar, uma Agente Comunitária de Saúde me relatou o caso e eu a orientei a trazer a paciente para uma consulta de Enfermagem comigo e após isto, uma consulta médica com o Dr Luis, médico da ESF há muitos anos e com 50 anos de experiência em Saúde Pública, com dedicação especial a pacientes com doenças infecto-contagiosas.
Após este primeiro atendimento, o caso da paciente foi discutido na reunião de equipe, como fazíamos com todos os casos mais complexos. A primeira providência foi tranquilizar a paciente e solicitar colaboração de sua parte para o tratamento, pois faríamos de tudo para que ela ficasse bem. Após verificar os antibióticos prescritos a ela por dermatologista e que pelo tempo que ela estava utilizando, verificamos que não havia melhora nenhuma. Entramos em contato com a equipe do posto de coleta municipal e o Dr Luis solicitou um exame de cultura da secreção das feridas. Além disto, concomitantemente, foram investigadas outras possíveis patologias relacionadas aos sintomas da paciente, sendo os resultados negativos.Com o resultado da cultura, verificou-se que a bactéria era resistente aos antibióticos injetáveis prescritos e utilizados há quase dois meses e que era sensível a Sulfametoxazol + Trimetropina, medicação oral e de fácil acesso, já que era dispensada na farmácia básica, ao contrário da medicação utilizada até então e com a qual, o quadro só havia piorado. Imediatamente estes medicamentos foram suspensos e iniciou-se o tratamento com esta medicação acessível e de baixo custo. Realizamos, junto com a equipe, todo um planejamento para suporte emocional e familiar para Dona Maria.
Foi fornecido uma cesta básica de alimentos, através da Secretaria de Ação social, já que ela tinha um marido acamado com AVC- Acidente Vascular Cerebral e uma filha com necessidades especiais que precisavam do cuidado dela. O filho de 25 anos, alcoolista estava afastado de casa por decisão judicial, após mais uma agressão contra a irmã. As demais filhas moravam em outro município. Com as dificuldades financeiras e alimentando-se mal esta situação contribuía para o agravamento da sua patologia. Com a ajuda da nutricionista foi elaborado um cardápio possível e adequado por conta da diabetes e hipertensão. Contatamos uma filha que morava em outro município, que no momento não poderia vir para ajudar, mas enviou um filho adolescente que deu suporte à sua avó nos cuidados com os familiares para que ela também pudesse descansar e dormir melhor, até que a própria filha pudesse vir. A equipe solicitou a sua vinda diária na Unidade de Saúde para fazer curativos e acompanhar a evolução. Contatamos a psicóloga, pois dona Maria encontrava-se em estado profundo de depressão e a incluímos no grupo da Caminhada da Paz, onde os idosos do território, além de atividades físicas, realizavam várias outras atividades lúdicas, sociais e de educação em saúde.
A recuperação foi surpreendente e dona Maria, em pouco tempo, só tinha cicatrizes em seu corpo, recuperou peso e o que foi mais importante: a alegria de viver!
Nossa prática na ESF foi criar um ambiente saudável para a equipe e desta forma dar condições à equipe de acolher a comunidade.
Implementamos os grupos de caminhada, de hipertensos e diabéticos, pré natal, puericultura, saúde da mulher, saúde do homem, passeios ciclísticos envolvendo toda a comunidade, comemoração de datas especiais festivas com cardápios saudáveis e apresentações artísticas produzidas pela equipe e pelos usuários, integração com a comunidade escolar, promovendo práticas como desfiles de 7 de setembro e carnaval com os idosos e os escolares, atividades em período noturno para dar oportunidade de participação da comunidade, equipe preparada para acolher e dar suporte aos casos de violência contra a criança a mulher e o idoso, etc. O atendimento odontológico era integrado a todos os programas e de excelente qualidade.
Um caso considerado difícil, com solução baseada no acolhimento e na humanização que são essenciais na atenção primária a saúde.
Aborda a problemática do idoso vulnerável, que contava com o atendimento especializado que não volta o seu olhar para o ser humano integral, desperdiçando tempo e insumos ao se pular etapas simples na abordagem do problema de saúde da população do território de uma Estratégia Saúde da família.
Este caso denota a forma como os problemas dos demais pacientes eram vistos pela equipe e que se tornou uma rotina da equipe este olhar compartilhado na busca de soluções.
A motivação é o orgulho de ser um trabalhador do SUS, discutir os problemas com a equipe e buscar soluções conjuntas, envolvendo também a rede de apoio assistencial. Fortalecer a equipe para que ela tenha sempre o olhar voltado para o atendimento integral e se dispor a buscar novos olhares compartilhando a busca de soluções com a equipe, com a gestão e com usuários e suas famílias. Co-responsabilização na busca de melhores condições de vida e assim melhorar as condições de saúde.
Inquietações: não se deixar contaminar pelo pessimismo, pelo jargão que o SUS não é viável e principalmente não deixar prevalecer o pensamento de que a doença é o nosso foco, porque o foco deve ser sempre a saúde!
Este foi apenas um relato de um caso difícil e de sucesso. A Estratégia Saúde da Família do bairro Vila Rica atende famílias, em sua grande maioria, de baixa renda e com todos os problemas associados a esta condição. Mas que buscou se destacar com um atendimento diferenciado, buscando a parceria das famílias, das escolas, do comércio e de todas as demais instituições do bairro e do município: Pastoral da criança, secretarias municipais de educação, de ação social, de obras, da agricultura, Conselho Tutelar e Conselho Municipal de Saúde, Polícia Militar e Civil e outras afins.
- Promover a saúde através de todos os programas que realizávamos, buscando esforços de toda a equipe e fora dela para compreender os fundamentos para a elaboração de plano de cuidado de atendimento integral do cliente sob sua responsabilidade.
- Acolher e atender a população do território em suas necessidades de saúde e afins, através da demanda espontânea e da busca ativa das necessidades através de visitas domiciliares da equipe.
- Buscar a resolutividade/resolubilidade da demanda da população adscrita.
- No caso específico da Dona Maria, resolver os problemas relatados por ela e detectados pela equipe.
Este exemplo que parece simples, mas que se não fosse pelo olhar atento da equipe ESF e da soma de esforços para solução da problemática, poderia ter sido fatal para a usuária, que além de tudo era diabética, o que agravava o seu quadro.
Assim como o caso da Dona Maria, sempre procuramos fazer um trabalho de equipe, com um olhar diferenciado, que iniciava pela prática das ACSs com seu olhar na comunidade e passava pelas técnicas de Enfermagem, pela Odontologia, pelo médico ou médicos, quando veio um médico cubano se somar à Equipe e enfim a todos. O acolhimento acontecia inclusive pela auxiliar de limpeza que era capacitada como todos os demais membros da equipe, em reuniões internas semanais e outras capacitações realizadas pela gestão.
Em várias atividades que envolviam a comunidade, convidávamos a gestão para que houvesse a oportunidade de observar o lado positivo da integração da comunidade e usuários com aqueles que estão à frente de políticas públicas necessárias para melhorar a qualidade de vida dos munícipes.
Foi a primeira ESF do município a ser certificada pelo PMAQ, Programa de melhoria do acesso e da qualidade da Atenção básica.
Apesar de o município não contar com CAPS, Centro de Apoio Psicossocial à época, e um NASF, Núcleo de Apoio a saúde da família eu havia feito o curso de tutora pela ENSP/Fiocruz e nós buscávamos o apoio dos profissionais lotados em outros locais de trabalho a fim de fazer com que o trabalho da nossa equipe tivesse mais qualidade, o que se traduzia em resultados.
Utilizávamos a mídia para envolver a comunidade e a Unidade de Saúde sempre foi reconhecida como referência, inclusive pessoas que não pertenciam ao território queriam buscar o atendimento ali.
A avaliação de nota máxima pela equipe externa do PMAQ e dos usuários, foi uma forma de avaliar como positiva a visão desta equipe que se destacou no trabalho de Estratégia Saúde da Família.