Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Auriculoterapia como abordagem de cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial de Salvador/Bahia

A utilização da auriculoterapia no campo da saúde mental proporcionou uma visão ampliada e integral da saúde, pois contemplou a compreensão das dimensões do ser humano: corpo, cultura, emoções, espiritualidade, contexto social.
Salvador - BA
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Ms.Karla Adriana Ferreira Beckman - Autora Dra. Ana Maria Fernandes Pitta - Coautora Dra. Barbara Pompeu Christovam - Coautora
Instituições vinculadas: 
Universidade Católica do Salvador(UCSAL) Prefeitura Municipal de Salvador (PMS)
Resumo afetivo: 

Em um determinado momento da minha vida profissional, especificamente no ano de 2014, resolvi pensar em mudanças no meu processo de trabalho enquanto Terapeuta Ocupacional. Essa mudança foi estudar acupuntura e auriculoterapia para produzir saúde a partir de um olhar mais integrativo do sujeito. Após dois anos de estudo, em 2016, resolvi elaborar um projeto de intervenção usando a auriculoterapia como ferramenta de cuidado no CAPS em que atuo.

Com ajuda dos profissionais do serviço, especificamente a psiquiatra, conseguimos montar um grupo para atendimento. Em poucos meses começaram a chegar os resultados relatados pelos usuários que estavam em acompanhamento com auriculoterapia. A partir desse trabalho veio o desejo de estudar as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) no campo da Saúde Mental; e assim fui fazer o mestrado em 2017. Para minha surpresa conseguir passar na primeira tentativa e como produto saiu o trabalho com o seguinte tema: "As práticas Integrativas e Complementares como recurso de cuidado nos Centros de Atenção Psicossocial no município de Salvador/Bahia.

No período compreendido de 2017 a 2019 observei a importância das PICs no campo da Saúde Mental como estratégia importante para cuidar dos usuário de Saúde Mental no município de Salvador/Bahia, identificando na rede de atenção psicossocial os CAPS que estavam realizando PICs.

Até hoje continuo desenvolvendo meus atendimentos no CAPs usando não apenas a auriculoterapia, mas também relaxamento, aromaterapia, barras de access, entre outras técnicas como por exemplo, a acupuntura.

Observo dificuldade para realização deste trabalho, pois infelizmente as PICs no município de Salvador ainda não foram implantadas e implementadas, dificultando ampliação dos atendimentos a outros usuários em outros níveis de atenção à saúde.

 

Contexto: 

O modelo assistencial em saúde mental prevê um serviço que busque integrar pessoas a um ambiente social e que desenvolva ações que proporcione independência na vida, melhor adaptação na família e na comunidade. Para isso, surge o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que tem por finalidade prestar atendimento diuturno às pessoas que sofrem transtornos mentais severos e persistentes oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, evitando internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social.

Com a necessidade de ampliar o cuidado e a aplicabilidade de práticas que promovam a promoção da saúde, a prevenção de agravos, melhora nas condições de bem-estar físico, mental e social do usuário, surge uma nova modalidade de acompanhamento do processo saúde-doença no SUS chamado de Práticas Integrativas Complementares – PICs, que são sistemas médicos complexos que possuem teorias próprias sobre o processo saúde-doença, diagnóstico e tratamento.

As práticas integrativas complementares foram incluídas no SUS através da Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006, aprovando, sob a forma de anexo, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Nessa portaria, estão incluídas as seguintes práticas: Medicina Tradicional Chinesa / Acupuntura (MTC/Acupuntura); Homeopatia; Fitoterapia, Termalismo Social e Crenoterapia.

Além dessas práticas, foram incluídas, no ano de 2017, mais 14 práticas integrativas, com a publicação da Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, a saber: Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e Yoga.

Em 2018, através da publicação da Portaria nº 702, de 21 de março de 2018, foram incluídas mais 10 práticas integrativas, a saber: aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais. Estas, juntamente com as anunciadas anteriormente, totalizam 29 práticas oferecidas à população brasileira.

As primeiras práticas integrativas foram implantadas e implementadas no SUS pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, objetivando ampliar a atenção à saúde da população em geral. Partindo dessa lógica, elas foram sendo implementadas de maneira gradativa na atenção básica. De acordo com o relatório de gestão 2006-2010/MS, os estados do Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo foram os primeiros a regulamentarem as PICs.

Sendo assim, as práticas integrativas e complementares vêm com a finalidade de compreender o sujeito na sua totalidade, contrapondo-se à visão altamente tecnológica de saúde que impera na sociedade de mercado dominada pelas indústrias farmacêuticas, pelos planos de saúde, com objetivo de gerar lucros e fragmentar ao máximo o tratamento do paciente em especialidades médicas, e, com isso, certamente não conseguirá tratar o sujeito, mas, sim, a doença.

Portanto, no atual contexto de crise da saúde pública vivida pela população, nada mais estratégico e benéfico do que tentar construir estratégias de cuidado preventivo ou divulgar a realização das práticas integrativas e complementares pelo SUS, como formas de cuidado, tanto na atenção básica como nos CAPS.

Motivações: 

No período de 2014 a 2016, o CAPS funcionava de forma ambulatorial, com poucas propostas de oficinas terapêuticas, e isso me deixava bastante chateada. Então a partir desse incomodo, pensei em buscar novas estratégias para poder atender os usuários de saúde mental.O CAPs II é o único serviço de saúde mental do distrito Sanitário de Pau da Lima, atende preferencialmente usuários com transtorno grave e moderado.

Com a decisão de fazer a especialização em Medicina Tradicional Chinesa (acupuntura e auriculoterapia), planejava poder propor o uso desta ferramenta para nossos usuários, já que muitos deles não conheciam.

A auriculoterapia é um ramo da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que utiliza-se do pavilhão auricular para tratar problemas físicos e emocionais. A orelha é um microssistema e partir de pontos localizado na orelha podemos tratar diversas doenças.

A implantação da atividade envolvendo a auriculoterapia começou após apresentação do projeto para equipe do serviço. Os primeiros usuários foram encaminhados pelos técnicos de referência para participar do atendimento. Cada usuário permanecia em média realizando 12 sessões (duração de 3 meses).

O atendimento usando auriculoterapia continua sendo realizado, pois tenho tido diversos resultados com usuários, e isso continua motivando-me a continuar com essa proposta, porém, ainda não tenho apoio da gestão para compra dos materiais necessários para continuar, todo material é comprado por mim.

 

Parcerias: 

O CAPS II Pau da Lima, serviço de saúde mental da Prefeitura Municipal de Salvador, a qual sou funcionária estatutária e que oferece atendimento aos familiares e usuários de saúde mental.

A Universidade Católica do Salvador (UCSAL) instituição em que realizei meu mestrado, com Orientação das Professoras Dra. Ana Pitta e Dra. Barbara Pompeu que tem me acompanhado durante essa trejetória.

Agradeço imensamente a participação de vocês.

Objetivo: 
  • Propor aos usuários do CAPS II uma nova abordagem de cuidado no campo da saúde mental;
  • Diminuir o uso de benzodiazepínicos pelos usuários;
  • Promover melhora na qualidade de vida dos usuários de saúde mental;
Passo a passo: 

Inicialmente, foi escrito um projeto terapêutico para apresentação em reunião de equipe do CAPS. Após a apresentação, foi conversado com a médica psiquiatra para que pudéssemos atender aos usuários com maior demanda por benzodiazepínicos no CAPS e quem apresentasse diagnóstico de depressão, transtorno de ansiedade e síndrome do pânico. Para iniciar os atendimentos, os técnicos de referência ficaram responsáveis por encaminhar os primeiros usuários para o grupo de atendimento.

Os atendimentos eram realizados semanalmente com a utilização apenas de sementesde colza na orelha. Inicialmente, foi realizada avaliação individual com objetivo de promover escuta qualificada e humanizada do processo saúde-doença, abordando aspectos dimensionais como família, trabalho, sintomas, questões sociais entre outros. No primeiro encontro realizou-se explicação sobre os conceitos da auriculoterapia, a metodologia que seria utilizada durante o tratamento e os benefícios da técnica.

Cada usuário recebeu 12 sessões de auriculoterapia. Semanalmente os usuários eram avaliados e ajustados os pontos auriculares a partir da demanda de cada sujeito. Ao final das 12 sessões, os usuários foram avaliados para identificar quem continuaria ou quem poderia ter alta do atendimento.

Efeitos e resultados: 

Ao final das 12 sessões os usuários respondiam a seguinte pergunta: O que mudou na sua vida após participar do atendimento de auriculoterapia? Como resultado, observou-se que os mesmos relataram melhora do quadro clínico, ou seja, diminuição da ansiedade, insônia e medicação, melhor relação familiar, disposição para realizar atividades domésticas, empoderamento social, entre outros. Também avaliaram a PIC como indolor, segura e eficaz no tratamento proporcionando uma melhora da qualidade de vida. Além disso, referiram que a PIC favoreceu a realização de escuta acolhedora e o desenvolvimento de vínculo terapêutico com o profissional capaz de empoderá-lo para o seu ambiente social.

Portanto, a utilização da auriculoterapia como uma PIC possibilitou a efetivação dos princípios do SUS como a universalidade, acessibilidade, a integralidade, humanização, equidade e participação social, uma vez que possibilitou a esta população o direito a uma abordagem holística de saúde possibilitando a constituição de uma nova forma de inclusão social e de produção de subjetividades. Além disso, proporcionou resultados significativos na vida dos usuários no que se refere a diminuição do uso excessivo de medicação e consequentemente seus efeitos colaterais.

Conte um pouco mais: 

A partir deste trabalho foi necessário escrever um capítulo de um livro dentro da Revista A interface da Terapia Ocupacional no contexto Multiprofissional da educação, Saúde, Previdência e Assistência Social, Volume 4: práticas integrativas e complementares. O capítulo do livro tem como temática: Auriculoterapia como abordagem de Cuidado no Campo da Saúde. Este material foi descrito apresentando os seguintes tópicos:

  1. Introdução as bases da MTC;
  2. Histórico e conceito da Auriculoterapia;
  3. Linhas de Raciocínio da Auriculoterapia;
  4. Principais Técnicas e Recursos Terapêuticos em Auriculoterapia;
  5. Vantagens da Auriculoterapia e
  6. Aplicabilidade no Campo do SUS - tendo dois relatos de experiências.