Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Ações intersetoriais articuladas por profissionais de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no cuidado à população em situação de rua (PSR)

Prestar cuidado à PSR exige articulação de uma rede que seja integrada, ações devem ser articuladas com outros setores, como o campo da saúde, da assistência social, educação, além da necessidade de mais políticas públicas à voltadas à população de rua, mas com garantia de que seus direitos seja respeitados. Todos profissionais envolvidos devem promover discussões nesse sentido para a concretização e efetivação dos direitos dessa população."
Belo Horizonte - MG
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Shirley P Almeida; Chen Laura; Luiza de Castro e Machado; Lilian Machado Torres; Alline Dias da Cruz
shirley.almeida@cienciasmedicasmg.edu.br
Resumo afetivo: 

Como Enfermeira de Saúde da Família, Gerente de Unidade Básica de Saúde e docente do Curso de Enfermagem, me aproximei da realidade das pessoas em situação de rua, em diversos cenários: no território-rua, nos abrigos e na unidade básica de saúde ao buscarem por cuidados. Na minha trajetória profissional tive a oportunidade de estar junto às equipes multiprofissionais, tanto da saúde quanto da assistência social, que enfrentam o desafio cotidiano de prestar um cuidado humanizado e integral à essa população tão fragilizada e tão vulnerável. A interlocução entre esses profissionais, as ações conjuntas que realizam, as mediações que fazem com outros setores, dando voz a essa população, partem da compreensão do quanto se faz necessário juntar esforços para que o cuidado seja efetivamente realizado junto a essa população. É necessário superar barreiras, preconceitos, paradigmas.

Contexto: 

O fenômeno população de rua, caracterizado por pessoas que vivem em situação de rua, em condições de pobreza extrema, sem acesso a trabalho, a bens materiais e sociais, ou seja, socialmente excluídos, e com vínculos familiares precários, tem sido considerado um fenômeno complexo, de múltiplas facetas, de amplos desafios, e presente em diversas sociedades, há décadas. Estudos revelam um aumento significativo do número de pessoas que são excluídas das estruturas convencionais da sociedade, os chamados moradores de rua, mais vulneráveis às questões psicossociais geradoras de sofrimentos físicos e emocionais, o que possibilita riscos para saúde desse grupo. Dados do 3º Censo de População em Situação de Rua (PSR), em 2013, realizado por meio de uma parceria entre o Centro Regional de Referência em Drogas (CRR-UFMG) e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e, posteriormente, dados da PBH de 2016, revelam um aumento dessa população de 1.827 para 3.000 mil Pessoas em Situação de Rua (PSR).

Motivações: 

Estudos e evidências sobre PSR, a diversidade de ações e profissionais que podem estar envolvidos na atenção à PSR, fez emergir algumas indagações, tais como: Que profissionais da saúde estão envolvidos na atenção à PSR, na Unidade Básica de Saúde(UBS), Quais ações de saúde desenvolvidas por eles? Que ações intersetoriais são articuladas para atender à PSR? Que dificuldades estes profissionais enfrentam no desenvolvimento da atenção a saúde voltada à PSR?

Parcerias: 

A partir das indagações, buscou-se realizar pesquisa exploratória e qualitativa, sobre ações desenvolvidas por profissionais de saúde na atenção à PSR, em UBS no município de Belo Horizonte, que é referência no atendimento à PSR. Durante a pesquisa de campo foi possível observar a presença da PSR na UBS, o atendimento prestado à essa população, a forma como são acolhidas as suas demandas. Foram realizadas entrevistas junto aos profissionais que prestam atendimento a essa população.

Objetivo: 

Identificar as ações intersetoriais articuladas por profissionais de saúde de uma UBS envolvidos na atenção à PSR.

Passo a passo: 

O estudo foi realizado, após aprovação no comitê de ética e pesquisa tanto da instituição de ensino quanto da instituição onde foi realizada a pesquisa. Foram entrevistados 16 profissionais, sendo eles: profissionais da equipe de saúde da família para PSR, equipe S.Bucal/PSR, equipe de Consultório na Rua(CnaR), profissionais de apoio da UBS (psiquiatra, psicologo, assistente social). Foi utilizado um roteiro de entrevista com questões semi-estruturadas, que permitiu a livre expressão do entrevistado. As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas ao processo de análise (Bardin, 1977), o que possibilitou identificar os temas emergentes e sua categorização.

 

Efeitos e resultados: 

A partir dos dados coletados e análise foi possível identificar o perfil dos profissionais entrevistados, conforme, tendo como características: 12 são mulheres (75%) e quatro homens (25%), 11 profissionais nível superior (68,7%) e cinco profissionais de nível médio (31,3%). Dentre as categorias profissionais, encontram-se três enfermeiros (18,7%), três psicólogos (18,7%), dois assistentes sociais (12,5%), dois médicos (psiquiatra, generalista) (12,5%), dois técnicos de enfermagem (12,5%), dois ACS (Agente Comunitário de Saúde) (12,5%), um dentista (6,3%) e uma técnica de saúde bucal (6,3%). Quanto ao tempo de trabalho, 50% têm em média de 1 a 5 anos de trabalho junto a PSR, 28,6% têm de 6 a 10 anos, 14,3% tem de 11 a 15 anos e 7,1 têm mais de 15 anos de trabalho. Destes profissionais, identificou-se aqueles que compõem a equipe de SF para PSR: dois técnicos de enfermagem, dois ACS e um médico generalista. Esta equipe, no momento da realização da pesquisa, estava sem o Enfermeiro, que aposentou-se, e em falta de dois ACS que solicitaram exoneração do cargo.

A equipe de Saúde Bucal para PSR é composta por: um Cirurgião-dentista, um Técnico de Saúde Bucal (TSB), um Auxiliar de Saúde Bucal (ASB), apenas o ASB não participou da pesquisa. Os outros profissionais participantes desse estudo compõe a equipe de apoio à equipe de SF para PSR, e são compostos por dois enfermeiros, dois psicólogos, um Assistente Social, um médico Psiquiatra e a equipe de CnaR, que é composta por dois Assistentes Sociais, um Enfermeiro e um Psicólogo, um Agente Redutor de Danos e um Arte Educador. Da equipe de CnaR não participaram da pesquisa o Agente Redutor de Danos e um Arte Educador, pois não se encontrava presentes nos dias agendados para a entrevista.

O processo de análise revelou quatro categorias temáticas, dentre elas: Identificando as ações intersetoriais articuladas por profissionais na atenção à PSR. As ações articuladas pelos entrevistados para prestar cuidado integral à PSR envolvem outros equipamentos da saúde e Assistência Social, de acordo com as especificidades do caso. Os entrevistados reconhecem os equipamentos como parceiros na tecitura de uma Rede de Atenção à Saúde (RAS) que acolha as necessidades da PSR. As ações intersetoriais articuladas e destacadas pelos profissionais foram: reuniões intersetoriais para discussão de casos, elaboração de Projeto Terapêutico Singular com a participação de diversos profissionais de diversos setores (saúde, assistência social, gestores, educação, ONG), que se constituem também como atividades de matriciamento, a partir da interlocução de diversos saberes e práticas, com participação de profissionais, p.exemplo: de referência em saúde mental, de atendimento psicossocial. Essas reuniões acontecem em diversos cenários: UBS, na UPA, na Maternidade, no CREAS, mediadas pela equipe PSF/PSR e equipe Saúde Mental, a partir de um planejamento prévio. Além disso, realização de projeto de reinserção social, proposição de outras estratégias de acolhimento e abordagem à PSR, planejamento do CIEC (Condução Involuntária para exames e cuidados) com articulação prévia de toda rede e de atores necessários; planejamento e realização de ações de promoção de saúde em espaços públicos, nos albergues, abrigos; acompanhamento da pessoa em situação de rua, nos diversos pontos da rede, para realização de consultas e exames; visita na rua e atendimento conjunto com participação de diversos profissionais. Dentre os diversos parceiros temos: profissionais das equipes de CnaRua, dos CAPS, das Unidades de Pronto Atendimento (UPA),Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), dos Albergues e Abrigos, do Restaurante Popular, dos Hospitais, Pronto-socorro, maternidades.

No entanto, observa-se que prestar cuidado à PSR exige um grande esforço desses profissionais para a integração da RAS, para articular as ações com outros setores e outras políticas públicas. Cabe aos profissionais envolvidos promover debates junto a outros profissionais quanto aos desafios que enfrentam como a expertise desses profissionais no cuidado à PSR. Os resultados desse estudo retratam a experiência de profissionais de UBS que atendem PSR, o que pode não representar outras realidades, mas que podem ser úteis para estudos que abordem estratégias de atendimento, captação e inserção da PSR na RAS.

Conte um pouco mais: 

Relatos de outros autores:
Compartilho com vocês falas de alguns entrevistados que exemplificam o cuidado desses profissionais junto à PSR.

“[...] porque às vezes a UPA acolhe muito os nossos pacientes. Então, a gente troca figurinha com a UPA, com as especialidades na medida do que é necessário [...]”. (P11).

“[...] muita coisa a gente ajuda, adolescente, gestante, conseguimos acompanhar [...] é legal. Têm idosos que falam suas vidas, uma parte é satisfatória, conversamos com eles, os acompanhamos. É bom, por um lado é bom trabalhar com a população de rua, quando você vê os resultados quando os resultados são gratificantes é muito bom.” (P14).

“Tem as ações de atendimento clínico em si, e a construção do caso terapêutico que constrói junto com uma equipe como vai ser a condução desse caso, melhor forma de trabalhar, melhor manejo com o caso, qual é a intervenção de cada um da equipe, no caso.” (P1).

“Então, refaz-se a história dele, introduz-se a história dele no contexto da clínica em geral e constrói-se junto, com os demais, de forma intersetorial, a assistente social, clínica médica, enfermagem, zoonose, educação, trabalho, moradia, um projeto terapêutico a partir de cada sujeito, chama-se projeto terapêutico singular.” (P12).

“Nosso trabalho é itinerante, nós chegamos num campo onde o usuário está fazendo o uso, fazendo ou não o uso da droga, no local onde ele costuma fazer o uso. E nós perguntamos se podemos chegar, se ele aceita conversar. Nossos insumos são águas, nós trabalhamos com redução de danos.” (P8).

“[...] tem também o arte educador, que é extremamente importante na equipe, porque ele nos ajuda a fazer oficinas na rua, principalmente com as crianças e com os adolescentes, o arte educador nos ajuda muito no momento ali, onde todo mundo está fazendo uma arte, pintura ou mesmo brincadeira, é o momento dos profissionais estarem trabalhando, fortalecendo vínculo, se encontrando em uma ou outra situação que não do cotidiano deles.” (P12).