Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Ações de saúde bucal integral a crianças e adolescentes em situação de violência sexual em Belém/PA: um relato de experiência

 Educação em saúde e autocuidado como formas de empoderamento e enfrentamento da violência.
Belém - PA
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Glória Beatriz dos Santos Larêdo, Kelly Lene Lopes Calderaro Euclides, Antônia Taiane Lopes de Moraes, Jakeline Costa Magno, Anna Victória Costa Serique, Milene Maria Xavier Veloso, Liliane Silva do Nascimento
glorialaredo27@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Instituto de Ciências da Saúde (Universidade Federal do Pará); Faculdade de Odontologia, (Universidade Federal do Pará); Hospital Universitário João de Barros Barreto; ProPaz, Integrado – Santa Casa de Misericórdia.
Resumo afetivo: 

Trabalhar com crianças e adolescentes em situação de violência foi e ainda é um verdadeiro desafio, pois primeiramente, como mulher, cidadã e profissional da saúde, é conflituoso lidar com a gama de sentimentos que a situação desperta já que não é raro se deixar envolver pelas questões e dificuldades familiares, da morosidade da justiça, da revolta e impotência, do saber cuidar daquela criança/adolescente. Porém, (reafirmando) como profissional da saúde, é nosso dever estarmos preparados para superar os desafios que a nossa vocação pede, o cuidado com o outro. E durante o decorrer deste projeto, é incontável os frutos que colhemos. Foram muitos aprendizados, muitas vezes em que precisávamos retroceder e estudar, muitas vezes que precisávamos saber ocupar nosso espaço dentro da rede de proteção e cuidado a crianças e adolescentes em situação de violência, muitas vezes que foi preciso fortalecer vínculos - criar muitos outros e no fim, isso só nos amadureceu, nos preparou para viver esta arte desafiadora que é cuidar do outro.

Contexto: 

Apesar da violência contra criança e o adolescente não ser algo local e restrito, observa-se e vivencia as desigualdades sociais e econômicas entre as regiões brasileiras. A região norte possui características que a diferenciam do restante do país, seja geograficamente, seja culturalmente, e com isso, nota-se o quanto afetadamente nossas crianças e adolescentes encontram-se desprotegidas nas regiões das ilhas, nas regiões com intensa presença de "grandes projetos", na área urbana, em meio à pobreza e muitas vezes ausência do Estado, são postas a casos de abuso e exploração sexual. Não se tem a real dimensão de quantos casos ocorrem no país, pois o silêncio, o tabu, o mito e preconceito rodeiam a situação de tal forma que as notificações registradas nos sistemas de informação não refletem de maneira nenhuma o cenário brasileiro. 

Entendendo o SUS como um dos maiores sistemas de saúde do mundo pertencendo a todo e qualquer cidadão brasileiro, baseado em seus princípios de universalidade, integralidade e equidade, faz se necessário criar e fazer valer medidas que visem o cuidado e assistência integral a saúde do menor em situação de violência proporcionando o resgaste ao seu bem estar e qualidade de vida com atendimento multiprofissional e medidas que estimulem seu empoderamento e autonomia. Neste sentido, foi pensado em um projeto que não apenas pesquisasse sobre este fenômeno, mas promovesse ações que de alguma forma, modifiquem ou "provoquem" a realidade local, que promova na sociedade a discussão sobre problemas que acontecem dentro dela e que ela insiste em não ver (muitas vezes), que faça com que a universidade pública mostre o seu papel extensionista e irradiadora de novas visões, de ator, de agente ativo nas questões sociais. Apesar ter muitos dispositivos legais no Brasil que protejam crianças e adolescentes da violência, é necessário o enfrentamento real deste problema dada a complexidade e os fatores que a envolvem - culturais, políticos, machismo, questões sociais e econômicas, dentre outras.

Motivações: 

A Violência contra a criança e ao adolescente é um fenômeno global grave que ainda está enraizado na sociedade. Não reconhece classe social, gênero, extrapola os limites do âmbito social tornando-se um problema de saúde pública. Apesar de todos os dispositivos legais institucionalizados no Brasil para proteção integral desses menores como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estas práticas são vivenciadas rotineiramente e desencadeiam processos extremamente nocivos comprometendo o desenvolvimento, a autoestima, a saúde física e mental da criança e do adolescente, podendo ainda repercutir em sua vida adulta.

Parcerias: 

O projeto “Ações de saúde bucal integral a crianças e adolescentes em situação de violência sexual em Belém/PA” foi um dentre outros projetos de extensão aprovado e financiado pela Pró – Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará, como forma de disseminar, fomentar e conceber aos graduandos desta universidade, a experiência na extensão, de troca de saberes com a comunidade, ser um elo entre a universidade e a sociedade, e desta forma, o referente projeto ocorreu no Propaz Santa Casa, onde um grupo de discentes do curso de Odontologia realizavam as atividades extensionistas por meio da educação em saúde bucal como forma de contribuir para o autocuidado e empoderamento de crianças e adolescentes que encontravam-se em situação de violência e vulnerabilidade e por entender que a presença do Cirurgião-Dentista nestes espaços reforça o cuidado integral para com esses menores além de resgatar neles, o que há de mais belo e simples no ser humano, o sorriso.O projeto contou com o apoio do Centro de Especialidades Odontológicas do Hospital Universitário João de Barros Barreto e da Faculdade de odontologia (UFPA) para o atendimento clínico destes menores. Além de contar com uma rede de mais de 10 colaboradores entre os quais se destacavam professores, psicólogos, mestrandos em saúde coletiva, residentes em Saúde da Família e voluntários de instituições do ensino privado. O publico alvo eram crianças e adolescentes de ambos os sexos e compreendidos na faixa etária de 0 a 18 anos incompletos em situação de violência e vulnerabilidade que buscavam atendimento no Propaz. 

Objetivo: 

Promover cuidado a saúde bucal destes menores, através de ações e estratégias de promoção de saúde. Incentivar o empoderamento, o autocuidado e a autopercepção em saúde. Estabelecer nos
locais de atuação um serviço odontológico integrado baseado em atividades educativas e serviço de triagem.

Passo a passo: 

As ações de saúde bucal foram constituídas por metodologias ativas como: rodas de conversa, gincanas, escovódromo, confecção de porta escova a partir da garrafa pet, oficina de pintura, dentre outras. As temáticas que norteavam as atividades eram sobre o impacto da violência a saúde geral e bucal, cuidados em higiene oral, técnicas de escovação, uso do fio dental, hábitos alimentares saudáveis e autocuidado. As tecnologias utilizadas eram leves e leve - duras, como utilização de macromodelo bucal para orientação de higiene oral, cartazes e folders com informações a respeito das temáticas descritas anteriormente. E todas estas ações ocorriam na brinquedoteca e sala de espera do Pro Paz, ou seja, na rotina do próprio serviço, compartilhada e vivenciada com os outros profissionais que lá trabalhavam.

Efeitos e resultados: 

Estas ações promoveram verdadeiras transformações em todos os atores envolvidos, no sentido de que as experiências individuais frente a esta abordagem trouxeram resultados importantes não apenas para cada um, mas, sobretudo para o coletivo, e que serão discutidos distintamente a seguir:

Alunos: Durante a graduação em Odontologia, não há uma abordagem técnica e precisa a este grupo de crianças e adolescentes, no sentido de que, menores em situação de vulnerabilidade e violência necessitam de uma atenção diferenciada, pois os efeitos negativos recorrentes do ato violento modificam a relação que este menor poderá apresentar, bem como a presença de algum trauma físico ou patologia, mitos, tabus, além do envolvimento familiar que muitas vezes é delicado. O olhar clínico e humano apurado a percepção da violência ou de que algo não está “certo” requer preparo, sensibilidade, conhecimento e atitude do aluno e do próprio profissional da saúde para tomar as providencias cabíveis, como notificar o caso, por exemplo. Então, para os discentes do curso de Odontologia, este projeto os convidou para reflexão, para o esforço conjunto, para atuar na integralidade do cuidado, ver e perceber o outro além da sua área de atuação, que muitas vezes é tão centrada, local e restrita. Foi um desafio conhecer o desconhecido e ao mesmo tempo uma realidade tão próxima cercada por tabus e silêncios, trocar e compartilhar com estes menores, os saberes e práticas em fazer saúde, construir a saúde de forma bilateral: entre a universidade e sociedade representadas naquele momento pelo aluno e pela criança.

Serviço: O Propaz Integrado (atualmente ParáPaz) é um programa do Governo do Estado do Pará criado para articular políticas públicas voltadas a crianças e adolescentes fomentando a cultura de paz. No Propaz Santa casa não havia a presença do Cirurgião – Dentista, e a parceria instituída com a universidade, criou laços que implementaram nestes espaços a presença e contribuição deste profissional, disseminou o fortalecimento da equipe multidisciplinar e da rede de apoio e proteção da criança e do adolescente.

Crianças e adolescentes: Foram mais de 100 crianças e adolescentes participantes do projeto apenas no período vigente, que foram essenciais na construção e fortalecimento de medidas de enfrentamento a violência infanto-juvenil. Cada retorno, cada barreira vencida, cada fala, cada afeto, cada sorriso resgatado foram resultados da vitória de cada um destes menores em seu processo de desenvolvimento, empoderamento e superação no combate a violência sofrida, utilizando o autocuidado, o autoconhecimento, a autopercepção sobre sua saúde e seu corpo como forma de se transformarem em seres autônomos, ativos e transformadores da sua própria realidade.

Sociedade: Durante a vigência do projeto, houve a confecção de banners, cartazes e folders pela própria equipe e implantados nestes espaços, bem como criação de cursos sobre a notificação compulsória para profissionais de saúde, além de palestras e encontros, desenvolvimento de artigos, publicações, livros disseminados na comunidade científica. Foi um esforço realizado
para que o enfrentamento a violência infanto-juvenil seja verdadeiramente coletivo, pois é dever do Estado e da Sociedade proteger a criança e o adolescente (ECA, 1990).