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A Iyalorixá Dora Barreto, Mãe Dora de Oyá, assim descreve seu empenho, os desafios, motivações e as alegrias na realização do Projeto: “Uma pessoa com autoestima não tem nada que afeta, nada. Então eu acho que é isso, você tem que trabalhar essa coisa, porque autoestima baixa é doença, assim como a depressão e uma série de outras coisas. Porque tem uma meninada aí que precisa, e merece. Eles merecem uma oportunidade, merecem uma chance, tem que ser diferente. Eu vejo o terreiro com um espaço de fazer política também, no meu é assim”.
O Ilê Axé T’Ojú Labá, criada em 2007 pela Iyalorixá Dora Barreto “Mãe Dora T’Oyá”, hoje Ponto de cultura e Associação Religiosa e Cultural Quilombo T'Ojú Labá, tem como objetivo a promoção e valorização da religiosidade, cultura e saberes dos povos e comunidades de matriz africana no Brasil.
A diáspora dos africanos escravizados trouxe uma carga social, religiosa e cultural intensa, portanto, fundamentais para compreensão da história brasileira. Entende-se que Povos e comunidades tradicionais de matriz africana são como se definem, no Brasil, grupos que se autoidentificam e que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos por africanos escravizados.
Diante do exposto as iniciativas que vêm sendo desenvolvidas objetivam manter a memória e salvaguardar as formas de expressão e preservação da ancestralidade por meio da produção de Rodas de Samba, ensino de música, formação de grupos musicais, oficinas, livros, organização e participação de palestras, saraus, além de outras ações educativas.
O candomblé é uma religião afro-brasileira que se constituiu no Brasil a partir do século XIX como territórios autônomos, caracterizados pela vivência solidária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à sua comunidade e comunidades próximas, em sua maioria localizadas em áreas de vulnerabilidade social.
Ao longo desses 14 anos as diversas frentes de atuação da Associação são responsáveis por envolver a comunidade e promover os bens culturais afro-brasileiros para além dos muros do terreiro, contribuindo para o reconhecimento e valorização das manifestações de matriz africana na luta contra o racismo, discriminação e intolerância religiosa. Além de colaborar com a formação sociocultural e comunitária.
O foco da Associação e do Ilê T’Ojú Labá nos últimos anos está estruturado em 4 eixos: saúde e cura; educação; cultura e meio ambiente e alimentação.
O Ilê Axé T’Ojú Labá fica localizado na zona rural da Região Administrativa de Santa Maria – DF, exatamente na divisa com o Jardim ABC, bairro da Cidade Ocidental, Goiás. Essa região referida como “entorno” do DF, que por sua vez, também fica distante das maiores cidades do Goiás, tem sua condição de vulnerabilização intensificada. O Jardim ABC, comunidade atendida pelo Projeto “ABC Musical”, dista 45km de Brasília, 20km do centro da Cidade Ocidental e mais de 200km da capital goiana, Goiânia. São mais de 15 mil habitantes que moram na região, onde os serviços de água tratada e esgoto são recentes e não chegam à todas as casas, assim como energia elétrica, asfalto e sobretudo, segurança. Além disso, as escolas locais também não conseguem atender todas as demandas e são vários os limites para as crianças que estudam no Distrito Federal: a distância e o transporte escolar que não atendem às necessidades são as principais delas. O precário acesso a serviços públicos de saúde e educação e aos equipamento de cultura e lazer faz com que a vida no Jardim ABC seja uma condição de sobrevivência com muita vulnerabilidade social.
A relação dos terreiros com as regiões onde estão domiciliados é intensa, essa é uma característica comum às comunidades afrorreligiosas. Ela tanto pode surgir pela necessidade de fortalecimento das relações com a comunidade ao redor, e assim ser uma proteção ao culto e aos religiosos, quanto também pela necessidade e responsabilidade em contribuir para o desenvolvimento do território local, uma vez que são comumentes localizados em regiões rurais ou periféricas. Dessa forma, o principal público são as crianças, que são ao mesmo tempo as mais ameaçadas pelo contexto de vulnerabilização e, apostas para o futuro das heranças e da tradição. Quanto antes trabalhadas e potencializadas em suas capacidades, mais chances de os frutos serem positivos para a vida delas e da comunidade como um todo.
Diante do exposto, Mãe Dora de Oyá, Iyalorixá e Diretora da Associação Religiosa e Cultural Quilombo T’Ojú Labá idealizou o “O projeto ABC Musical”, como recurso de enfrentamento da vulnerabilidade social em que as crianças estão inseridas, trabalhando a autoestima, o fortalecimento da identidade racial, saúde, educação, a ancestralidade afro-brasileira e formação musical, contribuindo para oportunidades de emprego e geração de renda.
O Ilê Axé T'Ojú Labá é também um Ponto de Cultura e Associação Religiosa e Cultural estabelecendo ao longo dos anos importantes e frutíferas parcerias com instituições e atores do Distrito Federal de todo o Brasil. São elas: A casa do samba de Roda de Dona Dalva; Alafin Oyó; São Batuque, Acadêmicos da Asa Norte, ASSEAPMA, UnB; Escola de Música de Brasília, RENAFRO, Ministério da Saúde, Embrapa, Outro Calaf, Revista Calundu
Objetivo Geral
Oferecer iniciação musical às crianças e adolescentes em contexto de vulnerabilidade social
Objetivos Específicos
- Promover a cultura afro-brasileira
- Fortalecer a autoestima e identidade étnico-racial e de gênero
- Contribuir para formação, emprego e geração de renda
- Fomentar oficinas de promoção da saúde, educação, cidadania e meio ambiente
O presente projeto foi institucionalizado no ano de 2014. Desde então, os encontros acontecem semanalmente aos sábados das 9h às 12h. Acolhendo crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos e, voltado para a valorização, ensino e divulgação da cultura afro-brasileira, especialmente através de ritmos como o samba, samba de roda, afoxé, maracatu, os encontros se fundamentam em aulas de teoria e prática musical. O projeto fornece ainda transporte, alimentação, material didático, uniforme para apresentação e os instrumentos para as aulas, oportunizando o acesso ao ensino de música e maior capital cultural.
As aulas regulares contemplam violão, cavaquinho, surdo, pandeiro, ataque, timbau, entre outros instrumentos de percussão. O projeto conta com professores voluntários, membros do terreiro, bem como profissionais convidados, mestres tradicionais, maestros e oficineiros de todo o país, que também contribuem com o projeto.
A metodologia em aula compreende exercícios corporais para aquecimento e percepção rítmica. Os alunos são estimulados com uma atividade inicial de leitura, contação de história ou pintura. Posteriormente os participantes têm um eixo ordenador comum da aula, que pode ser um ritmo ou uma música, para então, fazerem exercícios dos seus respectivos instrumentos. Por último realiza-se uma atividade coletiva em que se somam todos os instrumentos para execução do ritmo ou música estudada.
Frequentemente são organizadas apresentações culturais dos componentes do projeto em eventos, aulas-passeios, visita a aparelhos culturais e educacionais da cidade de Brasília, como teatro, exposições e shows. Existe ademais, uma relação direta entre o projeto ABC Musical, os alunos do projeto e o Afoxé Ogum Pá: os participantes que desenvolvem o interesse pela música são convidados a compor o afoxé e integrarem as alas – essa é uma maneira de incentivo à dedicação, presença e participação. Atualmente 1/3 dos integrantes do Afoxé Ogum Pá são crianças e adolescentes oriundas do projeto ABC Musical.
Outra ação desenvolvida no ABC Musical são as atividades artesanais para a produção de toda a indumentária utilizada nas apresentações do Afoxé. Desde o desenho dos figurinos à confecção de cada uma das peças, os elementos específicos de cada ala e de cada apresentação, adereços e cenário são confeccionados artesanalmente por toda a comunidade do terreiro. Essa ação fortalece toda uma cadeia produtiva de uma economia de base comunitária, que vai desde a instrução e formação de costureiras/os à confecção de produtos para o uso interno das atividades culturais do projeto, do Afoxé e mesmo dos filhos e filhas de santo do terreiro. A comercialização é realizada por meio da internet e feiras para pequenos produtores.
Outro eixo de aprendizagem, transmissão e cadeia econômica de base comunitária é a confecção de alguns instrumentos, como Agogô e Agbê, que são produzidos artesanalmente. Além disso, a técnica de manutenção de instrumentos que foram doados e/ou comprados como a troca de pele dos instrumentos de percussão, pinturas para customização, afinação e requisitos técnicos de som são realizadas por todos que compõe o projeto e o terreiro.
Outro elemento de grande expressão na comunidade e que perpassa o presente projeto é a Oralidade. Todas as atividades são desenvolvidas por meio de rodas de conversa, em que a matriarca (Mãe Dora) e os mais velhos estão sempre ensinando os mais novos e reforçando a importância dos fundamentos, desde as vestes, os passos de cada orixá, as saudações, cantos, nossas raízes e ancestralidade. Enquanto terreiro de nação Ketu, também são abordados os Itans dos Orixás, que são histórias que auxiliam na compressão dos fazeres no candomblé. Há ainda ensinamentos sobre a cultura alimentar de tradição afro-brasileira e a importância do alimento como elemento de conexão entre os mundos. Anualmente é realizada uma feijoada beneficente para arrecadar fundos para o projeto do ABC musical, essa é igualmente uma maneira de levar elementos da cultura alimentar afro-brasileira para o público externo.
Há ainda dentro do ABC Musical o Projeto “Pedagogia do Samba em Projetos Sociais: Saberes e Perspectivas Históricas” que oferece um espaço de troca de saberes com os professores da educação formal. Um material didático foi produzido por instrutores e alunos para auxiliar os programas de aulas de samba e outros ritmos afro-brasileiros. O material leva em conta: o papel do samba na nossa constituição, o samba como fonte de informação e conhecimento da nossa história, o samba como instrumento de transformação social e formação musical. O produto principal desse subprojeto é o livro “Nosso Livro de Samba”, lançado em 2018. Este serve de suporte para as aulas de música, ao passo que é fruto de uma avaliação dos resultados alcançados em “sala de aula”.
Os alunos do ABC musical são apresentados aos mais diversos temas, que extrapolam o universo da música. Com ampla experiência de cidadania, destacamos a participação das crianças e adolescentes nas reuniões e atividades do Projeto Sustentabilidade em Casas Tradicionais de Matriz Africana do DF e Entorno, que contempla segurança alimentar e nutricional, agroecologia e conservação de recursos naturais em parceria com a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Esta ação apenas reafirma um modo de vida que é autossustentável, baseada na reprodução da vida no cultivo de plantas alimentícias e medicinais, em plantações também de pequena e média escala com viés agroecológico, prezando pela segurança alimentar da sua comunidade e entorno, preservação do meio ambiente e outros valores na relação com a natureza.
É vasta a literatura que discorre sobre os benefícios do estudo de música, que engloba, entre outras coisas, a melhora da coordenação motora, ampliação do raciocínio, melhoria do comportamento social na escola, redução da ansiedade, solidão, estresse, além do reforço do sentimento e convivência em grupo, de modo a ampliar e fortalecer as redes de apoio. Todos esses quesitos foram observados no presente projeto.
Dentre os principais efeitos e resultados destacamos: continuação da formação e estudos de música em escolas profissionalizantes do DF e região; participação do projeto em shows e apresentações musicais como “Feijoada e samba” do Ilê Axé T’Ojú Labá; inserção de componentes do projeto no Afoxé Ogum Pá – importante expressão cultural e artística do Terreiro – compondo 1/3 dos seus membros.
Em 2018 foi lançado por professores do projeto com a colaboração dos alunos um livro didático chamado “Nosso livro de samba” que articula o conteúdo teórico e técnico sobre música com temas sociais importantes como cidadania, justiça social, saúde e meio ambiente.
As produções musicais se estenderam a instrumentos musicais, artesanatos, confecções de roupas e figurinos, gerando renda e ampliando a cadeia produtiva/econômica de base comunitária.
Podemos citar ainda como reflexo do projeto a redução da evasão escolar e queda no número de repetência entre os alunos que estudam na rede pública de ensino do Jardim ABC – Cidade Ocidental/GO. Observa-se um melhor rendimento, comportamento e aproveitamento do ambiente escolar e dos conteúdos transmitidos. Por fim, demarcamos uma melhora no convívio familiar descrito pelos pais e mães, transformações nas atitudes e falas das próprias crianças, desde a autoestima até partilhas sobre as expectativas do futuro.