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O convite para pensar uma intervenção acerca do suicídio, na cidade de Jundiaí (SP), impôs o desafio de aprimorar posturas profissionais. Assim, foi necessário adequar a linguagem para um público maior e não familiarizado aos termos técnicos da saúde, além de produzir um planejamento adequado ao território e com apoio e colaboração da gestão local. Havia uma motivação compartilhada com a então Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas de que é possível fazer e uma alegria em ver o interesse de profissionais de outras áreas (Segurança, Educação, Judiciário)! Dentre os desafios, ressalta-se a desconfiança por parte de alguns profissionais em relação a figura do profissional consultor e autor da intervenção proposta e, ou as sugestões do projeto, além do pouco tempo para construir coletivamente alguma estratégia. Vale ressaltar a principal dificuldade enfrentada: a chegada de uma nova gestão na Secretaria Municipal de Saúde quase inviabiliza a continuidade do que foi planejado, sendo possível realizar a finalização e a produção final contando com o apoio de profissionais e usuários da rede de atenção psicossocial do município.
O ano de 2016 foi marcado por fortes mudanças no cenário brasileiro. Se, por um lado, a ampliação das redes de atenção psicossocial apresentava e apoiava o desafio da vida em liberdade, por outro o panorama político iniciava uma movimentação contrária ao campo progressista. Na saúde mental interrompia-se um ciclo de implantação e expansão de serviços territoriais e antimanicomiais. O processo de impedimento presidencial ocorrido em abril de 2016, o acirramento da polarização no campo político, além da crescente onda de violência e de discursos de ódio direcionados a populações minorizadas estavam presentes cotidianamente. Neste cenário de incertezas, o impacto era claro sobre as equipes e, mesmo quando as mudanças de gestão local sinalizariam riscos a continuidade, foi o trabalho coletivo de profissionais e usuários da rede que permitiu a elaboração e a execução exitosa deste projeto.
O projeto abordou o desafio municipal de casos recorrentes de suicídio em um bairro específico, além de duas situações ocorridas em serviços, com impacto profundo sobre a dinâmica das equipes . A cidade como um todo enfrentava a complexidade de como lidar com a questão, principalmente as próprias equipes de saúde. Cidadãos e profissionais diretamente afetados mobilizaram a Coordenação Municipal de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da época, com cuja equipe compartilhei a preocupação em desenvolver um projeto para trabalhar mitos sobre o fenômeno do suicídio, compartilhando dados e estratégias, visando a colaboração mais ampla possível. Neste sentido, para além de um curso, foi necessário pensar em um trabalho coletivo, de educação permanente e uma proposta de constituição de um coletivo, como grupo de trabalho, junto a Coordenação, para desenvolver, implantar, executar e acompanhar as ações a serem pensadas durante a execução do projeto.
Inicialmente, a parceria esteve entre a Prefeitura Municipal, a Secretaria Municipal de Saúde, a Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, a Escola Municipal de Governo e Gestão. Importante destacar cada esfera de governo, para exemplificar como o apoio político a projetos como esse é fundamental. Assim, foi possível por exemplo fazer a abertura no teatro mais querido pela população local: o Teatro Polytheama, tendo significado importante discutir o estigma acerca do fenômeno do suicídio em um espaço destinado a produção cultural. O público alvo inicial era para profissionais e usuários de saúde mental e da rede de atenção psicossocial. O interesse pelo projeto se mostrou maior e, com apoio intersetorial, foi possível contar com profissionais das áreas de Segurança Pública, Educação e Judiciário, pois localmente sempre estiveram envolvidos em situações de morte por suicídio. A expansão do público-alvo foi importante, visto que a mudança da gestão na Prefeitura Municipal pôs em risco a continuidade do processo, de modo que a rede de profissionais e a então Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas envidaram esforços diversos significativos para finalização do projeto.
- O objetivo geral foi compreender e manejar as situações de crise suicida sob a ótica da Atenção Psicossocial. Os específicos foram identificar especificidades dos territórios de saúde; refletir sobre as intervenções às situações de suicídio e ideação suicida; desenvolver estratégias em rede.
Foram organizadas três oficinas de planejamento com a gestão municipal. O curso realizou quatro encontros presenciais, de oito horas, com a rede intersetorial, na Escola de Governo e Gestão do Município; duas intervenções no formato roda de conversa em serviços da rede que vivenciaram atendimento a crises suicidas. Também foi proposto a produção de um grupo de trabalho para construção de um produto da intervenção, bem como outras ações em rede, em colaboração com o profissional consultor e a gestão municipal.
Inicialmente previsto para profissionais da rede de atenção psicossocial, o projeto abarcou a participação de profissionais da área de Educação, Justiça e Segurança Pública municipais. Esta estratégia fomentou a qualificação dos processos de trabalho que ocorrem no cotidiano das equipes de saúde e da rede intersetorial e possibilitou uma melhor comunicação dos profissionais de diferentes serviços, oportunizando o estabelecimento de parcerias mais empáticas e solidárias na condução dos casos. Construiu-se um plano de ação e uma cartilha de orientação às situações de cuidado em rede à crise suicida.
Desde sua concepção, a qualificação promoveu o encontro entre gestores locais e trabalhadores responsáveis pelo cuidado em saúde nos diferentes territórios que compõem a rede municipal de saúde e intersetorial. O cancelamento de um encontro e a consequente exclusão de um conteúdo, reforçou a fragilidade desse tema, segundo avaliação feita pelos/as participantes. O grupo de trabalho elaborou um plano de ação, ampliou o produto final e segue ativo, como coletivo em ação.
O município mostrou ter uma rede potente e engajada em relação a atenção à saúde, avançando na construção de estratégias prioritárias com flexibilidade suficiente que permita a reformulação das intervenções e avaliações sempre que existir necessidade de alterar algum fluxo. Importante destacar, portanto, a finalização do plano de ação e da cartilha, pelo supracitado GT, bem como o necessário apoio da gestão, em diferentes níveis, para sustentar a execução do que foi planejado.
