Escola Politecnica Joaquim Venâncio / Fiocruz

Portfólio de Práticas Inspiradoras em Atenção Psicossocial

Centro Regional de Formação em Políticas sobre Drogas e Direitos Humanos

Formação inovadora para a redução de danos, incluindo formalmente (como bolsistas ou contratados CLT) usuários dos serviços territoriais como facilitadores.
Baixada Santista - SP
  • Campo do Saber
  • Campo de Prática
  • Público Alvo
Autores: 
Luciana Togni de Lima e Silva Surjus; Karina Franco Zihlmann; Graziella Barbosa Barreiros; Patricia Carvalho Silva; Fernanda Soncini; Lenilra da Costa Valerio; Maria Santiago; Otaviano Lopes dos Santos; ngelo Galdino da Silva; Helena Aparecida Ferreira; Danilo Afonso Abreu.
div3rso.unifesp.bs@gmail.com
Instituições vinculadas: 
Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista
Resumo afetivo: 

Trata-se de um programa de extensão universitária, desenvolvido pelo "Grupo de Pesquisa e Extensão DiV3rso: Saúde Mental, Redução de Danos e Direitos Humano", situado no Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Unifesp - Campus Baixada Santista -, a partir do qual são desenvolvidos processos formativos que apoiem a conformação de redes intersetoriais mais efetivas para a transformação da realidade social que envolve as pessoas em uso problemático de drogas, sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo em que se produz a formação acadêmica em consonância com a realidade local e os contextos reais de vida das pessoas que têm problemas relacionados ao uso de drogas.

Tal proposta responde às exigências básicas de um programa de extensão, propondo articulação direta entre a Unifesp, gestores, trabalhadores das políticas públicas de saúde, assistência social, educação, cultura, segurança pública, trabalho, e do sistema de garantia de direitos dos Municípios que compõem a Baixada Santista, além de priorizar entre os participantes e facilitadores usuários dos serviços, considerados atores fundamentais na construção de conhecimento e no desenvolvimento de práticas emancipatórias e cidadãs.

Vimos, então, desde 2018, realizando a formação de trabalhadores, usuários e gestores de forma articulada com estudantes de graduação e pós-graduação, fazendo-se assim de modo interdisciplinar e intersetorial por meio de intervenção prática multiprofissional, e englobando o contexto sociocultural e o território de circulação dos envolvidos, na busca de ações transformadoras para a garantia de seus direitos, visando à resolubilidade de problemas sociais e à qualificação da rede de atendimento.

Vivemos altos e baixos, tivemos perdas entre participantes que invalidaram o conhecimento que se fazia a partir do encontro, no esforço de linguagem comum. Perdemos usuários que viveram agravamentos nas suas relações problemáticas interpessoais, ou com algumas substâncias, nos quais, não foi possível sustentar as poucas exigências que havia na construção coletiva. Pudemos vivenciar a redução de danos em suas várias dimensões: a ampliação das oportunidades de educação e trabalho; a abertura de novas escolhas; a saída da rua; a modificação da maneira de usar drogas; a mudança da substância em uso; o retorno ao convívio familiar; a inserção no conselho municipal de política sobre drogas.

Contexto: 

As diretrizes e linhas gerais do CRF-UNIFESP-BS foram organizadas sob os princípios da Reforma Psiquiátrica, da Redução de Danos e dos Direitos Humanos, paradigmas estes que nos oferecem aportes teórico e prático que auxiliam na construção de formações mais problematizadoras e também no apoio à rede de cuidado na construção de ferramentas de intervenções mais próximas com as necessidades vivenciadas nos territórios.

A proposta de formação se orienta pela ética da educação popular, tendo como metodologia a educação entre pares, articulando ainda ensino, pesquisa e extensão. Compartilhamos o pressuposto que a extensão universitária é a tradução em sua concretude do papel social da Universidade, no processo de democratização do saber acadêmico e a busca de respostas às demandas suscitadas pelo desejo permanente de aperfeiçoamento sociocultural e profissional gerado em parte pelos próprios cidadãos.

Temos sustentado, portanto, a formação de trabalhadores, usuários e gestores - juntos e misturados - com estudantes de graduação e pós-graduação, fazendo-se de modo interdisciplinar e intersetorial por meio de intervenção prática multiprofissional, englobando o contexto sociocultural e o território de circulação dos envolvidos.

Foram realizados 2 grandes processos formativos, tendo como pilares o compromissos com a universalização da educação e a inserção social pelo trabalho, o que vem sendo possível a partir de parcerias e convênios - na inserção de graduandos, pós graduandos, e usuários dos serviços, por meio de bolsas de extensão ou, numa das experiências, por contrato CLT, pela Fundação de apoio da Universidade.

Entre equipe de trabalho, conformada por coordenação, tutores, supervisores e facilitadores, bem como entre os participantes dos processos formativos, são priorizadas pessoas que acumulem situações de vulnerabilidade - cotistas, trabalhadores de nível médio, pessoas trans, pessoas negras, mulheres.

Motivações: 

A questão do uso problemático de drogas vem de forma crescente ganhando espaço na agenda de diversos setores da sociedade, desafiando estudiosos e gestores das mais diversas políticas públicas a compreenderem e elaborarem ações que respondam mais efetivamente a sua complexidade. As recentes transformações no panorama internacional do paradigma das Políticas sobre Drogas apontam para o reconhecimento do ineficaz e ilusório ideário de um mundo sem drogas , e sua consequente mobilização de estratégias, que não só não cumpriram as promessas de controle do tráfico de drogas, e de redução da oferta e demanda pelo seu consumo, como também afastaram as oportunidades de implementação de ofertas de tratamento e suporte social baseadas em princípios democráticos e direitos humanos, que pudessem impactar na transformação da realidade social de inúmeras pessoas.

No Brasil, a questão não se difere dos demais países em relação ao aumento progressivo do consumo de drogas estimulantes; às mudanças no padrão de consumo, havendo expressa preocupação acerca do início de uso cada vez mais precoce, sem compreensível inscrição e/ou regulação sociocultural; ao uso de cocaína fumada, em especial do crack, por populações em situação de extrema vulnerabilidade.

Por todo país, como também em outras realidades internacionais é preocupante a proposição de procedimentos arbitrários de retirada dos sujeitos de seus contextos, sob justificativa de tratamento; a retirada da guarda dos bebês de mulheres usuárias de drogas , sob a égide da proteção das crianças e o crescimento da população carcerária por situações relacionadas às drogas, a partir da evidente utilização de prisões provisórias e flagrantes de tráfico de drogas, apontando para possíveis mecanismos de seletividade penal sob recorte de classe e etnia.

A necessidade de implantação do CRF na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) justifica-se:
- pela magnitude da questão das drogas na região e complexidade no âmbito do cuidado, em especial junto a populações em situação de alta vulnerabilidade;
- pela necessidade de articulação territorial da rede de serviços, em especial aqueles de interface direta à problemática;
- pela importância de qualificar as intervenções profissionais, a serem realizadas mais adequadamente se apropriadas das diferentes dimensões e tecnologias de ação disponíveis;
- pelo imperativo da ampliação do acesso dos usuários dos serviços à universidade e a espaços formativos.

Porém a circunscrição da questão das drogas à ilicitude e ao câmbio das políticas Criminais, sob a teoria da culpabilidade, repercutiu não somente o atraso das políticas públicas de saúde e assistência social, mas também consolidou a drogadição como um dos 'bodes expiatórios na manipulação da política da criminalidade'. Sob o paradigma proibicionista, estabeleceram-se dois modelos principais de cuidado, o modelo moral/criminal e o modelo da doença.

Paradoxalmente, vem se estabelecendo diversificados movimentos que convocam os gestores de políticas públicas e toda a sociedade brasileira a repensar a questão das drogas de forma multidimensional, reconhecendo a complexidade na temática, bem como as marcas histórico-econômicas e políticas, considerando as questões da economia das drogas, diversidade de gênero, classes sociais e etnia, inclusão social, além do debate sobre descriminalização.
 

Parcerias: 

O Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo tem seu projeto pedagógico pautado na interdisciplinaridade, prevendo entre os cursos que o compõem, momentos de formação compartilhada permitindo a vivência de equipes interprofissionais.

O Grupo de Pesquisa e Extensão DiV3rso: Saúde Mental, Redução de Danos e Direitos Humanos, do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva é o proponente do CRF e vem estabelecendo parcerias com as Secretarias de Saúde e Assistência Social dos Municípios que compõem a Baixada Santista - (Santos, Guarujá, Mongaguá, Cubatão, Bertioga, Peruíbe, São Vicente, Praia Grande, com exceção de Itanhaém, até o momento).

As formações em Redução de Danos realizadas até o momento contaram como parceiros com o Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Fiocruz Brasília; Centro de Convivência É de Lei (Sâo Paulo); Universidade Virtual de São Paulo, com a qual se estabeleceu um convênio; e, mais recentemente, há uma aproximação com a Aldeia Indígena Piaçaguera de Peruíbe, reconhecendo a importância de resgates culturais e humanitários, no desenvolvimento de projetos comuns.

O público envolvido é composto por alunas e alunos de graduação, pós-graduação, trabalhadores das políticas públicas de interface com a questão das drogas; pessoas com histórico de uso problemático de drogas e em situação de vulnerabilidade.

Objetivo: 
  • Articular ações de apoio e formação no âmbito das Políticas sobre Drogas nos Municípios da Região Metropolitana da Baixada Santista;
  • Capacitar profissionais da RMBS das áreas de saúde, assistência social, educação, segurança pública, trabalho, cultura e esporte;
  • Capacitar usuários atendidos dos diferentes serviços de interface com a questão das drogas;
  • Desenvolver Projetos de Intervenção Intersetoriais no Municípios participantes;
  • Elaborar e publicar materiais sobre a temática desenvolvida e os projetos de intervenção formulados;
  • Incidir sobre a desigualdade de oportunidades, considerando os marcadores sociais mais determinantes;
  • Fomentar a interlocução e a conformação de redes de inclusão pelo trabalho da RMBS.
Passo a passo: 

O CRF-UNIFESP-BS tem como proposta metodológica a abordagem pedagógica sócio construtivista, que visa proporcionar o fazer, agir, operar, criar e construir, a partir da realidade vivida, produzida no encontro de profissionais, docentes, discentes, e comunidade da região, e tem direcionado suas ações de forma a fomentar práticas interprofissionais e interdisciplinares, no âmbito das políticas públicas de drogas vigentes e a se consolidar.

Sob a ética da educação popular libertária, os processos formativos tomam a diferença como marco necessário para as relações solidárias e democráticas e assim busca promover atualização para compreensão de uma concepção ampliada e multidimensional da questão das drogas, gerando subsídios para qualificação da atuação.

As ações em campo partem do acúmulo da edução entre pares, validando as diferentes linguagens e códigos sociais de distintos contextos (festas universitárias; povo da rua; população vinculada a políticas sociais), considerando a abertura para a construção de novas respostas mais consonantes com as realidades e necessidades de cada contexto e pessoa.

As ações ainda incluem apoio e supervisão de projetos de intervenção intra ou intersetoriais voltados à realidade de cada Município envolvido, fazendo articular frentes de inclusão social pelo trabalho e as necessidades de habitação.

Efeitos e resultados: 

Os efeitos dessa modalidade formativa inovadora podem ser melhor conhecidos nos materiais produzidos, disponibilizados nos links abaixo (3 ebooks, e um vídeo institucional).

Têm sido transformadores a participação lado a lado de trabalhadores, alunas (os) e usuários dos serviços, no reconhecimento e reafirmação de nossas diferenças como potência, ou ainda como desigualdade, numa legitimação primeira dos diferentes saberes, construídos a partir desses distintos lugares; o que parece permitir uma abertura posterior o engajamento em percursos comuns, de reinvenção rumo à democracia psíquica.

Todo este projeto não foi desenvolvido sem nos desafiar cotidianamente a identificar limitações na realização das ações planejadas e identificar dificuldades, num caminho construído ao caminhar. Transformar a universidade em lugar de formação e promoção de redução de danos fez mais presente toda a sorte a que estão expostos nossos novos parceiros. Compartilhamos riquezas que não reconheceríamos sem sua presença: nossa água, nossa comida, nosso acesso à internet, nossa estranheza às violências sofridas por muitos, cotidianamente, e por isso tão naturalizadas.

Garantir a presença dos usuários conosco, enquanto trabalhadores, reordenando as forças para construir relações lateralizadas, de corresponsabilidade, não tem sido fácil, mas extremamente prazeroso e promissor, na recusa constante de certa hierarquia e/ou invalidação/tutela que atravessa as práticas educativas e terapêuticas. Reafirmamos a cada dia nossa diferença, e sustentamos projetos comuns, que desestabilizem a harmonia cruel da desigualdade.